Colômbia: "A assinatura de um acordo de paz não é o ponto final, mas o ponto de partida para mudar a sociedade"
Professor de Relações Internacionais, doutorou-se em Coimbra, vive na Colômbia há treze anos e investiga o conflito no país há 20. Investigador na área dos estudos da paz, Miguel Barreto Henriques analisa a Colômbia e os seus constrangimentos, desafios, sucessos e fracassos. Entrevista na TSF.
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A situação na Colômbia tem-se degradado nos últimos tempos, particularmente nos últimos meio ano, oito meses. Porquê? A que é que se deve este recrudescimento da violência?
Há vários fatores. Se virmos o conflito armado desde uma perspetiva de longo prazo, a verdade é que o conflito ao longo das décadas foi-se transformando. Ou seja, a cada acordo de paz, que não é o primeiro que ocorre com as FARC, sucedeu sempre uma nova onda de violência e uma nova geração de grupos de diferentes tipos, ou seja, quer insurgentes, quer paramilitares. Então, o que aconteceu desde 2016, desde a assinatura do acordo de paz, é que há regiões do país onde efetivamente houve um dividendo positivo da paz e conseguiu-se ir construindo algumas dinâmicas pacíficas de reconciliação ou até de maior nível de segurança. Mas nas zonas mais estratégicas do conflito armado, que já o eram antes do acordo de paz e antes do processo de paz iniciado em 2012, ou seja, estamos a falar das zonas periféricas, na costa pacífica, toda a fronteira com a Venezuela, que são 2 mil quilómetros, outras zonas no sul do país, já próximo da Amazónia, o que houve foi um reordenar do tabuleiro de xadrez.
Normalmente também são as zonas onde o Estado não chega ou chega menos.
Ou seja, é a grande causa estrutural do conflito armado, zonas onde não só não há a presença do Estado no sentido weberiano do monopólio do uso legítimo da força, mas também enquanto um regulador social, uma entidade que transfere serviços para a população. Então, nessas zonas não se sente tanto a chegada nem o impacto do acordo de paz. E aí o que aconteceu foi que o espaço deixado pelas FARC foi ocupado pelo ELN que é outra guerrilha, por grupos paramilitares, por grupos narcotraficantes, e desde há uns anos há o fenómeno das chamadas dissidências das FARC.
Que começam a ser relevantes? Há locais onde já tem havido, por causa de combates até entre fações dissidentes das FARC, não propriamente entre dissidentes e o Exército, acontecem mesmo combates entre fações dissidentes, locais onde houve dezenas de mortos, onde há milhares de refugiados, ou deslocados internos…
Sim, a própria situação e panorama das dissidências das FARC não é homogénea. Há uma das frentes das FARC, uma frente importante, que não participou no processo de negociação por razões políticas; então, desde o início era um fragmento, não tão substancial, mas um fragmento das FARC que não participou. Depois houve algumas dissidências que muita gente considerava que se podiam explicar através do que acontecia aos comandos médios das FARC, que não tinham tanta visibilidade nem participação política, mas que tinham uma estrutura, estavam dentro da estrutura de poder e de hierarquia das FARC, e são, de certa forma, as dissidências que estão mais ligadas às rotas do narcotráfico. Mas temos também, já na atualidade, duas dissidências das FARC, claramente com vocação política: uma delas liderada pelo antigo líder da equipa de negociação do Acordo de Paz. Então, essas dissidências têm vindo a estender-se cada vez mais no país e ao ponto em que, como estávamos a mencionar, já há até confrontos entre as próprias dissidências das FARC em algumas zonas ou confrontos com a guerrilha do ELN nessas zonas mais periféricas do país.
Tudo isso faz com que o acordo que foi assinado na altura pelo presidente Romano Santos com As FARC, faz com que esse momento seja menos um momento e mais parte de um processo?
Sim, sim. Eu acho que, efetivamente, um dos riscos de entender, não na sua plenitude e complexidade, a paz em termos globais é achar que a assinatura de um acordo é o ponto final.
Se calhar é mais o ponto de partida…
Para muitos aspetos é um ponto de partida, porque é um ponto de partida para reformular a sociedade, repensar a sociedade e há sempre todas estas temáticas e assuntos que são próprias dos cenários de pós-conflito, como a reconciliação, a justiça tradicional, a verdade, a reparação, e que são sempre desafios bastante importantes.
E nesses campos a Colômbia ainda está, digamos, num estado muito incipiente?
Depende também como analisarmos, porque o Acordo de Paz na Colômbia tem sido estudado em todo o mundo, ou seja, tem suscitado um interesse académico brutal a nível mundial, sobretudo no meio académico e no meio das instituições políticas internacionais, das organizações internacionais, no sentido de ser um acordo de última geração.
Ou seja, um acordo quase vanguardista no sentido de incorporar elementos novos e que não estão presentes em muitos outros acordos a nível internacional. Um enfoque de género, um capítulo étnico, uma abordagem de paz territorial, uma abordagem de justiça centrada em justiça restaurativa. E, em alguns destes pontos, o avanço da implementação do Acordo de Paz é muito significativa. A Comissão da Verdade já cumpriu o seu mandato, o Tribunal de Paz, a Jurisdicción Especial para a Paz, já abriu os chamados macrocasos, mais de 12, e estão neste momento a começar a entrar no plano das sentenças; a unidade de busca de desaparecidos também já está a começar a ter alguns dos primeiros elementos, e já havia até alguns processos de reparação anteriores ao processo de paz, por exemplo, a lei de vítimas do Juan Manuel Santos. Por isso, em termos de transição, há elementos muito significativos e positivos de transição. O problema é a especificidade de fazer uma transição no momento onde ainda há uma perpetuação do conflito armado e uma transformação do conflito armado, leva a que não sejam as condições ideais para a transição e para pôr em marcha tudo o que tem a ver com a implementação do Acordo de Paz. E aí é onde há situações muito diferentes de acordo a que ponto do Acordo de Paz e capítulo nos tivermos a referir: implementação em termos de desmobilização das FARC, reintegração das FARC, em termos de justiça transicional, eu diria que é francamente positiva.
Mas, em alguns aspectos mais estruturais, que exigem processos de longo prazo, como o tema agrário, a reforma rural, as reformas de participação política, tudo o que tem a ver com narcotráfico e cultivos ilícitos, aí tem havido níveis muito baixos de implementação. E isso leva a que não só há uma situação onde a segurança voltou a ser um problema, já numa fase posterior à assinatura do Acordo de Paz, como em muitos territórios do país a população sente uma frustração das suas expectativas face ao Acordo de Paz, no sentido em que não vê a sua vida quotidiana mudar e não vê tudo o que tinha sido prometido com o Acordo de Paz a ser implementado. E isso leva a que, neste momento, a Colômbia não tem grande entusiasmo pelo Acordo de Paz e até é um tema que tem saído da agenda política e eleitoral nas últimas duas eleições.
Mas não tem saído a questão do regresso da violência mais ligada às máfias e ao narcotráfico…
Sim, digamos que até sobretudo na atual administração de Gustavo Petro, porque no anterior governo de Ivan Duque, não só por razões ideológicas e políticas, foi um sabotador da própria implementação do Acordo de Paz e não quis continuar o processo de paz que se tinha iniciado na última fase do segundo mandato do Juan Manuel Santos. Mas o Gustavo Petro, e partindo de um princípio que para mim é completamente válido, que é o que existe na Colômbia, foi uma paz parcial com um grupo armado, mas a Colômbia tem uma grande diversidade de grupos armados.
Então, iniciou uma política pública que chamou a paz total, que era a possibilidade de abrir várias mesas simultâneas de negociação, não o mesmo processo, mas mesas paralelas de negociação, com o ELN, com grupos paramilitares e neste último momento até com as próprias dissidências das FARC. Mas aí tem tido todas as dificuldades do mundo: o processo de paz com o ELN, embora historicamente tenha sido sempre muito difícil e tenha avançado se calhar até mais do que qualquer outro processo de paz, tem tido muitos sobressaltos e já neste momento parece, eu não diria impossível, mas altamente improvável que se consiga um acordo com o ELN e com os restantes grupos armados. Também não temos ainda resultados muito substanciais, o que leva muita gente a achar que a política de paz total do Gustavo Petro foi um fracasso.
E em relação às outras áreas de governação, não é propriamente um governo muito popular, tem tido alguma dificuldade em fazer avançar no Congresso as reformas laborais e de saúde, convocou para o passado dia 18 um dia cívico, apelando às pessoas para serem à rua para defenderem a realização de uma consulta popular ou defenderem essas reformas com vista a começar os trâmites junto do Congresso para que haja uma consulta popular. Aparentemente já há uma dezena de perguntas que já estarão definidas pelo governo para essa consulta popular, que vai ser difícil politicamente fazer avançar. Como é que tem sido a atuação deste governo?
Digamos que quem tivesse uma grande ilusão no sentido de abraçar o discurso de Gustavo Petro, no sentido de que ‘este vai ser o governo da mudança, este vai ser o primeiro governo popular em 200 anos de história republicana do país’, claramente também se sente frustrado, embora haja uma quantidade de fatores diferentes. Ou seja, há problemas que não são diretamente ligados ao governo, no sentido de ser um governo minoritário, não tem maioria nas câmaras e por isso...
E por ser pela primeira vez na história da Colômbia um governo de esquerda, há tendência ou tem-se verificado que há tentativas do centro e particularmente da direita colombiana de sabotar o mais que podem a ação do governo?
Sim, claramente. O Petro é uma figura que tem muita popularidade em alguns setores da população, sobretudo na esquerda, mas é também a figura mais odiada da política colombiana para muitos setores, não só na direita, até no próprio centro.
Por ter sido um guerrilheiro do movimento M19?
Sobretudo por isso, mas também por encarnar uma esquerda que na base é revolucionária, podemos dizer que se calhar no seu programa é mais reformista e mais social-democrata que revolucionária, mas uma esquerda com uma possibilidade real de chegar ao poder, como efetivamente veio a acontecer, e transformar o país. Então temos uma direita que tem até uma abordagem de algumas questões políticas como não é comum fazer-se um escrutínio a nenhum presidente, por exemplo, os meios de comunicação mais à direita a lançar escândalos quase diariamente, mas temos também um centro que na segunda volta das eleições preferiu ficar ao lado do Petro, no sentido de conseguir algumas reformas progressistas no país, mas muito rapidamente se viu que o centro político não conseguiu manter-se nessa coligação com o Petro, depois de ter estado até na primeira formulação do governo. E na esquerda, também há quem considere que traiu essa visão mais revolucionária, ou que sente que parte dessa agenda progressista de inclusão de camponeses, indígenas, mulheres, LGBT, não tem sido suficientemente aposta do Gustavo Petro. E então temos uma situação onde as reformas têm sido sistematicamente bloqueadas a nível legislativo, reforma da saúde (não há um sistema nacional de saúde na Colômbia, é sobretudo privado), uma reforma fiscal, reforma das pensões, das reformas, tudo isso praticamente ficou como promessas da campanha que não puderam avançar.
E tem havido até algumas tensões dentro da própria base política do Gustavo Petro, por exemplo, com algumas figuras políticas que têm sido nomeadas para embaixadas, para cargos públicos, até para ministérios com acusações, por exemplo, de violência baseada em género, e então existem setores que também dentro da própria base social do Petro têm colocado tensões e discussões profundas. Por isso, temos um governo que claramente tem um discurso diferente e colocou na agenda política temas que não era muito comum lá estarem, por exemplo, o tema ambiental, o aquecimento global, uma nova política relativamente às drogas - o Petro, por exemplo, está disposto a regular e legalizar, inclusive, algumas formas de tráfico de droga -, claramente a apostar mais no público em detrimento do privado, mas sem ser uma mudança muito substancial.
Por isso, eu diria que quase que ao final de três anos podíamos falar na banalidade da esquerda, brincando um pouco com as palavras da Hannah Arendt com a banalidade do mal, ou seja, o bicho-papão que montou a direita na Colômbia no sentido de que ia acabar a democracia, de que íamos ter um sistema comunista na economia, que se ia perpetuar no tempo de forma indefinida, nada disso corresponde à realidade, mas também não vemos grandes mudanças, e por isso como estavas a mencionar, temos o Petro a tentar fugir um pouco aos canais institucionais do Parlamento e a tentar avançar com algumas reformas diretamente através de uma consulta popular, ou seja, de uma forma um pouco mais direta, em referendo.
E este momento que não é só uma fase pontual, é algo que já se vem arrastando há algum tempo, dá esperanças à direita de poder regressar ao poder após as eleições do próximo ano?
Neste momento, a um ano praticamente das eleições, o país já está em campanha pré-eleitoral, ou seja, há movimentações a todos os níveis, da direita, do centro, do centro-esquerda, ainda não é muito claro o que é que pode acontecer no próprio setor do Gustavo Petro, mas creio que efetivamente o facto de a popularidade deste governo ser baixa, não ter conseguido avançar numa agenda de reformas e em mudanças políticas muito visíveis, pode contribuir para que haja ainda um maior descrédito da esquerda, que existe na Colômbia quase de forma endémica pelo conflito armado e pela existência de guerrilhas, e trazer um governo radicalmente diferente, como aliás, aconteceu ao contrário nas últimas eleições, ou seja, tínhamos um governo com Ivan Duque de direita e até extrema-direita, e chega ao poder um governo de esquerda, para alguns até de extrema-esquerda, em alguns pontos. Pode, de facto, haver essa rotatividade, como podem acontecer outras coisas, podem regressar as elites tradicionais, conservadoras, liberais, mas há alguma possibilidade de o centro-esquerda, que também sempre teve muitas divergências com Petro, conseguir algum bom candidato e avançar, por exemplo, a ex-presidente da Câmara de Bogotá, Cláudia Lopes. Mas eu diria que neste momento é difícil prever se será exatamente a direita que vai governar, mas arriscar-me-ia a dizer que é improvável que o candidato que venha do setor de Petro consiga ganhar as eleições, e tendo em conta, além do mais, que na Colômbia não há reeleição, por isso Gustavo Petro terá um só mandato.
Como sabes, vim há uns dias de Medellín, onde toda a gente diz que a situação mudou muito para melhor, está mais calmo, não há já 7 mil homicídios por ano, há cerca de duas centenas, mesmo assim é um número elevado, mas nada comparável com o que Medellín já foi, e há negociações, e falavas há pouco na questão do objectivo da paz total, negociações com grupos armados ligados, muitos deles, ou presumo que todos, ao narcotráfico, para pararem as campanhas de extorsão em 45 bairros de Medellín durante 3 meses, há esse tipo de negociações, mas ainda há também, a violência ainda marca muito essa região do país…
Sim, a região de Medellín, que se chama Antioquia, é uma região muito afetada pelo conflito armado desde há muitas décadas, aliás, segundo os distintos relatórios da Comissão da Verdade, é a região que tem mais vítimas do conflito armado. Não falo só da cidade de Medellín, falo da região de Medellín, e por isso são problemas que é muito difícil que desapareçam, que se vão perpetuando, mas é claro que há uma transformação muito significativa de Medellín, aliás, há gente que chega a falar do milagre de Medellín. A cidade na década de 90, no apogeu do cartel, tinha das maiores taxas de homicídios a nível mundial, tinha confronto entre guerrilhas, paramilitares, exército e narcotraficantes, por isso era realmente um cenário muito pesado de assassinatos, bombas, operações urbanas por parte do exército, e, pouco a pouco, desde esse período até à atualidade, tem sido uma cidade exemplo, não só a nível colombiano, mas a nível internacional, do que pode ser uma transformação positiva na cidade com base em vários instrumentos. Então, estamos a falar, por exemplo, de educação, outro ex-candidato à presidência da República, Sérgio Fajardo, quando foi presidente da Câmara e governador da região da Antióquia, apostou muito que a forma de colocar uma vacina nessa forma de violência, era através da educação. Houve uma grande aposta em colégios públicos, em bibliotecas, por exemplo, em algumas, não são favelas, mas chamam-se as comunas de Medellín, temos bibliotecas públicas de bastante qualidade, que se tornaram até refúgios em alguns momentos de violência. Outro mecanismo foi o transporte público, procurou integrar muitíssimo a cidade e as zonas mais periféricas das comunas, através de metro e de um metrocable.
Uma espécie de funicular que vai até lá acima…
Exatamente, ou seja, a maior parte destas favelas ficam já nas montanhas e por isso muito pouco integradas ao resto da cidade e assim, com essa melhoria nos transportes, diminuiu consideravelmente o tempo que as pessoas que vivem aí demoram a deslocar-se e também, nesse sentido, maior acesso ao trabalho. E o terceiro mecanismo, que esse não é através de políticas públicas, mas é de inspiração popular, são alguns mecanismos de prevenção da violência através de meios artísticos.
Como se passa, por exemplo, na Comuna 13…
Sim, precisamente. Na Comuna 13, num primeiro momento, há aproximadamente 10 anos atrás, começa a emergir uma cultura hip-hop bastante profunda, com grafitis, com rappers e isso levou, num determinado momento, a uma transformação estética da Comuna 13. E, pouco a pouco, isso levou a que viesse gente visitar a Comuna 13 para ver os grafitis. Foi-se transformando numa espécie de bola de neve e foram aumentando os processos artísticos, processos com vocação de educação para a paz e direitos humanos, de não violência, de pacifismo e, ao mesmo tempo, foi cada vez mais acentuando-se as vagas de turismo. E a Comuna 13, essa zona da Comuna 13 onde estão os grafitis, passou de ser considerado uma das zonas mais perigosas de todo o país a estar no top 5 de locais turísticos mais visitados em todo a Colômbia. Claro que é uma porção ínfima da Comuna 13 a que recebe turismo, mas não deixa de ser relevante e significativo que seja visitada, que tenha contribuído para diminuir o estigma associado à violência, narcotráfico e criminalidade na Comuna 13 e seja hoje também conhecida pela sua arte, ou seja, por razões culturais, por construir uma espécie quase de museu a céu aberto.
Mas não deixa de ter lá ao lado um local conhecido por Escombrera, que tem uma história que está muito relacionada com este conflito. O que é a Escombrera?
A Escombrera é uma das maiores valas comuns da América Latina. Aliás, se não está em primeiro, está em segundo lugar. Há uma vala comum no Chile, que também tem um número muito importante de pessoas. E foi um lugar que surgiu no sentido de muito do que eram os desaparecidos da Comuna 13, quer pelo exército, paramilitares ou por narcotraficantes, eram atirados para essa vala comum. E considera-se que podem estar milhares de pessoas nessa vala comum. E são pessoas que nada teriam a ver com o conflito, pessoas alheias ao conflito, que eram sequestradas pelas forças paramilitares, a quem eram vestidos uniformes e botas como se fossem ou para parecerem guerrilheiros, e eram depois mortos. Não é tanto o caso do que ficou conhecido como os falsos positivos, que foi dentro da política de segurança democrática de Álvaro Uribe, havia uma pressão sobre as forças armadas no sentido de que a eficácia se contava em corpos. Ou seja, quantos guerrilheiros caídos é que encontravam. E isso levou a um problema de corrupção dentro das próprias forças armadas, que vestiam os civis de guerrilheiros, punham-nos numas botas, matavam-nos e apresentavam-nos como mortos em combate da guerrilha. Ali há um pouco de tudo.
Ou seja, tens desde atores armados, mas eu diria que não é a parte mais substancial, essa é gente que poderá ter sido considerada, em algum momento, base social da guerrilha. Mas aqui, para ser considerado da base social da guerrilha basta ser defensor de direitos humanos, sindicalista, jornalista, tudo isso são profissões suscetíveis de colocar alguém em perigo, até população civil que está no lugar errado à hora errada, ou seja, numa hora em que está a haver uma operação militar, em que está a haver um avanço de paramilitares. Então, são vários sedimentos de violências e, sobretudo, desaparecidos que estão aí, e que se está a começar, neste momento, através de alguns dos mecanismos do Acordo de Paz, a serem investigados e a identificar-se alguns dos primeiros corpos, o que é bastante relevante para algumas das famílias que, em alguns casos, podem estar há 20 anos sem saber o que aconteceu a um familiar, sem ter capacidade de o enterrar, de fazer um luto verdadeiramente completo. Por isso, é um elemento muito importante para muita gente de Medellín e da Comuna 13.
É professor na Pontifícia Universidad Javeriana aqui em Bogotá. É fascinante estudar este conflito armado há 20 anos e viver na Colômbia há 13?
É fascinante, claramente, como analista. Obviamente que também há uma dimensão emocional que, às vezes, é frustrante. Quando se vê os problemas reincidir, quando se vê um resultado ao Acordo de Paz com o não no referendo, aí afeta não só politicamente e em termos de investigação, mas também em termos emocionais. Claramente, é um país que, para qualquer politólogo, para qualquer investigador, qualquer alguém do campo das ciências sociais, é fascinante por tudo o que está a acontecer, tanto no sentido de grandes carências e vulnerabilidades do país, como também tudo o que acontece no sentido contrário: sociedade civil, movimentos sociais, movimentos pela paz, onde há vários processos muito vanguardistas em termos internacionais de como é que se pode construir a paz através da arte, como é que se pode fazer processos de reparação e reconciliação entre vítimas e ex-combatentes. E aí sim passam-se coisas muito, muito interessantes para serem estudadas.