
Leila Macor/ AFP
Os voluntários estão a ser expostos ao vírus? O que acontece a quem recebeu placebo? Como se calcula a eficácia de uma vacina? Um guia dos testes em humanos à vacina contra a Covid-19.
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Uma vacina tradicional demora entre 15 e 20 anos a desenvolver, mas a urgência provocada pela pandemia lançou investigadores de todo o mundo numa corrida sem precedentes para encontrar e testar uma fórmula eficaz e segura.
Há 48 vacinas experimentais contra a Covid-19 que se encontram a ser testadas em humanos, incluindo 11 que já se encontram na fase 3, a última antes da homologação pelas autoridades. Como funcionam exatamente estes ensaios clínicos?
Os testes são conduzidos com dezenas de milhares de voluntários em vários países, geralmente divididos ao meio entre um grupo que recebe um placebo e um grupo que recebe a fórmula concebida para prevenir a doença.
As pessoas candidatam-se e, uma vez aceites no estudo, recebem duas doses da vacina, com um intervalo específico (de três semanas no caso da Pfzer e quatro semanas no caso da Moderna, por exemplo).
Durante esse período são monitorizados frequentemente, através de consultas de follow-up. Também têm de fazer análises ao sangue para averiguar a resposta do sistema imunitários e todos os dados recolhidos serão avaliados por uma equipa protocolar e por um comité de segurança.
Os voluntários não sabem se se receberam a vacina experimental contra a Covid-19 ou apenas o placebo, um soro fisiológico simples (solução salina), sem nenhum efeito terapêutico. A própria enfermeira que administra a injeção não sabe, apenas os investigadores responsáveis pelo estudo.
Voluntários são expostos ao vírus?
Depois de serem vacinados, os participantes continuam suas vidas normalmente. Vão para casa, trabalham, estudam e vivem o seu dia a dia habitual, segundo as mesmas recomendações que as autoridades de saúde deixam à população: uso de máscara, distanciamento social, higienização das mãos e etiqueta respiratória.
Nos ensaios a decorrer para a vacina de Covid-19 ninguém é deliberadamente exposto ao vírus, como acontece nos chamados estudos de "desafio humano". As pessoas que participam nos ensaios clínicos estão sujeitas ao mesmo risco de infeção que o resto do mundo.
No entanto, espera-se que se a vacina for eficaz, o número de casos de Covid-19 no grupo de participantes que recebeu a vacina real seja menor do que na outra metade, que recebeu apenas o placebo.
O objetivo é que a diferença seja significativa o suficiente para descartar que o número de infetados nos dois grupos não seja penas fruto do acaso.
Com uma amostra de milhares de pessoas, representativa da população, é quase certo que o grupo imunizado e o grupo de controlo terão a mesma diversidade de perfis e comportamentos, o que permite a comparação.
Como é calculada a eficácia de uma vacina?
O objetivo principal dos investigadores não é prevenir o contágio pelo coronavírus, mas sim evitar que as pessoas desenvolvam a doença causada pelo vírus, a Covid-19. A vacina será também considerada particularmente eficaz se prevenir o desenvolvimento de sintomas graves, ou seja, caso as pessoas vacinadas sejam assintomáticas.
Terminada a fase 3 de testes, os laboratórios apresentam as suas conclusões: uma eficácia de 100% significaria que não houve nenhum caso entre os vacinados e houve vários no grupo de placebo.
Entre as empresas que já divulgaram resultados destaca-se a Pfizer, com uma taxa de eficácia de 95% e a Moderna, que revelou uma eficácia de 94,5% nos ensaios clínicos. Os responsáveis pela vacina russa Sputnik V garantem que esta tem uma eficácia de 92%, mas foram acusados de quebrar os protocolos habituais para acelerar o processo.
Quem analisa os dados não são diretamente as empresas que estão a desenvolver a vacina, mas sim comités de especialistas independentes, habitualmente designados "conselhos de monitorização de dados e segurança" (DSMB). Os membros destes grupos permanecem anónimos para evitar quaisquer pressões económicas ou políticas.
No caso da Pfizer, esse comité é composto por cinco pessoas, enquanto no caso da Moderna, AstraZeneca/Oxford e Johnson & Johnson há comité único de especialistas independentes, com entre 10 e 15 membros.
Estes grupos analisam os dados recolhidos, e depois informam o fabricante quando formem atingidos resultados conclusivos. Além de avaliarem a eficácia da vacina, estão também responsáveis por acompanhar a gravidade e a frequência dos efeitos colaterais, o que determinará a segurança da vacina.
Por fim, são as fabricantes que submetem a vacina considerada eficaz e segura à avaliação dos reguladores de saúde, que por sua vez terão poder para autorizar a sua entrada no mercado para uso massivo.
Uma amostra pequena?
Para chegar à conclusão sobre a eficácia, a Pfizer registou 170 casos de Covid-19 nos sete dias após a segunda dose, o que parece pequeno em comparação com o número total de participantes (44.000).
No entanto, estatisticamente, é uma amostra suficientemente grande. No total, neste ensaio clínico, foram registados 162 casos de Covid-19 no grupo que recebeu o placebo e apenas oito no grupo que recebeu a vacina real. A diferença é tão grande que se considera muito improvável que seja fruto do acaso.
Habitualmente, no fim de um ensino clínico para testar produtos farmacêuticos, os voluntários que que receberam o placebo são informados e podem optar por receber a vacina ou medicamento real.
No entanto, no caso da Covid-19, os ensaios devem durar dois anos ou mais, a fim de determinar a duração da proteção conferida e detetar eventuais efeitos secundários a longo prazo. Ou seja, é provável que as vacinas cheguem ao mercado antes de grupo de placebo poder ser informado.
Moncef Slaoui, chefe da Operação Warp Speed do governo dos EUA para o desenvolvimento de vacinas, garante que no caso da Pfizer e da Moderna o grupo placebo vai receber a vacina real, só ainda não se decidiu quando.
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