A União Europeia já tem pronto o16.º pacote de sanções à Rússia. Deve ser adotado na próxima semana, altura em que passam três anos da invasão em larga escala da Ucrânia. Mas uma investigação do consórcio Investigate Europe revela que material da Boeing e da Airbus continua a chegar à Rússia através... da Índia
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Os embaixadores dos 27 em Bruxelas assinaram, quarta-feira, o 16.º pacote de sanções à Rússia desde a invasão total da Ucrânia, que deve ser adotado na próxima semana, altura em que passam 3 anos da invasão em larga escala. O sector da aviação "foi um dos primeiros na mira dos governos ocidentais, com a UE e a Grã-Bretanha a proibirem a venda de peças de aeronaves das empresas europeias a compradores russos e os EUA a aplicarem restrições maciças à exportação", revela o consórcio de jornalismo de investigação.
Mas, tal como tem acontecido noutros sectores, a Rússia continuou a encontrar uma forma de aceder a bens e tecnologias ocidentais. A investigação jornalística, coordenada com parceiros da rede Investigate Europe em 11 países, revela que "a Índia emergiu como um centro. Peças de aeronaves distribuídas pela Boeing, pela Satair, subsidiária da Airbus, pela empresa italiana Superjet International, ligada à Leonardo, e por mais de 100 fornecedores na Europa e nos EUA, parecem ter chegado à Rússia através de intermediários indianos até setembro passado, segundo a análise dos dados aduaneiros".
Os repórteres do Investigate Europe "seguiram mais de 700 cargas individuais - avaliadas em mais de 50 milhões de dólares - desde as instalações de empresas ocidentais até à Índia e depois para companhias aéreas e empresas na Rússia, entre janeiro de 2023 e setembro do ano passado". De acordo com os dados apurados, "os artigos aí descarregados iam desde geradores críticos, sensores, pás de hélice e ecrãs de cockpit a pequenos parafusos, cavilhas e filtros".
Embora os relatórios anteriores se tenham centrado em intermediários na Turquia, no Cazaquistão, no Quirguizistão e na China, a investigação revela como "a Índia se tornou uma importante rota de trânsito para a indústria aeronáutica russa em dificuldades". Algumas das empresas indianas envolvidas foram mesmo "assinaladas pelos EUA no final do ano passado como fazendo parte de redes de “evasão de sanções”.
Após ter sido confrontada com as conclusões da investigação, "a Superjet International declarou que iria 'suspender temporariamente' as relações comerciais com a Allestro Aero Solutions, uma empresa indiana que teria reexportado as peças de elevado valor para uma empresa russa objeto de sanções".
A análise dos códigos aduaneiros revela que "mais de 200 dos artigos transaccionados podem ser utilizados para fins militares". A maioria dos importadores russos eram companhias aéreas civis. Entre eles, a Utair, uma empresa sancionada em dezembro pela UE por fornecer “apoio logístico às forças armadas russas”. A Utair recebeu cerca de um quarto das cargas.
Segundo especialistas consultados pelo Investigate Europe, "as maiores companhias não conseguem seguir todos os carregamentos para além do primeiro comprador - mas isso não as isenta de responsabilidade".
Não há qualquer sugestão de ilegalidade por parte dos fornecedores ocidentais nem de que essas empresas tivessem conhecimento de que os seus produtos chegariam à Rússia. Mas para além disso, a Investigate Europe conseguiu "pôr em evidência falhas significativas na implementação e aplicação das sanções. Para começar, a Comissão Europeia tem falta de pessoal, com apenas 25 pessoas responsáveis pelo controlo da aplicação das sanções e pela elaboração de futuros pacotes. Desde 2017, apenas 11 pessoas foram condenadas a penas de privação de liberdade por violações das sanções contra a Rússia na UE, segundo relatórios públicos".