Tudo o que tem de saber para compreender como surgiu o conflito entre os EUA e o Irão.
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Estados Unidos e Irão vivem num clima de grande hostilidade há décadas, mas foram raras as vezes em que a relação esteve tão tensa como nos últimos meses. Os norte-americanos estão a tentar privar o Irão das receitas provenientes do petróleo, força vital da sua economia, e os iranianos responderam ultrapassando os limites acordados no programa nuclear.
Com o entendimento entre os dois países a revelar novos sinais de fragilidade, os iranianos foram acusados de atacar instalações petrolíferas sauditas e no Golfo Pérsico. Pouco depois, no final de dezembro do ano passado, os EUA concretizaram ataques aéreos a cinco bases militares usadas por uma milícia apoiada pelo Irão, no Iraque e na Síria. Tudo isto levou a um complexo ataque, no último dia do ano, à embaixada dos EUA em Bagdad.
Este novo ano começou com o movimento mais provocador até agora: o assassinato do general iraniano Qassem Soleimani num ataque aéreo dos EUA no Iraque. Um erro de cálculo de Donald Trump que quase o conduziu para uma guerra que tanto os Estados Unidos como o Irão negam querer.
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O que aconteceu em Bagdad?
Qassem Soleimani, chefe da força de elite iraniana Al-Quds e responsável pelas operações da Guarda Revolucionária no estrangeiro, foi morto num ataque aéreo dos Estados Unidos perto do aeroporto de Bagdad. O Pentágono justificou o ataque dizendo que o general estava a "desenvolver ativamente planos" para atacar norte-americanos que estavam na região.
Nesse mesmo dia, Trump comentou o ataque aéreo que matou Soleimani com apenas uma frase: "O Irão nunca ganhou uma guerra, mas nunca perdeu uma negociação."
Mais tarde, o Presidente norte-americano voltou a recorrer ao Twitter para sublinhar que o general iraniano foi responsável pela morte de milhares de cidadãos do seu país e que planeava matar muitos mais.
"Foi, direta e indiretamente, responsável pela morte de milhões de pessoas, incluindo o recente grande número de manifestantes mortos no Irão", acrescentando que o próprio Irão "não foi capaz de admitir que Soleimani era odiado e temido no país" e concluindo que o general devia ter sido morto "há mais tempo".
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Como nasceu o conflito entre os Estados Unidos e o Irão?
A raiz da discórdia entre os dois países remonta a 1953. Nessa altura, a crise política no Irão dominava a atenção dos líderes políticos britânicos e norte-americanos. Os EUA apoiaram o golpe que expulsou do Irão o primeiro-ministro nacionalista e reinstalou no poder o monarca Shah Mohammad Reza Pahlavi, que simpatizava com o Ocidente.
Quando os revolucionários islâmicos tomaram o Irão em 1979, forçando Shah Mohammad Reza Pahlavi a fugir para os EUA, os militantes invadiram a embaixada dos EUA em Teerão e mantiveram 52 norte-americanos reféns durante mais de um ano.
Nessa altura, os EUA cortaram relações com o país e começaram a impor sanções, que foram crescendo ao longo dos anos.
O que fez com que o conflito entre os Estados Unidos e o Irão se agravasse?
Em maio de 2018, Donald Trump retirou os Estados Unidos de um acordo internacional assinado em 2015 no qual o Irão concordava em limitar o seu trabalho nuclear em troca de alívio das sanções económicas. O Presidente norte-americano argumentou que poderia obter um melhor acordo com o país, começando a repor sanções antigas e adicionando novas.
Exatamente um ano depois, em maio de 2019, os EUA aumentaram a pressão e endureceram as sanções. Teerão pressionou a União Europeia, a China e a Rússia para obter melhores condições, ameaçando enriquecer mais urânio, o que poderia levar a um grau de enriquecimento suficiente para usar uma arma.
O objetivo do governo de Trump era, na altura, baixar as exportações de petróleo do Irão - que correspondem a quase metade das vendas do país para o exterior - para zero.
Por que razão Donald Trump se opõe ao acordo nuclear?
O Presidente norte-americano diz querer garantir que o Irão fique impedido "para sempre" de ter uma arma nuclear e acrescenta que o acordo não refere aquilo que Trump vê como comportamento maligno do Irão no Médio Oriente, apoiando o terrorismo e possuindo um programa de mísseis balísticos.
Estados Unidos retiraram-se do acordo nuclear. Que impacto teve no Irão?
A saída dos Estados Unidos do acordo nuclear levou a um aumento das sanções que, por sua vez, alimentaram a inflação e minaram o apoio interno ao governo do Presidente Hassan Rouhani, que negociou o apoio nuclear.
O aumento dos preços da gasolina levou a protestos no final do ano passado. Para travar as manifestações, as autoridades intervieram e registaram-se mais de mil mortes.
Os iranianos sentem-se enganados. O acordo nuclear deveria trazer vantagens económicas para o país, mas as novas sanções norte-americanas deitaram por terra essa expectativa.
Qual foi a resposta do Irão?
O país apreendeu um petroleiro britânico em julho e manteve-o na sua posse durante dois meses, depois de um navio carregado de petróleo iraniano ter sido apreendido fora de Gibraltar por se suspeitar que estava a transportar petróleo para a Síria.
Nesse mesmo mês, confirmou-se que o país ultrapassou os limites acordados de urânio enriquecido que, se for altamente purificado, pode ser usado para construir uma bomba nuclear.
Sob o acordo nuclear, o Irão só teria permissão, até 2031, para produzir urânio de baixo enriquecimento.
Como é que os EUA fazem com que os outros países deixem de negociar com o Irão?
Os bancos e o dólar norte-americano desempenham um papel central na economia global. Qualquer país, empresa ou banco que viole os termos das sanções com os Estados Unidos pode ver os seus ativos bloqueados ou perder capacidade de movimentar dinheiro para ou através de contas mantidas nos EUA.
Donald Trump assumiu que as nações, bancos e empresas de todo o mundo preferem fazer negócios com os EUA do que com o Irão. Uma aposta que se veio a confirmar, já que as grandes empresas europeias se afastaram do país.
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O que estão os países europeus a fazer em relação a isso?
Os países europeus envolvidos no acordo nuclear com o Irão - um triunvirato formado por Alemanha, França e Reino Unido - elaboraram um mecanismo especial para facilitar o comércio com o país, denominado de Instex e que contornaria o sistema financeiro global, amplamente dominado pelos EUA.
O Instex, acrónimo inglês para Instrument in Support of Trade Exchanges, nasceu em janeiro de 2019, à margem de uma reunião informal de ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia em Bucareste, na Roménia.
A ideia resume-se na utilização um sistema de troca em que o Irão iria acumular créditos pelas suas exportações para a Europa e que poderia usar para comprar bens em empresas europeias.
No entanto, o alívio que este instrumento de apoio às trocas comerciais ofereceu ao país demonstrou ser bastante limitado.
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Trump responde a mísseis com novas sanções e acalma crise
O Irão respondeu ao assassinato do general Soleimani com ataques, na terça-feira à noite, a duas bases aéreas norte-americanas localizadas no Iraque. Em reação à ofensiva, Donald Trump falou ao país esta quarta-feira. Num discurso que durou cerca de dez minutos, disse que o Irão parece estar a recuar, ripostou com novas sanções económicas e arrefeceu o clima de tensão entre os dois países.
"Os EUA estão prontos para abraçar a paz" com o Irão e com "toda a gente que a procure. Para todas as pessoas e líderes do Irão, queremos que tenham um futuro, e um ótimo futuro, um que mereçam. Um de prosperidade em casa e harmonia com as nações do mundo", explicou Donald Trump.
Após as declarações do Presidente norte-americano, Hassan Rouhani, o chefe de Estado iraniano, garantiu que vai reagir caso os EUA cometam um novo crime.
"Se a América cometer um crime, não importa o quanto nos ameaçar, deve saber que vamos agir em conformidade como já demonstrámos. A partir de agora, se a América cometer outro crime, deve saber que vai receber uma reação forte", afirmou Hassan Rouhani durante uma reunião, de acordo com a CNN.
Este episódio entre os dois países pode ter terminado por aqui, mas o confronto entre os EUA e o Irão está longe de chegar ao fim.