Do alto do Metrocable, Julian Marin Silva mostra à TSF a Comuna 13. Mais de duas dezenas de bairros, num total de quase 150 mil pessoas. Já foi dos sítios mais perigosos do mundo. Os jovens fizeram uma revolução artística no local. Muita coisa mudou nesta favela gigante de Medellín, na Colômbia
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“A grande maioria dos que aqui vivem são pessoas dos sectores populares, estratos 1, 2 e 3, que são como que os estratos mais baixos aqui; são os trabalhadores vivem aqui. Há uma configuração destes territórios a partir de processos de migração forçada, por causa do conflito ou por causa de questões de desigualdade.” Há muito comércio local, mas a maior parte dos habitantes da Comuna 13, “que são trabalhadores ou operários não qualificados, estão a trabalhar principalmente no sul de Medellin, nas áreas de expansão da construção ou da Indústria”. E os estudantes? “Os estudantes também. Com a descentralização dos serviços de educação, os jovens vão para o centro, para as universidades, mas também outros ramos do ensino público já estão localizados aqui na zona e isso também tem ajudado na questão do acesso e da permanência dos jovens”.
O ‘milagre’ de Medellín: a cidade a caminho da Comuna 13
Julian leva-me à Casa Kolacho, uma casa de arte e cultura. Vê-se muita gente atarefada, muita gente a circular nesta casa que homenageia Héctor Pacheco, Kolacho, líder dessa elite de jovens que apoiou a arte e a cultura como alternativa à criminalidade e à violência: “É uma forma de homenagear Kolacho, porque foi um líder cultural muito importante deste território que foi assassinado em 2009, e acabou por ser um dos pioneiros do graffiti e dos processos de organização e resistência mais valiosos da cidade. Então, o que está a acontecer nesta casa é muito bonito, porque é possível ver como os jovens filhos da violência neste território assumem a liderança de uma organização cultural como a Casa Kolacho para continuar a promover a vida, a paz no território, a convivência e a mobilização em defesa da vida. Portanto, este é um grande cenário, um presente que este território tem.”
É na Casa Kolacho que Julian Marin apresenta à TSF Flaco, que das fraquezas de uma juventude vítima de um conflito fez a força de um projeto que ajudou a mudar a Comuna 13. É com Flaco que subimos e entramos no emaranhado de pequenas ruas e vielas, fazendo o grafitur, a visita turística através do rap e dos murais e grafitis e de tudo o que se encontra num local já transformado em turismo de massas:
“Bem, minha gente, antes de mais, muito boa tarde para todos vós. Boa tarde, boa tarde, boa tarde, boa tarde, boa tarde, boa tarde!!! O meu nome é David, mas o meu nome artístico, como os meus amigos me chamam toda a minha vida, EL FLACO. Por isso, para mim não vai haver qualquer problema se me chamarem O FRACO. Sim, sou um habitante da Comuna 13 e pertenço a uma casa cultural aqui na Comuna 13, que é a Casa Kolacho. Nós, como centro cultural aqui da comuna, somos os criadores e pioneiros do que vão experimentar aqui hoje, que é o grafitour.” Uma visita turística, com repórter de gravador em punho e telemóvel a filmar sempre que possível, naquele gigantesco conjunto de favelas, um pouco à imagem da Roçinha ou do Complexo do Alemão, no Brasil.
Miguel Barreto Henriques ajuda-nos a compreender a transformação na Comuna 13: “Num primeiro momento, há aproximadamente 10 anos, começa a emergir uma cultura hip-hop bastante profunda, com grafiters, com rappers e isso levou, num determinado momento, a uma transformação estética da Comuna 13, ou seja, a cor também a cobrir a Comuna 13. E, pouco a pouco, isso levou a que viesse gente visitar a Comuna 13 para ver os graffitis. Foi-se transformando numa espécie de bola de neve e foram aumentando os processos artísticos, processos com vocação de educação para a paz e direitos humanos, de não violência, de pacifismo e, ao mesmo tempo, foram cada vez mais acentuando-se as vagas de turismo. E a Comuna 13, essa zona da Comuna 13 onde estão os graffitiss, passou de ser considerado uma das zonas mais perigosas de todo o país a estar no top 5 de locais turísticos mais visitados em todo o país”. Claro que é uma porção ínfima da Comuna 13 a que recebe turismo, mas “não deixa de ser relevante e significativo que seja visitada, que tenha contribuído para diminuir o estigma associado à violência, narcotráfico e criminalidade na Comuna 13 e seja hoje também conhecida pela sua arte, ou seja, por razões culturais, por construir uma espécie quase de museu a céu aberto. Mas não deixa de ter lá ao lado um local conhecido por Escombrera, que tem uma história que está muito relacionada com este conflito”.
Flaco conta a sua história da Comuna13: “Hoje vêm pessoas de todo o mundo à Comuna 13. Medellín é uma cidade dividida em 16 comunas. Estamos a falar da divisão política da cidade, mais nada”. O ‘mais nada’ dificilmente se aplica a um local onde chegaram a morrer, de forma violenta, mais de 700 pessoas por ano. À média de duas a cada dia, assassinadas. Hoje tudo está muito melhor. Menos de 200 homicídios por ano. “San Javier é o primeiro bairro que foi legalmente estabelecido pelo município de Medellín nesta comuna ou nesta parte da cidade que é a ocidental. E San Javier é o bairro central. Foi o primeiro bairro construído legalmente pelo município de Medellin, que foi desenhado e que foi planeado como tal, com nomenclatura e tudo isso.”
Vai-nos encaminhando para um pequeno autocarro. A comuna é um conglomerado de bairros, no caso, 25 bairros. Mas para onde vamos agora, que são as periferias, “foram criadas a partir de ocupações. A maior parte das pessoas que aí vivem são afrodescendentes, as pessoas e famílias que primeiramente ocuparam as partes altas da Comuna. Aí começaram os problemas e as dificuldades dos habitantes da Comuna 13 porque essas terras não eram da gente que as ocupou. Mas nessa altura essas famílias tinham abandonado as suas terras que na realidade lhes pertenciam e vieram para aqui, para as grandes cidades, à procura de uma melhor qualidade de vida ou de uma oportunidade de ter uma vida mais digna que, na altura, essas famílias não tinham”.
São territórios aos quais o rótulo de violento ou problemático assenta que nem as luvas brancas do Estado que os votou ao abandono. E esse abandono do Estado foi o que fez com que a comuna 13, se tornasse uma das comunas mais inseguras de Medellín: “o que marcou mesmo a história da comuna 13, aquilo que nos tornou conhecidos no mundo, infelizmente por coisas más, foi o tempo dos anos 90 com os grupos de guerrilha, dos guerrilheiros do ELN, dos guerrilheiros das FARC e noutra altura pelo paramilitarismo. Infelizmente nós que vivemos na Comuna 13 fomos vítimas do conflito armado. Quando apareceu na comuna 13, “a primeira coisa que a guerrilha fez foi fazer uma limpeza social nos bairros: primeiro com a delinquência de delito comum que existia nesses bairros, começaram a apanhar os ladrões, pessoas que realmente não contribuíam com nada de bom para o bairro”.
Um território marcado por um nome hoje mundialmente conhecido pelas plataformas que ganham milhões à custa dos milhões que ele ganhou e das vidas que ceifou ou mandou ceifar… Pablo Escobar: “Quando os anos 90 chegaram aqui em Medellín foi o tempo de Pablo Escobar. E o que é que aconteceu na comuna? Apareceram as FARC, que é outro grupo guerrilheiro da Colômbia (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), já não era só o ELN que estava cá, eram as FARC. Passámos de ser controlados por um grupo e a viver um conflito armado entre dois grupos ilegais com a intenção, porque tinham os mesmos objectivos claros, de tomar a comuna 13. Mas o que queriam realmente os guerrilheiros nessa altura, nos anos 90? Controlar uma rota. Tivemos de suportar os guerrilheiros aqui que faziam o que queriam connosco. Em 2000 os paramilitares apareceram na comuna; apareceram na companhia do Estado, do governo, mas quando o governo interveio na comuna 13 com a intenção de retirar os guerrilheiros, já tinham passado 10 anos. Os guerrilheiros já tinham o controlo e o domínio absoluto de todas estas periferias. E o Estado não sabia como entrar nestes bairros e combater os guerrilheiros de frente. O que é que o Estado fez? Estigmatiza a comuna 13 e diz que a comuna 13 é um território de guerrilha. Para o resto da cidade de Medellín todos nós que vivíamos na comuna 13 tínhamos a ver com a guerrilha. Mas na verdade aqui, éramos sim vítimas da guerrilha”. Quando o Estado começou a intervir na comuna, fê-lo através de operações militares. E entre 2000 e 2002, o Estado levou a cabo mais de 20 operações militares na comuna 13 com a intenção de remover esse grupo ilegal que era a guerrilha. O que aconteceu? Infelizmente, começámos a ser vítimas do Estado também, com deslocações forçadas pelos paramilitares, desaparecidos pelos paramilitares, pelos guerrilheiros e pelas próprias forças de segurança: “A única coisa que os bairros nos ofereciam era a guerra, era empunhar uma arma. Era calçar e atar as botas, como se dizia. Mas nós queríamos pegar num microfone e mostrar o que queríamos fazer através do hip hop. Foi a única forma que tivemos de fugir à guerra, porque muitas vezes éramos seduzidos pelo conflito. Muitas vezes até éramos ameaçados pelos grupos armados quando perguntavam quando é que íamos ‘fazer alguma coisa pelo bairro e pela nossa gente?’ Mas o que nós queríamos fazer não tinha nada a ver com as armas e a revolução armada que as guerrilhas e os paramilitares estavam a fazer. Nós estávamos a fazer uma revolução artística na Comuna 13 através do hip hop”.
E no ano 2000, “quando começaram a fazer operações militares na Comuna 13”, continua Flaco, “nós estávamos aqui, formámos um grupo que se chamava a Elite do Hip Hop do Centro-Oeste. E chamámo-nos a nós próprios a elite nessa altura porque queríamos ser uma elite. Porque queríamos ser muitos. Porque queríamos pegar em praticamente todos os jovens da Comuna e seduzi-los a acreditar mais nas suas paixões e nos seus talentos”. Porque a guerra se encarregava de os seduzir e de os arrebatar. “Nunca pensámos que o hip-hop nos ia levar tão longe”, admite. “Começámos a fazer um concerto em 2002. Chamava-se: “na 13 a violência não nos vence”. Era o slogan do concerto Era a mensagem que queríamos transmitir ao resto da cidade”. Conseguiram. Sucesso garantido. “O hip hop tornou-se para nós uma ferramenta para transformar, desde logo transformar as nossas próprias vidas, fazer algo por nós próprios. Hoje pessoas de todo o mundo vêm percorrer essas ruas. E esse é o convite que vos quero fazer agora Que a partir deste momento se sintam parte da Comuna 13; Que se sintam como mais um habitante deste território. E, portanto, como qualquer habitante destes bairros por onde vamos passar, vamos de transporte público”.
Entrámos no autocarro. Mal chegámos à primeira paragem na Comuna, quando alguém pergunta de onde somos, logo vêm à baila os nomes de Luís Diaz, James Rodriguez, Radamel Falcao, Jackson Martinez, Freddy Guarin, colombianos que jogaram pelo FC Porto nas últimas décadas. E, numa banca de cerveja artesanal com travo de marijuana, aí está a jovem Supreme a vender vender uma poderosa cerveja Dragão Negro. Pega no microfone da TSF e improvisa…assim:
“Portugal aquí a la era, representando la comuna y las escaleras, yao. Así es que es que lo que explota, que sean bienvenidos a la trece, donde se sube la nota. No es school, es school education, Portugal-Medellín, real connection.
Obvio que me meto en el suite, radionoticias, parcero parchado, aquí en Medellín. Donde le ponemos arte y swing, y que sea bienvenido y vamos a salir por allí, yao. Hey, ¿de dónde vienen? ¿de dónde vengo? Y en la trece, con el beat, papalecto entre ellos, sorprendo.
Eso es así, que se prende el ambiente. Vienen a Medellín, una cerveza o aguardiente real. ¿Qué es lo que se pasa? La energía es una sola, parcero, y estamos en la casa.
You're mine with beer, así es que es lo que es. Que la energía es una sola y la subo como eh. Mírame hermano, todo lo que pasa, como el talento se desplaza en la casa.
¿Quién dijo? Nosotros somos una amenaza, nosotros somos verdadera raza, lo que se diera. Bienvenido a las escaleras, Portugal como una arte es lo que se espera. Así es que es, me meto yo en la actitud.
Y a la gente le demuestro el arte del graffiti, tú, yao. Porque esto se es admitivo. Y aquí en la trece dijimos, parcero, no queremos más falso, positivo, va.
Así es que es, sin locación. Hey, nietos de la orión, esa es la pasión. Así es que es, y les voy a contar.
Nietos de la Orión y en el momento, hijos de la paz, va. Esta es la última y yo pauso. Que sean bienvenidos, noticias, radio, la causa.
Esta es la última, claro que el vilo pausa. Y ojalá que se vaya pa' todo el mundo y lo saquemos”.
Flaco diz ao grupo que é tempo de pausa para o almoço. Num território que teve presença de várias guerrilhas mesmo antes das FARC e grupos paramilitares a mando do estado, Julian Marin perdeu o irmão no conflito… foi em 2005: “Nessa altura, tinha 19 anos. Era jovem. Sim, foi uma altura muito difícil na comunidade porque éramos jovens. Tínhamos pensado em ir embora, mas antes. Foi em 2002, pensámos em sair, mas também era muito difícil sair porque não tínhamos condições económicas para escolher outro lugar na cidade e ficámos. Muitas pessoas saíram e foi difícil porque tiveram de vender as suas propriedades a um preço ridículo. Mas nós mantivemo-los aqui. E em 2005, que foi um período de aparente calma, houve uma avalanche de desaparecimentos e uma presença paramilitar muito forte, e foi aí que ocorreu a morte do meu irmão. E sim, foi um período muito forte. Muitas pessoas próximas do bairro desapareceram durante esse período, porque os paramilitares instalaram-se lá com tudo”. Não sabe quem matou o irmão: “ Não, basicamente foi dito às famílias para enterrarem o seu familiar e ficarem caladas. E foi só a partir de 2007 que todos os processos de denúncia, mobilização e memória começaram a consolidar-se, que os casos começaram a ser visíveis nos tribunais. O Estado colombiano foi condenado duas vezes por casos na Comuna 13. Uma delas foi pelo desaparecimento de Arlese Dizon Guzmán, desaparecida pelos paramilitares cerca de duas semanas após a Operação Orion, em 2002”.
A operação Orion foi uma das dezassete operações militares da guerra urbana na Comuna 13 de Medellín, realizada em outubro de 2002. Pretendia pôr termo à presença das guerrilhas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - Exército do Povo (FARC-EP), do Exército de Libertação Nacional (ELN) e dos Comandos Armados do Povo (CAP). A operação foi efectuada ao abrigo da declaração do estado de emergência. De acordo com a Corporación Jurídica Libertad, houve 80 civis feridos, 17 mortos cometidas pelas forças de segurança, 71 pessoas mortas pelos paramilitares, 12 pessoas torturadas, 92 desaparecimentos e 370 detenções.
Um grande número de pessoas desaparecidas e de execuções extrajudiciais, muitas das pessoas foram despejadas num local chamado La Escombrera por membros dos paramilitares e da guerrilha.
No conflito colombiano em Medellin, Hector Abad perdeu o pai… e sobre isso escreveu o livro O Esquecimento do que Seremos. Foi a 25 de agosto de 87. Hector Abad pai era médico de saúde pública, professor na Universidade de Antioquia, a universidade pública mais importante da região. Era um lutador pelos direitos humanos, porque, como médico de família e saúde pública, apercebeu-se de que as pessoas em Medellín não estavam a morrer tanto como antigamente por causa, de água não potável, de diarreia, de mortalidade infantil, mas sim por causa da violência e do assassínio. Dedicou-se a combater a violência política: “Os paramilitares matavam activistas sociais de esquerda que consideravam guerrilheiros ou comunistas, o meu pai começou a defendê-los e, ao defendê-los, mataram-no. Como aqueles médicos das pestes, da mesma peste, mesmo da última peste da COVID, que, lutando contra a peste, caíram mortos, infectados pela peste”. Foi o livro mais difícil de escrever? “Foi um livro que me levou muitos anos a escrever, quase 20 anos, porque fui viver para Itália durante muito tempo, fiz lá a minha vida durante muitos anos e queria criar os meus filhos sem a memória do horror e sem ressentimentos e sem rancor. Tentei pôr isso entre parêntesis e demorei muito tempo a escrevê-lo, foi assim”.
Flaco já nos tinha mostrado o pequenino parque infantil que homenageia a criança Sérgio, Cespedes, vítima mortal de uma de tantas balas perdidas ao lomgo da história de violência da Comuna 13: “O menino tinha apenas 9 anos. Um menino que não tinha nada a ver com o conflito. Quando isso aconteceu, o Estado queria fazer algo pela família ou pelo bairro. Eles propuseram um monumento ou uma escultura nesta parte do bairro. As pessoas do bairro e a sua família não viram com bons olhos a ideia de fazer uma escultura; as pessoas não queriam olhar para uma escultura E recordar aquele momento da morte do Sérgio Isso não fazia sentido. E a outra coisa era que Sergio Céspedes não tinha sido a única vítima da guerra. Aqui muitos jovens, Muitas pessoas tinham sido vítimas do conflito e nunca tinham pensado em fazer nada por ninguém. Por isso, as mesmas pessoas e a mesma comunidade propuseram fazer um parque, um lugar onde os rapazes e as raparigas do sector pudessem ter mais espaço para se divertirem, para celebrarem a vida e não estarem a olhar para uma escultura e a recordar a morte. E, em homenagem a Sergio, deram-lhe o nome de Parque Sergio Céspedes daí o convite aqui para trazermos as pessoas para este espaço para que possamos celebrar a vida e que recordemos esse momento da vida que é a infância e que façamos aquelas coisas que fazíamos quando éramos crianças, Algo tão simples e tão fácil andar no escorrega”.
Há também uma história lamentável de assassinatos de jornalistas que tentaram denunciar tudo o que aconteceu no país. Explica Julian Marin: “Digamos que esta é uma realidade no país; aqueles que decidiram assumir a tarefa jornalística de denunciar tudo o que a violência significa no nosso país acabaram por ser assassinados; digamos que um dos assassinatos mais dolorosos para o país foi o de Jaime Garzón, um jornalista e humorista colombiano que trabalhou incansavelmente para denunciar, mas também para encontrar soluções humanitárias para todo este drama e conflito, assassinado em 1999 por paramilitares.
As fronteiras invisíveis são, digamos, estratégias de controlo territorial que os grupos armados ilegais, os grupos criminosos, estabeleceram para controlar os bairros. Flaco faz o ponto da situação: “Digamos que não existem neste momento porque há um processo de diálogo com estas estruturas, há um processo de paz em curso em Medellín, mas no período que menciona, 2011, 2012, tivemos uma situação muito violenta na cidade devido à disputa sobre o tráfico de droga e as rendas criminosas, e esta forma de controlo territorial através de fronteiras invisíveis afectou o desenvolvimento normal das actividades académicas em muitos sectores da cidade, afectando principalmente as crianças e os jovens dos sectores mais pobres da cidade”.
Flaco não quer que o grupo de turistas e 1 repórter se vá embora de estômago vazio: “Grupo! São mais quinze minutos para que possam comer algo: um gelado, um doce… Há os chusos, as mazorcas, a empanada, a arepa. Vamos demorar quinze minutos Para que possam estar livres e relaxar. Tirem fotos. Aqui mesmo vou estar à vossa espera. Às três e quinze vemo-nos aqui”.
Ainda haveria tempo para explicar grafitis e murais e pôr os turistas a pintar: “O que estamos a ver aqui vamos relacionar mais com o muralismo do que com o graffiti, porque quando falamos de graffiti, que faz parte do Hip Hop, estamos a falar mais de tipos de letras; quando vemos personagens, rostos ou coisas grandes como esta, está mais relacionado com o muralismo. Os artistas aqui na Comuna 13 usaram a técnica do graffiti de latas de aerossol para fazer este tipo de coisas. Porque a mensagem que vemos aí de que todas as vidas importam é porque na realidade na Comuna 13 todas as vidas importam, independentemente de onde as pessoas vêm, independentemente de como elas se parecem por fora, assim como vemos nos nossos corações, vemos bairros, rostos ou traços físicos de várias pessoas, o que significa que aqui nesta Comuna todos se encaixam, independentemente de onde as pessoas vêm, independentemente de como se parecem por fora ou se sentem por dentro. O que nos importa é que todos vocês sintam que fazem parte da transformação da Comuna13”.
O artista da Comuna13 vai explicando enquanto o spray não tem parança: “No graffiti é a assinatura dos grafiteiros que normalmente representa o seu trabalho. Sempre que fazem graffiti em qualquer lugar Tu verás sempre uma assinatura ali num pequeno canto. É o que os grafiteiros chamam de TAG. Então Vamos fazer os nossos nomes. Podem utilizar as vossas alcunhas, os vossos apelidos, as vossas iniciais, um desenho, podem fazer o que quiserem Mas normalmente têm de fazer algo que vos represente ou identifique. Esta parte superior do aerossol chama-se tampa ou bico. A primeira recomendação: tm em atenção que este bico deve estar virado para o local onde vais pintar, certo? A outra coisa é que não se pode usar o aerossol muito longe do local onde se vai pintar. Porquê? Porque se o usares muito longe da superfície, a tinta vai cair no ar e não vais pintar nada. Tens de o fazer perto da prancha e manter uma velocidade constante para que tenhas uma linha definida. Se o fizeres muito longe, consegues ver a linha, mas fica manchada, porque a tinta tende a ficar no ar. Ok? Por isso tens de o fazer de perto e manter uma velocidade constante. A minha cena não é graffiti por isso não esperem que eu faça aqui uma personagem ou uma cara como as que vimos lá em cima, Porque isso não vai acontecer. Vou apenas escrever a minha alcunha que é El Flaco. Para que serve isso? Para vos dar moral. Então mantenham a distância e uma velocidade constante. Põe-lhe o teu próprio selo. Põe-lhe o teu próprio estilo. Põe-lhe o teu próprio fluxo E sem medo do sucesso”.
Para alguns, quase nas despedidas: “Muito obrigado por terem vindo E até à próxima. Aqueles que têm fome há o Santorini aqui na esquina, Um bom restaurante se quiserem comer alguma coisa. E bem, é tudo. Aqueles que querem ir para o metro Passem esta ponte e desçam ali À esquerda, há a estação. Se vão pedir um Uber, ele chega aqui na esquina. Chegamos à parte chata que é dizer adeus e pagarem a visita se ainda não o fizeram. Muito obrigado”.
Para outros, o regresso à casa de partida, a Casa Kolacho: “Colacho foi um dos primeiros de todos nós, dos apaixonados pelo Hip Hop Que começámos a acreditar e a sonhar Que era possível criar uma escola de Hip Hop na Comuna 13. Bem, digamos que para nós foi bastante difícil Porque nesse tempo de guerra e de conflito também éramos perseguidos e estigmatizados Pelos grupos armados. E era-nos difícil pensar em grande. Hoje a Casa Colacho é um sonho tornado realidade. E isso materializou-se graças a Héctor Pacheco, que foi a primeira pessoa que começou a acreditar e a sonhar que isso era possível. Foi uma vítima dos paramilitares aqui na Comuna e, infelizmente, a guerra levou-o para longe de nós; hoje a Casa Colacho é uma realidade e desde 2013 estamos a funcionar como uma Casa Cultural aqui na Comuna 13”.
O grande desafio, reconhece Julian Marin, é trazer os jovens para as actividades económicas legais, porque nas outras não falta o incentivo do dinheiro: “Sim, esse é o desafio, porque as estruturas do crime organizado na cidade de Medellín têm cerca de 250, 300 grupos espalhados pela cidade. Esse é um desafio em termos de política social, como atender esses jovens que estão ligados a eles e trazê-los para actividades legais. Em segundo lugar, como retirar todas essas armas de circulação na cidade. Em terceiro lugar, o desafio tem a ver com o esclarecimento e a verdade: o processo de diálogo com essas estruturas leva a conhecer os detalhes dos actos de violência cometidos contra a população E em quarto lugar, que é um desafio muito importante, é como o Estado Social de Direito pode chegar aos territórios com investimento social para evitar que isso aconteça novamente, Isto é um bocadinho a minha maneira de ver, mas acho que é um processo muito importante para esta cidade tentar desmantelar organizações que há mais de 40 anos geram violência e sobretudo lucro através do capital ilegal”.
Se a Comuna 13 ainda é um pequeno ponto turístico num vasto território problemático, tem ainda o coração a sangrar com as máquinas que escavam uma mancha de terra e sangue chamada Escombrera. Acredita-se que possam estar milhares de pessoas desaparecidas e enterradas em La Escombrera. Pessoas desaparecidas pelas guerrilhas, pelos paramilitares e pelos falsos positivos mortos pelo Estado na Colômbia. Explica Miguel Berrto Henriques: “a Escombrera é uma das maiores valas comuns da América Latina. Aliás, se não está em primeiro, está em segundo lugar. Há uma vala comum no Chile, que também tem um número muito importante de pessoas. E que foi um lugar que surgiu no sentido de muito do que eram os desaparecidos da Comuna 13, quer pelo exército paramilitares ou por narcotraficantes. E depois eram atirados para essa vala comum. Podem estar milhares de pessoas nessa vala comum. E são pessoas que nada teriam a ver com o conflito, pessoas alheias ao conflito, que eram sequestradas pelas forças paramilitares, a quem eram vestidos uniformes e botas como se fossem para parecerem guerrilheiros, e eram depois mortos. Não é tanto o caso do que ficou conhecido como os falsos positivos, que foi dentro da política de segurança democrática de Álvaro Uribe, havia uma pressão sobre as forças armadas no sentido de que a eficácia se contava em corpos. Ou seja, quantos guerrilheiros caídos é que encontravam. E isso levou a um problema de corrupção dentro das próprias forças armadas, que vestiam-se civis de guerrilheiros, punham-nos umas botas, matavam-nos e apresentavam-nos como mortos em combate da guerrilha”.
Aqui na Escombrera há um pouco de tudo. Ou seja, “tens desde atores armados, mas eu diria que não é a parte mais substancial, a gente que poderá ter sido considerada, em algum momento, base social da guerrilha. Mas aqui ser da base social da guerrilha basta ser defensor de direitos humanos, sindicalista, jornalista, tudo isso são profissões susceptíveis de colocar alguém em perigo, até população civil que está num lugar errado à hora errada, quando está a haver uma operação militar, em que está a haver uma avançada de paramilitares. Então, são vários sedimentos de violências e, sobretudo, desaparecidos que estão aí, e que se está a começar, neste momento, através de alguns dos mecanismos do Acordo de Paz, a serem investigados e a identificar-se alguns dos primeiros corpos, o que é bastante relevante para algumas das famílias que, em alguns casos, podem estar há 20 anos sem saber o que aconteceu a um familiar, sem ter capacidade de o enterrar, de fazer um luto verdadeiramente completo. Por isso, é um elemento muito importante para muita gente de Medellín e da Comuna 13”.