Conflito homem-máquina foi fatal. Avião indonésio que se despenhou no mar não tinha condições para voar
Investigadores indonésios que procuram as causas do acidente de outubro, que provocou a morte a 189 pessoas, ainda não têm conclusões finais mas dizem que o avião devia ter ficado em terra depois dos problemas detetados.
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Em Jacarta foram divulgados os primeiros dados retirados da única caixa negra encontrada até agora. Os dados do avião que caiu no mar de Java, em outubro, mostram que os pilotos lutaram contra problemas quase desde a descolagem. Um novo sistema automático de estabilização criado para corrigir a posição do nariz do avião estava a receber leituras incorretas do sensor e a tripulação não conseguiu desligá-lo. O sistema de aumento de características de manobra (conhecido pelas iniciais inglesas - MCAS) é uma novidade do Boeing 737 Max.
As informações do gravador de dados de voo, incluídas num relatório preliminar dos investigadores de acidentes aéreos indonésios, mostram um conflito fatal entre homem e máquina, com o nariz do avião forçado a baixar mais de uma dúzia de vezes nos 11 minutos de voo. Os pilotos conseguiram contrariar o sistema, mas a parte da frente do aparelho voltava a baixar segundos depois, até que a perda do controlo foi total e se despenharam no oceano a mais de 700 quilómetros por hora.
Depois do acidente, diversos pilotos, citados pelo New York Times, mostraram preocupação com o facto de poderem não ter sido devidamente informados sobre o novo sistema do Boeing 737 Max e de como responder a emergências semelhantes à enfrentada pela tripulação da Lion Air.
A companhia aeroespacial norte americana garante que os passos para solucionar eventuais problemas (com o sistema de aumento de características de manobra) já estão incluídos nos manuais de voo e por isso não era necessária informação adicional. A Boeing acrescenta ainda que a resposta apropriada da tripulação, à involuntária entrada em funcionamento de um sistema, está contida nos procedimentos existentes.
Apesar das garantias da empresa, diversos pilotos referem que há uma diferença vital entre os antigos modelos do 737 e do novo 737 Max, uma diferença que não foi esclarecida. Nos antigos modelos, os pilotos podiam reagir a esta emergência puxando um manípulo situado mesmo em frente a eles. No novo modelo essa medida não funciona, os pilotos do voo 610 da Lion Air puxaram diversas vezes a alavanca sem sucesso.
Um antigo engenheiro da Boeing, que mantém um blogue na internet, escreveu, no final da semana passada, que a ativação não intencional do MCAS causa alarme e a combinação com outros alertas na cabine de comando pode ser esmagadora. Peter Lemme acrescenta que o fracasso em parar o sistema seria completamente inesperado e caótico. Os seres humanos ficam mais confusos quando algo que sempre foi confiável falha.
Perante o Parlamento indonésio, o capitão Nurcahyo Utomo, chefe do subcomité de acidentes aéreos do Conselho Nacional de Segurança nos Transportes, garantiu que os pilotos lutaram até ao fim para salvar vidas. Os investigadores concluíram que o avião não estava em condições de navegabilidade. O aparelho já não devia ter realizado o voo anterior porque teve diversos problemas e a precaução aconselhava a que fosse mantido em terra.
O relatório preliminar, para já, não apresenta mais dados significativos mas aborda o papel que pode ter sido desempenhado pela cultura de segurança da Lion Air. A companhia aérea indonésia tem um histórico muito negativo. No texto é dito que as questões de segurança ainda devem ser consideradas e lembra que os reguladores já tinham enviado diversas recomendações à Lion Air.
Os investigadores ainda não recuperaram o gravador de voz da cabine e esperam que, quando isso acontecer, as gravações possam fornecer uma visão mais aprofundada das medidas tomadas pelos pilotos. E se eles, de facto, seguiram os procedimentos corretos.