Construir a paz sobre escombros e vítimas: a voz de um povo que não ecoa e Netanyahu no "rubicão"
No Fórum TSF, o filósofo José Gil e o professor universitário Azeredo Lopes confessam-se céticos relativamente ao plano de Trump para a paz
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A paz no Médio Oriente "é bem-vinda", mas o plano de 20 pontos do Presidente norte-americano não "convoca a voz dos palestinianos" e isso impede que os problemas na região sejam resolvidos. E, apesar de o primeiro-ministro israelita estar a "passar o rubicão", arriscando-se a ficar "dramaticamente isolado", nada garante que Israel possa não possa "arranjar um qualquer pretexto para continuar a sua campanha militar" em Gaza, após a libertação de todos os reféns.
No Fórum TSF desta terça-feira, que procurou refletir sobre os dois anos desde o ataque do movimento islamita Hamas em Israel, o filósofo José Gil aponta que a paz no Médio Oriente é "bem-vinda", mas mostra-se muito cético em relação ao efeito do plano de Donald Trump para pôr fim ao conflito. Apesar de reconhecer a urgência de fazer "parar as armas e o fogo", entende que "nenhum problema" será resolvido devido à ausência de uma voz.
"[O plano para a paz], como já toda a gente na opinião pública mundial se deu conta, não convoca a voz do povo palestiniano. Não tem consideração minimamente da cultura do povo, nada", sustenta.
Já quando questionado sobre o que dirá a História sobre a forma como o mundo lidou com a tragédia vivida na Faixa de Gaza, José Gil acredita que não será dito nada de agradável.
"Se olharmos para a História como tendo um fim escatológico perfeito, com os deuses a julgar a nossa História, então julgar-nos-ão muito mal pelo que fizemos", defende, admitindo, por outro lado, que os povos são igualmente "vítimas" do contexto da guerra.
Ainda em matéria de deuses, Azeredo Lopes, professor da faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto, confessa-se igualmente descrente na eficácia do plano de Trump para construir a paz sobre os escombros de Gaza e a memória das vítimas de 7 de outubro.
O "receio" prende-se com aquilo que acontecerá após a libertação de todos os reféns — que, ressalva, deve acontecer: o professor explica temer que Israel "encontre imediatamente um qualquer pretexto para continuar a sua campanha militar, dizendo que o Hamas não respeitou isto ou aquilo". E, por sua vez, que o Hamas invoque igualmente de forma sistemática que o Governo israelita "incumpre" o plano e o acuse de atuar "de má fé".
Nota, contudo, que Benjamin Netanyahu já "sente" que os EUA começam "a ficar fartos" e refere uma sondagem do Wahsington Post, que dá conta de que 38% dos judeus norte-americanos consideram que Israel está a cometer um genocídio, para argumentar que este estado de coisas é algo que o primeiro-ministro israelita "não aguenta".
E, completa, se há coisa que Netanyahu não é — ainda que cada um "possa pensar dele o que quiser" — "é mau político". Já entendeu por isso que está "a passar o rubicão" e deve agira com "cuidado", porque se "arrisca" a ficar, de repente, "dramaticamente isolado". Sobretudo numa altura em que os Estados europeus já se sentem "obrigados" a, pelo menos, "não calar totalmente um juízo de censura que parece óbvio".
"Agora, se isto permite ou não respeitar o direito de autodeterminação do povo palestiniano, se isto vai permitir ou não garantir uma paz duradoura, não sou tão otimista quanto a isso", declara.
Israel iniciou em 16 de setembro uma grande ofensiva terrestre contra a cidade de Gaza, justificando-a para eliminar o último bastião do Hamas, autor do ataque que vitimou cerca de 1200 pessoas em Israel, a 7 de outubro de 2023.
A invasão militar hebraica levou à deslocação forçada para o sul da Faixa de Gaza de mais de um milhão de pessoas e resultou em dezenas de mortos diariamente naquela cidade, muitos deles civis, num conflito que já matou mais de 66 mil palestinianos, incluindo mulheres e crianças, de acordo com os números do Hamas.
