No dia em que os corpos de Dom Philips e de Bruno Pereira chegaram a Brasília para serem autopsiados, a TSF quis saber o que torna o vale do Javari um lugar tão cobiçado.
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Antenor Vaz, consultor internacional que trabalhou durante 33 anos na Fundação do Índio (FUNAI) e tem toda uma vida dedicada aos direitos dos povos indígenas, conhece bem a região onde aconteceu o crime. O vale do Javari fica no extremo oeste da Amazónia brasileira e faz fronteira com a Colômbia e o Peru. Como é uma zona de difícil acesso é uma área muito preservada.
Antenor Vaz diz que do outro lado da fronteira tem havido ao longo das décadas uma grande cobiça por parte dos madeireiros e dos produtores de cocaína. É por isso que existe interesse do narcotráfico na região. "A principal questão na região, é que apesar do estado estar presente com as forças de segurança, a capacidade para combater essas ações ilícitas é muito reduzida. Isso possibilitou que a região tivesse um aumento das ações ilegais nos territórios indígenas," explicou o antigo funcionário da Funai.
O consultor de organismos das Nações Unidas como a Organização Mundial de Saúde e Alto comissariado para os direitos humanos diz que como a região está bem conservada existem várias populações indígenas de mais de 30 etnias diferentes. São povos que, por causa da geografia, conseguiram preservar a sua cultura e estabelecer relações muito equilibradas com o ecossistema. "A razão pela qual essa região é bastante cobiçada é a biodiversidade, a riqueza em recursos naturais, uma malha fluvial bastante intensa e muito grande e uma quantidade volumosa de pescado," sublinhou Antenor Vaz.
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O aumento das atividades ilegais fez subir a tensão em todo o vale do Javari. As ameaças já eram grandes e frequentes. Antenor Vaz conta que em 2019 um funcionário da FUNAI, que era responsável pela fiscalização do vale, foi assassinado em plena luz do dia, numa cidade perto da região. Até hoje a polícia federal não resolveu este crime. Entre 2019 e 2021, uma base de proteção da FUNAI, que fica na zona onde ocorreu o crime contra Dom Philips e Bruno Pereira, foi atacada a tiro 8 vezes por grupos organizados. É um outro crime por resolver.
O consultor diz que os sinais estavam lá e "o que aconteceu com o Bruno estava marcado para acontecer, mas isso só ocorre porque as forças de segurança não conseguem ter iniciativas para combater o crime organizado." Para ele houve um grande desinvestimento, principalmente a partir de 2019, com o governo de Bolsonaro. As instituições responsáveis pela fiscalização e monitorização do território, naquela região, perderam funcionários e recursos.
Na verdade, Antenor Vaz, afirma que o estado está presente com o comando do exército, da marinha, da aeronáutica, delegacia da polícia federal e ministério público federal, todos responsáveis pela segurança. O problema é que estas instituições têm de esperar pelas decisões políticas para avançarem. Dos políticos chegam discursos que não ajudam a resolver os problemas. "O discurso do Bolsonaro desde o início da campanha foi sempre contra os povos indígenas e aliado a parte do congresso promovem projetos de lei que enfraquecem a participação da sociedade civil na proteção dos povos indígenas, promovem leis que possibilitam a extração de minério em terras indígenas e reduzem a capacidade de definição do território dos povos indígenas. Esse discurso só estimula a ação ilegal porque os garimpeiros, os madeireiros sentem-se legitimados com essa atuação."
A Antenor Vaz resta a esperança de que a indignação à volta da morte de Dom Philips e Bruno Pereira cause pressão suficiente para o governo de Brasília mudar de atitude.