Brexit será um acontecimento determinante na agenda europeia, em 2020.
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O ano de 2020 será marcado, a nível europeu, por uma nova corrida contra o tempo, durante a qual negociadores de Londres e de Bruxelas terão de forjar o acordo para governar a relação do Reino Unido com o bloco europeu, a partir do momento em que Brexit estiver definitivamente consumado.
Com data da saída marcada para o final do mês, no dia 31 de janeiro, restarão 11 meses para iniciar e fechar os termos de um acordo comercial, e outros aspetos da relação futura, como a cooperação em matéria de segurança e partilha de informação, bem como o acesso às águas para a pesca.
É um calendário "extremamente exigente", como reconheceu a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, na sua intervenção na última sessão plenária de Estrasburgo, de 2019. Talvez a pensar nos últimos três anos para concluir o acordo de retirada, revisto três vezes, sempre num contexto de crise política no Reino Unido, Von der Leyen considera agora que há "muito pouco tempo", para erguer uma montanha de legislação.
A maior dificuldade prende-se, essencialmente, com o princípio que está subjacente à necessidade do acordo que regulará a relação futura, ou seja, "habitualmente, nos acordos comerciais, o que é regulado é a convergência", mas, neste caso "vamos regular a divergência", comentou o vice-presidente do Parlamento Europeu, e membro do grupo coordenador para o Brexit, Pedro Silva Pereira (PS), com a TSF.
Silva Pereira salienta que Londres "quer sair da União Europeia porque quer ter regras diferentes". Porém, o deputado nota que "se a divergência for muito grande" e ameaçar a integridade do mercado único, os padrões ambientais, sociais e culturais da União Europeia, conduzirão a "mais restrições às trocas comerciais com o Reino Unido e mais controlo nas fronteiras", salientou o vice-presidente do Parlamento Europeu, vincando que, também por isso, os 11 meses que restam para fechar um tipo de acordo que normalmente "leva anos" a ser fechado, podem ser insuficientes.
"Portanto, não é de excluir que, chegado ao final de 2020, o cenário de um Brexit sem acordo volte a estar em cima da mesa", afirmou o deputado, corroborando as palavras da própria presidente da Comissão Europeia.
Von der Leyen admite que poderá verificar-se "uma nova situação limite", se um acordo não estiver concluído até final do ano. Sem especificar, a presidente da Comissão afirma que uma tal situação "seria má para os nossos interesses [da UE], mas teria mais impacto para o Reino Unido".
Durante o período de negociações cada um dos lados moverá as peças do xadrez, para tentar defender o melhor possível os seus interesses. Em Londres, o jornal The Times escreveu que a ameaça de bloqueio do acesso da "City" aos mercados europeus, estará entre a argumentação negocial de Bruxelas. Poderão ainda ser apontados eventuais restrições de Downing Street ao fluxo de dados vitais para o comércio britânico.
Estão em causa "possíveis decisões sobre adequação [dados pessoais] e equivalência [nos serviços financeiros]", escreve o jornal britânico, referindo-se à estratégia de negociação da UE, sobre as duas questões "cruciais" para a economia britânica, em termos de comércio e do futuro dos serviços financeiros, que "representam 7% da produção britânica".
O Parlamento Europeu também reservou para si o movimento da última peça, que oficializará o Brexit. Ou seja, Estrasburgo ficará a aguardar que a lei para implementação do acordo de saída seja ratificada pela Rainha Isabel II, - o que não deverá acontecer antes de 26 de janeiro -, para, posteriormente, aprovar ou rejeitar o acordo de saída. A votação está agendada para 29 de janeiro, de modo a permitir o Brexit dois dias depois.
Porém, ainda antes da decisão de Buckingham, na sessão plenária de Estrasburgo em meados de janeiro, o Parlamento Europeu pretende aprovar uma resolução com "exigências", relativas ao respeito pelos direitos dos cidadãos europeus que residem no Reino Unido, num gesto político que enfatizará as dúvidas quanto ao modelo de aplicação do sistema de reconhecimento dos direitos dos cidadãos.
"Nós gostaríamos que esse sistema fosse mais ágil, mais simplificado e que desse mais garantias aos cidadãos, de que os seus direitos são efetivamente protegidos", comentou Silva Pereira com a TSF.
O plano pode passar por "entregar uma Green Card da UE a todos os 5 milhões de cidadãos da UE no Reino Unido e aos britânicos na Europa", de acordo com o coordenador do Brexit no Parlamento Europeu, Guy Verhofstadt, o qual considera que a medida "ajudaria bastante a preencher a lacuna entre a teoria e as realidades quotidianas que os cidadãos enfrentam".
"Todos presumem que o Parlamento Europeu dará automaticamente o seu consentimento ao Acordo de Retirada", apontou Verhofstadt, avisando que a aprovação não será dada "se os problemas remanescentes com os direitos dos cidadãos não forem resolvidos primeiro".
Depois de todas as etapas ultrapassadas, "o Reino Unido continuará como um país amigo, um país aliado e um parceiro", é o que espera o negociador europeu, Michel Barnier, embora "esta relação seja claramente diferente da que temos hoje, e o Reino Unido será um país terceiro", como afirma a presidente da Comissão Europeia, contrariando aquele que tem sido o rosto do Brexit no Parlamento Europeu, Nigel Farage.
"Não! Não seremos um país terceiro, nós vamos tornar-nos uma nação autónoma e independente", ripostou Farage, na mais recente sessão plenária. "Deixaremos esta prisão de nações, no final de janeiro", o grito de Nigel Farage ainda há-de reverberar na sala de Estrasburgo, quando a discussão se fizer, num período que é sobretudo de incerteza, a partir do qual vaticina "o princípio do fim deste projeto [europeu]".
O negociador Michel Barnier afirma que o período de transição pode ainda ser dilatado, sendo que "a extensão continuará possível até 30 de Junho, dentro de um acordo comum". Porém, não é possível pensar numa extensão do período de transição, durante o qual a relação comercial permanecerá a mesma, sem pensar nas implicações que uma tal decisão terá no quadro das discussões do orçamento plurianual, do qual depende a distribuição de dinheiro europeu, a partir de 2021.