Cortes dos EUA a universidades portuguesas "são mais um passo para ditadura", resposta de instituições "reforça autonomia"
O corte nos apoios financeiros dos EUA a universidades portuguesas subiu a debate n'O Princípio da Incerteza. Pedro Duarte saúda a "reação unânime" das instituições, que "ignoraram um questionário inconcebível", a socialista Alexandra Leitão fala em perguntas "inacreditáveis" e Pacheco Pereira não esconde a preocupação
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O ministro dos Assuntos Parlamentares aplaude a reação das universidades portuguesas, que ignoraram o questionário enviado pelos Estados Unidos. No programa da TSF e da CNN Portugal, O Princípio da Incerteza, Pedro Duarte lamenta o corte dos apoios financeiros a seis universidades, mas considera que é de louvar a posição de autonomia que as instituições de ensino superior demonstraram.
"Eu rejeito e afasto-me liminarmente desse tipo de atitude, mas temos de reconhecer que, democraticamente, é legítima para quem está no poder. Há uma legitimidade formal de quem está no poder nos Estados Unidos de querer que aquilo que são financiamentos externos da administração americana possam ter determinado tipo de conceção definida por quem tem essa autoridade naquele país", considera o governante, sublinhando que "coisa muito diferente é aquilo que é a reação no nosso país".
"É muito positiva a reação unânime das universidades portuguesas a ignorarem com boa educação aquilo que é um questionário inconcebível. Foi um momento de reforço da autonomia das nossas instituições e de defesa daquilo que são os valores que devem ser os valores pelos quais se devem nortear as nossas instituições científicas e académicas", refere.
Já a socialista Alexandra Leitão afirma que o corte nos apoios financeiros dos EUA a universidades portuguesas, vindo do governo norte-americano, "é mais um passo na caminhada dos Estados Unidos em direção à ditadura".
"Dentro de portas, já tinha utilizado várias vezes a questão do financiamento federal como forma de condicionar a liberdade de investigação e a liberdade de expressão. As universidades, então, têm sido alvos preferenciais, como são sempre dos ditadores na perseguição de académicos. Isto é mais um passo, desta feita, fora de portas para demonstrar essa autoridade e porque podem. Se nós olharmos para as 35 perguntas do questionário, tem coisas tão díspares, como saber se tem relações com a China, se tem projetos de diversidade, equidade e inclusão, aquela luta contra a diversidade, e também - e tem sido menos falado - se estas universidades têm projetos ambientalistas, que é uma coisa inacreditável. A própria pergunta é se têm projetos de justiça ambiental, como se a justiça ambiental fosse uma coisa má", afirma Alexandra Leitão.
Pacheco Pereira também elogia a forma como as universidades portuguesas ignoraram o inquérito enviado pela Administração Trump e não esconde a preocupação com o facto de o episódio poder repetir-se com outras instituições, como a Fundação Luso-Americana.
"A resposta das universidades, de modo geral, foi boa, algumas até nem responderam. Preocupa-me o silêncio do Ministério dos Negócios Estrangeiros, porque isto é uma interferência direta na vida política, social, académica portuguesa. Nós temos uma fundação com os Estados Unidos: a Fundação Luso-Americana, que é o resultado de acordos entre Portugal e os Estados Unidos. Essa fundação tem um papel importante em convidar professores portugueses para trabalharem e ensinarem universidades americanas", explica o historiador, questionando: "Há programas de bolsas que são muito importantes para as universidades portuguesas. Será que, a partir de agora, todos esses programas vão depender da subjugação a Trump, quer dos professores que vão para os Estados Unidos, quer daquilo que eles vão ensinar, quer dos alunos que vão poder ter bolsas?"
No final da semana passada, o Governo dos Estados Unidos cancelou ao Instituto Superior Técnico (IST) um programa que permitia ter nas suas instalações um espaço de divulgação da cultura americana, tendo a instituição portuguesa sido questionada sobre ligações a organizações terroristas. Segundo o presidente do IST, a comunicação do cancelamento do programa, seguida de um questionário, cita uma determinação emanada do Departamento de Estado norte-americano.
Em Portugal, os chamados "espaços americanos" ou "american corners", financiados pelo Governo norte-americano e que a Embaixada dos Estados Unidos em Lisboa descreve como "centros de informação e cultura", são seis e funcionam todos em instituições universitárias.
Além do IST, as universidades dos Açores, Aveiro, Porto (Faculdade de Letras), Lisboa (Faculdade de Letras) e Nova de Lisboa (Faculdade de Ciências e Tecnologia) têm estes espaços.
No IST, o "American Corner" funcionava há mais de dez anos e, de acordo com Rogério Colaço, promovia palestras, encontros e atividades de "divulgação e de cariz científico".
O financiamento anual rondava os 20 mil euros.
O diretor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), Hermenegildo Fernandes, disse à Lusa que recebeu o mesmo questionário, que o deixou estupefacto pela "dimensão do descaramento" das perguntas, nomeadamente sobre "agendas climáticas", se a instituição tinha "contactos com partidos comunistas e socialistas" ou "relações com as Nações Unidas, República Popular da China, Irão e Rússia" e o "que fazia para preservar as mulheres das ideologias de género".
A faculdade optou igualmente por não responder ao questionário, notando que "a sua dependência é com as políticas científicas de Portugal e da União Europeia", adiantou o diretor da FLUL, sem clarificar se o programa "American Corner" foi cancelado ou não à faculdade, que tem um "espaço americano" a partilhar instalações próximas com o Instituto Confúcio, entidade oficial da China que promove a cultura e a língua do país.
Contactada a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, a direção da instituição indicou à Lusa, sem mais detalhes, que o "American Corner" é "um projeto anual que terminará em setembro".
"Estamos a avaliar a hipótese de nos candidatarmos à continuação do projeto ou não", acrescentou a faculdade numa breve declaração.