Cortes na PAC? Comissário rejeita alterações “numa política que funciona”. Produção agrícola é “arma geopolítica”
“Costumo dizer, de forma muito clara: não se constrói um continente, nem se vence uma guerra, de estômago vazio”, afirma Christophe Hansen
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O comissário europeu da Agricultura, Christophe Hansen, afirma que a produção agrícola é hoje uma arma geopolítica e defende que a União Europeia deve continuar a apoiar o setor para garantir a subsistência alimentar e a autonomia estratégica do continente. Em entrevista à TSF e ao Jornal de Notícias, Hansen afasta cortes nas verbas da Política Agrícola Comum (PAC), mesmo num contexto de crescente investimento em defesa.
“Quero afirmar claramente que a Política Agrícola Comum demonstrou, ao longo de mais de seis décadas, que cumpre os objetivos consagrados nos Tratados: garantir a segurança alimentar, apoiar o rendimento dos nossos agricultores e assegurar preços acessíveis para os consumidores. Temos, portanto, provas concretas de que estes instrumentos são eficazes”, sublinhou.
“Os produtos agrícolas são hoje uma arma geopolítica, e é crucial mantermos a nossa autonomia na produção”, enfatizou o comissário, considerando que “a Europa deve continuar a controlar a quantidade e a qualidade dos seus alimentos”.
“Costumo dizer, de forma muito clara: não se constrói um continente, nem se vence uma guerra, de estômago vazio. Comemos duas a três vezes por dia e essa alimentação tem de ser de boa qualidade e em quantidade suficiente. Foi isso que a Política Agrícola Comum garantiu até hoje e é isso que deve continuar a garantir no futuro”, afirmou o comissário, considerando que esta política histórica deve manter a sua capacidade de intervenção perante os novos desafios, entre os quais, inclui os fenómenos climáticos extremos, instabilidade geopolítica e a pressão comercial.
Tarifas
A propósito das tensões comerciais entre Washington e Bruxelas, o comissário garantiu que a Comissão está empenhada em alcançar um entendimento com os Estados Unidos e evitar a imposição de tarifas. Para o comissário, trata-se de uma prioridade “do interesse de todos, agricultores, empresas agroalimentares e consumidores, dos dois lados do Atlântico”.
“Os agricultores podem contar com uma abordagem construtiva da Comissão Europeia. Queremos mais reciprocidade no comércio internacional e estamos a negociar de forma determinada para proteger o setor agrícola”, afirmou, afastando receios de que certos sectores agrícolas pudessem ser usados como moeda de troca, na negociação de outras áreas de comércio.
Questionado sobre a possibilidade se pode garantir que o financiamento agrícola não será reduzido ou desviado, face às necessidades do aumento do investimento em defesa, Christophe Hansen considera essencial “manter a autonomia na produção” dentro da União Europeia. “A política agrícola contribui fortemente para a resiliência da Europa. Quando um modelo funciona, não se deve desmantelá-lo para servir outros fins”, sublinhou.
Sobre o futuro da PAC, o comissário defendeu uma maior orientação dos apoios “para quem mais precisa”, elegendo “os jovens agricultores, as explorações familiares e as regiões com limitações naturais, onde produzir é mais difícil”, como principais beneficiários.
Segundo Hansen, é urgente promover a renovação geracional no setor agrícola na União Europeia, onde, em média, menos de 12% dos agricultores têm menos de 40 anos. Segundo o comissário, Portugal acompanha “esta realidade”. Por essa razão, o comissário laça um apelo à integração dos jovens no setor agrícola. No andando, alerta que “o orçamento da PAC é limitado” e que “os Estados-membros” também devem contribuir para este objetivo, uma vez que “têm um papel fundamental” no reforço das medidas de apoio.
O comissário apontou o exemplo da Áustria, onde 24% dos agricultores têm menos de 40 anos, atribuindo esse sucesso à aposta na educação agrícola e a políticas como a reforma antecipada, que permitem libertar terras para os mais jovens.
Tecnologias e IA
Na entrevista, Hansen assume-se comovo um defensor da utilização das novas tecnologias no sector agrícola e assegurou que a Comissão está “empenhada em simplificar procedimentos”, especialmente para as pequenas explorações.
A título de exemplo, referiu o pacote de simplificação apresentado a 14 de maio, que prevê que apoios inferiores a 2500 euros fiquem isentos de controlos no terreno e obrigações de reporte da parte dos agricultores. “Se puderem dedicar-se ao campo em vez de preencher formulários, tornam-se mais produtivos”, sublinhou.
Questionado sobre a introdução de tecnologias como a inteligência artificial na agricultura, reconheceu que é necessário garantir o acesso também às explorações mais pequenas, através de ferramentas simples e acessíveis. Destacou ainda o esforço da Estónia para reduzir a carga administrativa com recurso à IA e apontou o défice de investimento no setor — estimado em 62 mil milhões de euros — como um dos principais obstáculos à inovação.
Ultraperiféricas
O comissário considerou que os programas de apoio para suavizar o impacto da insularidade (POSEI), em regiões como os Açores e a Madeira, é “essencial” para manter a atividade agrícola em territórios onde os custos de produção são elevados e as condições geográficas adversas. Sem se comprometer com um reforço de verbas para o POSEI, o comissário anunciou que a Bruxelas está a realizar uma avaliação do regime, com vista à sua eventual reforma. No entanto, garantiu que a continuidade do apoio está assegurada, pois “apesar das suas limitações, é um instrumento que tem permitido manter a atividade agrícola nessas regiões”.
A visita a Portugal insere-se num périplo por todos os Estados-membros no primeiro ano de mandato. “Nada substitui o contacto direto com os agricultores no terreno”, afirmou, realçando a diversidade da agricultura portuguesa e os desafios específicos que o país enfrenta, como o stress hídrico e a insularidade.
O comissário inicia esta sexta-feira uma visita de dois dias a Portugal, onde tem encontros com membros do governo e responsáveis do sector. Este sábado, dia 7 de junho, Christophe Hansen estará presente na inauguração da Feira Nacional de Agricultura, em Santarém.