Crise de identidade. Centro de Memória Cultural Rohingya nasce no maior campo de refugiados do mundo
Há investigadores portugueses envolvidos no projeto criação de um Centro de Memória Cultural Rohingya, no Bangladesh. A iniciativa visa dar resposta à crise de identidade do povo Rohingya e preservar as histórias e as tradições da minoria étnica do Myanmar.
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Lurdes Macedo, especialista em estudos culturais, é uma das portuguesas envolvidas na criação de um Centro de Memória Cultural Rohingya no maior campo de refugiados do mundo, no Bangladesh. A iniciativa da Organização Internacional tem o intuito de contar a história da comunidade Rohingya, que enfrenta uma crise de identidade. O projeto conta com a colaboração de especialistas portugueses, e os laços com a cultura de Portugal são desvelados pela investigadora Lurdes Macedo, em entrevista à TSF.
Há hoje quase um milhão de Rohingyas a viver nos campos de refugiados de Cox's Bazar, no Bangladesh. O centro de memória cultural permitirá gravar músicas e sons para que não caiam no esquecimento. A História dos Rohingya será contada através de músicas, narração de histórias, poesia, cerâmica, bordados ou cestaria. Todos os conteúdos do acervo são produzidos por artistas refugiados Rohingya que vivem em Cox´Bazar.
Lurdes Macedo, especialista em estudos culturais, frisa que o projeto surge para dar resposta à crise de identidade do povo Rohingya, até porque os dados são preocupantes. "O relatório que foi feito, com a avaliação da situação da saúde mental dos refugiados em 2018, revelava que mais de metade dizia que a crise de identidade que sentia com a migração forçada era a principal razão para o seu mal-estar do ponto de vista coletivo e comunitário", explica a investigadora.
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O povo Rohingya conseguiu, no entanto, preservar tradições culturais ao longo de séculos, por ter vivido como minoria no Myanmar, isto é, uma "certa forma de viver numa bolha naquele território levou a que estas tradições fossem preservadas". Esta minoria é, por exemplo, "um povo com uma grande tradição de replicação dos modelos arquitetónicos", o que poderá ser constatado no espaço de preservação. "Muitos refugiados ainda tinham as fotografias de suas casas", que expunham quão característica é a arquitetura Rohingya, assevera Lurdes Macedo.
Para a investigadora, foi especialmente surpreendente perceber que ainda há vestígios da passagem dos portugueses pela baía de Bengala, inclusive na língua falada. "Na língua Rohingya, que é uma língua que não se escreve - é exclusivamente oral -, eles guardam palavras como 'varanda', 'armário', 'cadeira', já não pronunciadas como nós pronunciamos, mas com origem no português. Foram os portugueses que introduziram naquele território essas peças de mobiliário e também o estilo arquitetónico com varanda."
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Lurdes Macedo acredita que é a primeira vez que se desenvolve um projeto desta natureza em contexto de emergência.
Qualquer pessoa pode consultar online, através de uma galeria interativa, um arquivo digital e exposição no site. O Centro de Memória Cultural Rohingya oferece também apoio psicológico, tal como um espaço para dar voz a uma minoria que tem sido alvo de perseguição no Myanmar.