Crónica Acontece no Brasil. Juiz de São Paulo usou identidade falsa durante 40 anos
Edward Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield afinal chama-se José Eduardo Franco dos Reis. O que acontecerá com as milhares de sentenças que proferiu?
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Estudou direito na Universidade de São Paulo, nos anos 1980, ingressou na magistratura, na década seguinte, foi coordenador de uma escola de direito, mais tarde, e proferiu milhares de decisões ao longo da carreira.
A vida deste juiz, hoje com 67 anos, seria normal, não fosse estar sustentada numa mentira. Em algumas mentiras.
Edward Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield sempre disse que era neto de um magistrado inglês, membro de uma família aristocrática e que viveu até aos 25 anos em Inglaterra. Mas não, não viveu até aos 25 anos em Inglaterra, não é membro de uma família aristocrática, não é neto de um magistrado inglês e nem sequer se chama Edward Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield – o nome do juiz é José Eduardo Franco dos Reis, filho de outro José e da dona Vitalina.
Conta o portal G1 que, ao tentar renovar o bilhete de identidade brasileiro, em outubro de 2024, numa espécie de Loja do Cidadão de São Paulo, foi descoberto, investigado pela polícia civil e denunciado pelo Ministério Público por falsidade ideológica e uso de documento falso.
Documento não, documentos. O mister Wickfield, ou senhor Reis, começou por falsificar a certidão de nascimento, depois um certificado de dispensa do Exército, a seguir uma carteira de funcionário público, mais o cartão da previdência social, “beneficiando-se da falta de materiais gráficos de segurança à época”, disse o promotor Maurício Salvadori.
A promotoria pediu medidas cautelares alternativas à prisão, como a entrega do passaporte e a proibição de se ausentar da cidade onde mora. À polícia, José Reis disse que Edward Wickfield não passa de um irmão gémeo dele... uma versão repleta de inconsistências.
A questão que se coloca agora é se as sentenças proferidas pelo juiz Wickfield, que afinal era juiz Reis, são válidas. Especialistas em direito ouvidos pelo jornal O Globo não acreditam que alguma das decisões do magistrado ao longo da carreira sejam anuladas – mas admitem que qualquer um dos sentenciados possa pedir a nulidade de qualquer sentença, podendo gerar imbróglios jurídicos.
