Das temperaturas aos glaciares: uma vida no Ártico a testemunhar as alterações climáticas
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Nascida e criada no Ártico, Elena Doms, agora com 35 anos, cresceu com as alterações climáticas a acontecerem mesmo em frente aos seus olhos.
Viveu, mais precisamente, numa cidade russa chamada Arkhangelsk. Em entrevista à TSF, na Web Summit, em Lisboa, Elena recorda os invernos muito frios, com temperaturas a chegarem até aos -40º C.
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"O ar era tão frio que queimava as bochechas e o nariz", lembra. A casa onde viveu até ir para a Universidade era mesmo ao lado do rio. No caminho que fazia de ida e volta para a escola, Elena lembra-se de perceber como "o rio e as estações estavam a mudar". Foi aí que começou a perceber as consequências das alterações climáticas e do aquecimento global.
Enquanto na infância os invernos eram gelados, com temperaturas entre os 35 e o 40 ºC negativos, agora "essas temperaturas são consideradas anormais". "A média agora é -7 ºC ou -10º C ou até mesmo temperaturas acima do zero", diz.
O Ártico está a aquecer quatro vezes mais rápido do que o resto do planeta
No Ártico, as infraestruturas têm o gelo como base. "Eu vivia numa casa ao lado do rio, que dividida a cidade em duas partes, e não havia uma ponte para atravessar, o gelo era usado como uma estrada para fazer a travessia." Durante a pandemia, Elena conta que o tempo era "tão quente" que "o rio congelava um ou dois meses mais tarde, o que impedia o acesso das pessoas aos hospitais e a comida".
Corria o ano de 2021. Enquanto a Europa era assolada com grandes cheias, no Ártico, mais particularmente na Rússia, foram registadas temperaturas de cerca de 30 ºC durante cerca de dois meses no verão. Sem uma gota de chuva. Elena fala numa "mudança drástica" provocada, precisamente, pela crise climática que o planeta atravessa.
As temperaturas no Ártico são a maior diferença que Elena encontra quando compara os tempos de infância com os dias de hoje. "Isto para mim é uma grande mudança", afirma, sublinhando que "o Ártico está a aquecer quatro vezes mais rápido do que o resto do planeta".
O Polo Norte e o Polo Sul estão ligados e regulam a estabilidade do nosso ecossistema. Quando há um desequilíbrio, isso tem impacto em milhões e milhões de pessoas
Um dos símbolos do Ártico são os glaciares, que "estão a derreter por causa das alterações climáticas e as emissões de gases com efeito de estufa".
"O polo norte o polo sul estão ligados, o Ártico pode ser longe, mas o rápido aquecimento desta região causa também o degelo no manto de gelo da Gronelândia", algo que afeta o Oceano Atlântico, a Amazónia e a Antártida. "O Polo Norte e o Polo Sul estão ligados e regulam a estabilidade do nosso ecossistema. Quando há um desequilíbrio, isso tem impacto em milhões e milhões de pessoas", assinala.
Segundo Elena, as alterações climáticas manifestam-se através secas, eventos meteorológicos extremos, subida do nível do mar ou até em problemas alimentares.
No Ártico, os ursos polares também sofrem. "Os habitats dos ursos polares estão a diminuir muito rápido e eles estão a morrer", adianta. Além disso, outras espécies "estão a migrar para o Norte, para onde as temperaturas são mais frias, mas aquelas que vivem no Norte não têm para onde ir, o que pode levar à extinção."
Com o aquecimento desta região do planeta, "há vários países que vêm aqui uma oportunidade política para explorar os recursos, o que tem impactos devastadores na vida selvagem", lamenta.
Elena lidera a Earth Plus, uma organização que se dedica à limpeza dos solos, capturando o CO2, através de "soluções baseadas na natureza". "Ainda estamos a aumentar as emissões, temos muito trabalho para fazer, a ação global ainda não é evidente", refere, acreditando, no entanto, que é possível combater a crise climática.
Podemos usar a tecnologia para fazer com que a natureza volte a ser sexy
Mas como? "Às vezes, podemos sentir-nos impotentes, como indivíduos, mas toda a mudança começa connosco, como indivíduos. Podemos falar sobre isso abertamente, muitas pessoas estão preocupadas", reconhece. O setor político e financeiro são os primeiros que, na visão de Elena, devem contribuir para a ação climática. As pessoas também podem e devem ajudar. "Mudar a nossa dieta, passo a passo, escolhendo opções vegetarianas e comer menos carne (...) Apostar numa alimentação mais orgânica, livre de químicos. Os químicos vão para os solos, podem ir parar aos oceanos e matar o fitoplâncton, que é uma fonte de oxigénio e o início da nossa cadeia alimentar. As escolhas que fazemos todos os dias importam", frisa.
E a tecnologia, pode ajudar? Elena recorre aos dados do WorldWildFund para dizer que a natureza foi capaz de remover 54% das nossas emissões extra de gases com efeito de estufa. "A natureza tem a solução, mas a tecnologia pode trazer a transparência para a natureza (...) Podemos usar a tecnologia para fazer com que a natureza volte a ser sexy. Se usarmos bem a tecnologia ela pode ajudar-nos a fazer escolhas mais eficientes, acelerar a transição para as energias renováveis e ser um acelerador em muitos níveis", remata.
