Idil Eser esteve presa durante 113 dias. Crime? Defender os direitos humanos. Ex-diretora da Amnistia Internacional na Turquia ainda aguarda julgamento, é suspeita de terrorismo e adianta que o motivo é "ser crítica do regime".
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"Eu continuo em julgamento por ser suspeita de terrorismo". As palavras saem da boca de Idil Eser a um ritmo pausado, com o tom calmo de quem já se habituou a essa ideia. A maioria das pessoas não tem consciência do que é ser acusado de terrorismo, num primeiro pensamento a ideia que surge é, eventualmente, a dos ataques em locais públicos e que levam à morte de várias pessoas. No caso desta mulher turca, em causa está a defesa de direitos humanos. Contrassenso? Idil Eser explica mais à frente.
Sentada num sofá a olhar para o microfone da TSF, Idil Eser não teme quaisquer perguntas. Em jeito de quebra-gelo, questiono-a sobre se esta conversa seria possível na Turquia, país que na lista da liberdade de imprensa dos Repórteres sem Fronteiras surge na posição 157. "Eu teria feito [esta entrevista]. Muitos defensores de direitos humanos dão entrevistas independentemente das consequências. Diria que sim, que seria possível, depende daquilo que estás disposto a ter em conta". E na conta de Idil Eser está a luta pela justiça e pelos direitos humanos.
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No dia em que foi detida, estava a participar num ateliê sobre cibersegurança e em como lidar com o trauma, corria o mês de julho de 2017. "No segundo ou terceiro dia [do ateliê], a porta estava aberta e vários polícias entraram com as armas nas mãos. O primeiro tinha arma, sobre os outros não tenho a certeza de terem armas. Disseram: 'mãos ao ar, afastem-se dos telemóveis e dos computadores", começa por recordar Idil, à época diretora-geral da Amnistia Internacional na Turquia.
Foi detida com outras nove pessoas. Ficaram conhecidos como "os 10 de Istambul". "Éramos oito defensores de direitos humanos da Turquia, tínhamos um cidadão alemão e outro sueco que eram facilitadores. Transferiram-nos a nós, turcos, para várias esquadras na parte asiática durante a noite. Ficámos lá durante 10 dias", nota Idil Eser que depois passou ainda por outra prisão até chegar a um estabelecimento prisional de alta segurança. No total, esteve presa durante 113 dias.
"Se não fosse trágico, até seria engraçado"
Mas, afinal, o que é que alegava a polícia? O que é que disseram quando, de arma em riste, detiveram 10 ativistas de direitos humanos? "Não disseram nada enquanto fomos detidos", começa por dizer. "Só fomos questionados no dia antes do julgamento, não sabíamos do que estávamos a ser acusados. De acordo com os advogados que nos visitaram, percebemos que havia uma campanha negativa sobre nós nos media pro-governo. Éramos acusados de sermos espiões, de estarmos a organizar um tumulto, o que não fazia o mínimo sentido", continua.
"Uma semana antes do nosso julgamento, vi a acusação oficial preparada pelo procurador onde éramos acusados de sermos membros - ou, não sendo membros, fazendo propaganda e ajudando - de três organizações terroristas com agendas diferentes", sublinha Idil Eser com um sorriso que pode traduzir-se por "como é que isto é possível?". "Uma é pro-curda, outra é islâmica e a outra marxista-leninista, éramos acusados de estarmos a ajudá-las simultaneamente", explica a ativista. "A acusação não estava muito bem escrita, por isso, era difícil perceber o que se passava, mas éramos acusados de organizar tumultos e também estavam abertas investigações sobre nós, uma por espionagem e outra por financiamento de terrorismo", detalha. E provas? De acordo com Idil Eser, os documentos apresentados eram documentos legítimos da Amnistia como comunicados de imprensa. "A Amnistia tem sido uma organização legalmente constituída na Turquia há 15 anos, foi tudo feito dentro dos trâmites legais. Fracamente, era tudo absurdo. Se não fosse trágico, até seria engraçado", diz a rir a ex-diretora da Amnistia.
O conceito de terrorismo
No dicionário online da Porto Editora, a entrada para a palavra "terrorismo" tem como descrição "prática de atos premeditados de violência (assassinatos, raptos, extorsões, deflagração de bombas, etc.) dirigidos contra uma classe dominante, um grupo ou mesmo pessoas indeterminadas, com o objetivo de causar terror e fragilizar o poder estabelecido, de forma a tentar impor determinados objetivos, geralmente de ordem política". Na Turquia, de acordo com a ativista, o sentido é muito mais lato. "Basicamente, significa crítico de várias políticas do governo, não significa terrorismo no sentido legal que é aceite internacionalmente", conta Idil Eser.
Suspeita de terrorismo, Idil Eser vai ter novo julgamento a 21 de março. No entanto, a defensora de direitos humanos acredita que a decisão final (e que a pode levar a ser presa uma vez mais) ainda vai demorar algum tempo. "Normalmente, o procurador ou os advogados recorrem da decisão. Se não formos absolvidos, os nossos advogados vão recorrer da decisão e os procuradores também podem recorrer se formos absolvidos", explica.
Num país onde as violações de direitos humanos são motivo de preocupação por parte da Organização das Nações Unidas, torna-se difícil acreditar na justiça. Idil Eser dá conta da arbitrariedade do sistema judicial comparando-o a "um jogo de azar". "Penso que é a parte mais assustadora porque não sabes quem vai ser apanhado no sistema e quem não vai", diz.
Para Idil Eser, a situação dos direitos humanos na Turquia não está a melhorar com o passar do tempo. A começar com o facto de as pessoas (na Turquia e não só) "não terem um grande entendimento sobre direitos humanos". A ativista começa por realçar que, em 2019, vão existir eleições regionais e que há muita gente que foi acusada de tumulto nos protestos de 2013 e que foram entretanto absolvidas. O problema é que, agora, "existe uma segunda ronda de casos a serem reabertos".
No caso das eleições, Idil Eser acredita que nada vai mudar no curto prazo. Questionada acerca do presidente Erdogan, a ativista diz não acreditar que ele perca as eleições porque é "um líder muito carismático com uma base de apoio muito ampla". "Ele tem também a vantagem de estar no poder, acredito que vá continuar no poder enquanto for vivo", sublinha.
Já no caso da perceção geral da sociedade civil, Idil Eser é crítica: "Penso que as pessoas se esqueceram do porquê de terem sido criados os direitos humanos e porque é que são importantes. As pessoas pensam que os direitos humanos dizem respeito aos outros e não a si próprios. Por isso, não estão a defendê-los como deviam. Penso que vamos pagar o preço por isso enquanto comunidade global", comenta lembrando que é uma situação que acontece em diferentes latitudes, começando na Turquia, acabando nos Estados Unidos e com paragens em países como Brasil, Hungria ou Polónia.
Questionada se não estamos já a pagar esse preço, Idil diz que não. "Pode vir a ficar bem, bem pior. A história conta-nos que as coisas podem ficar bem pior. É por isso que a história é importante e que as lições da história são importantes", afirma realçando que não é pessimista, mas realista. "No fim, os direitos humanos vão vencer, vão prevalecer, mas talvez as pessoas precisem de ser recordadas sobra a importância deles", diz.
A dúvida no horizonte
Já em jeito de despedida e em conversa já com microfone desligado, Idil Eser salienta a importância de um jornalismo forte numa democracia que se pretende saudável. Salientando que os jornalistas têm de estar unidos, esta ativista voltou para as atividades do Fórum da Coragem da Amnistia Portugal onde marcou presença para contar a sua história e tentar servir de exemplo.
"Não percam a união e a força", aconselha Idil Eser aos jornalistas portugueses para que evitem cenários de opressão de direitos humanos no futuro. Mas sobre o futuro, a ativista não tece grandes previsões. Pelo menos, em relação ao seu. "Eu penso apenas no horizonte de curto prazo. Só quero escrever alguns artigos, não sei nada sobre o futuro. Vamos ver... Eu tinha planos antes de ser detida e a prisão mostrou-me que não podemos planear o futuro porque coisas acontecem. Neste momento, deixo-me ir com a corrente", conclui.