Uma “Janela para um país livre” através de “Histórias que as paredes contam”. O sociólogo da Irlanda do Norte e especialista em muralismo, Bill Rolston em conferência em Setúbal sobre a iniciativa internacional "Painting for Palestine". A Palestina na capital do Sado, com passagem por Belfast.
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Professor catedrático emérito da Ulster University, Bill Rolston já viu o mural que tem por base uma obra de Azhar Al Majed, artista da Palestina, e que surge no âmbito do projeto “Histórias que as Paredes Contam”, mural que pode ser apreciado desde domingo na Av. Manuel Maria Portela, em Setubal, junto ao terminal intermodal. Dias após estar pronto, a TSF sabe que esta terça-feira o mural foi vandalizado.
“Histórias que as paredes contam — 50 anos de muralismo em Setúbal”, coordenado pela antiga jornalista Helena de Sousa Freitas, cuja tese de doutoramento no ISCTE-IUL incidiu sobre esta temática, e que integra as celebrações nacionais e locais dos 50 anos do 25 de Abril, deu assim resposta ao desafio lançado pelo sociólogo irlandês Bill Rolston para que se associasse à campanha internacional de pintura de murais Painting for Palestine, que pretende divulgar obras de artistas palestinianos e que arrancou a 14 de janeiro em Belfast, na Irlanda do Norte.
Artistas palestinianos pensaram receber murais políticos dos muralistas de Belfast, onde os Troubles mataram gente e cavaram feridas profundas, mas nunca tiveram a dimensão das guerras em Gaza. Ainda assim, os murais políticos norte irlandeses fixaram cores e símbolos onde a criatividade marcou posicionamentos e territórios, ergueram bandeiras e celebraram heróis, por muito contestados ou odiados que fossem do outro lado do Muro.
Mas essa ideia inicial de importação por parte dos artistas da Palestina ficou, há uns meses, em águas de bacalhau. O ataque de 7 de outubro do Hamas e a resposta israelita impossibilitou o intercâmbio pessoal. A ideia original teve de mudar de direção e assim nasceram as “Pinturas pela Palestina”, como explica o sociólogo, professor emérito da Universidade da Irlanda do Norte, natural de Belfast, Bill Rolston.
“O plano foi alterado: os artistas palestinianos enviam-nos os seus quadros e estes são copiados no muro internacional de Belfast. Quando estiver concluído, serão 10 ou 12 murais lado a lado ao longo de um longo muro, possivelmente o maior conjunto de murais sobre a Palestina no mundo. Por isso, despertou muito interesse em Belfast, em particular, mas também noutras partes do mundo.”
No fim da mítica Falls Road, na parte nacionalista católica da capital da Irlanda do Norte, lá estarão os murais na Divis Street… O sociólogo e especialista em muralismo político-social tem um olhar horrificado para o que acontece em Gaza: “Há uma catástrofe que está a acontecer em tempo real e que está a ser registada de uma forma que nenhuma outra catástrofe do século XX ou XXI até à data foi registada. Não existiam redes sociais durante o Holocausto. Não tínhamos redes sociais durante o genocídio em Ruanda ou qualquer outro, mas agora temos meios de comunicação social e redes sociais que nos dão estas imagens dia após dia, após dia: atrocidades, crimes de guerra, sofrimento a um nível incrível.”
O sociólogo, catedrático emérito da Ulster University, admite uma inclinação política na forma como observa o conflito no Médio-Oriente, mas realça que, acima de tudo, deve prevalecer um posicionamento humanista.
“As minhas inclinações vão para a esquerda, mas acho difícil imaginar como é que alguém não se sentiria tocado pelo que está a acontecer, apenas a nível humano. A voz da Palestina tem de ser ouvida no meio de tudo isto, porque tem sido mediada por tantas outras vozes. Uma das formas de a fazer sair directamente é fazer com que os muralistas palestinianos nos digam como vêem as coisas - nós não lhes dizemos o que vemos, eles é que nos dizem, e nós pomos isso no livro."
Bill Rolston viajou por Portugal em 1978, mas na altura não passou por Setúbal. Agora, o especialista em muralismo político-social vê uma conexão entre a capital do Sado e a capital norte-irlandesa.
“Desde então, muita água passou por baixo da ponte e, para ser sincero, eu estava a viajar como turista. (...) De repente, à medida que íamos andando de carro, reparei na quantidade de murais políticos que existiam nas paredes portuguesas. Havia uma série de partidos, todos a pintar os murais: comunistas, maoístas, trotskistas, anarquia. Nunca tinha reparado em murais antes disso, nem sabia muito sobre a Revolução dos Cravos de 1974. Esta viagem foi três anos antes da explosão de murais que aconteceu em Belfast na sequência da greve de fome dos prisioneiros (1981, o caso Bobby Sands). Portanto, já três anos antes, eu tinha um teste de Portugal e, por isso, sim, há uma ligação a Portugal”, conta.
Afirmando-se honrado por se encontrar “numa cidade com uma grande história de luta”, Bill Rolston, acrescentou ter “especial prazer em ver uma ligação entre Setúbal e Belfast”, de onde é natural.
“Em ambas estamos a pintar murais de solidariedade com o povo da Palestina. Em Setúbal, o mural refere-se aos sonhos de liberdade, enquanto em Belfast estamos a mostrar parte do horror atual em Gaza”, diferenciou, após ver a obra patente na Av. Portela.
Segundo Helena de Sousa Freitas, coordenadora do “Histórias que as Paredes Contam”, a execução do mural “reuniu na mesma parede, pessoas com as mais variadas idades, áreas de formação e sensibilidades artísticas, algumas das quais ficaram ali a conhecer-se”.
Neste triângulo geográfico e político de pontes e pinturas, Gaza-Belfast-Setúbal, Bill Rolston, Catedrático emérito da Universidade do Ulster, estará ao final do dia em Setúbal (18h30) para falar “Dos Troubles ao Brexit – A Expressão Muralística na Irlanda do Norte”, conversa que no Museu de Arqueologia (MAEDS) .