Ex-prisioneiro de guerra no Vietname, disputou a presidência em 2008 como um republicano rebelde e foi um crítico proeminente do presidente Donald Trump. John McCain faleceu este sábado e diz, quem o conhece, que "partiu" um homem de causas.
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É como se o nome o seguisse para onde quer que fosse; uma espécie de sombra cultivada à luz das ideias que defendia e das causas pelas quais se empenhava. Maverick, na pessoa de John McCain, não deixou ninguém indiferente.
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Filho e neto de almirantes de quatro estrelas, foi criado para o combate. Sofreu mais de cinco anos de prisão e tortura pelos norte-vietnamitas, na altura um jovem oficial da marinha, e combateu os inimigos à esquerda e à direita em Washington guiado por um código de honra que o definiu e assombrou.
O senador McCain, de 81 anos, morreu este sábado no seu rancho perto de Sedona, Arizona, depois de ter decidido que não lutaria mais contra a doença que o perseguia há um ano: um tumor no cérebro.
A Infância "militarizada"
Nascido a 29 de agosto de 1936, na Zona do Canal do Panamá numa família cuja linhagem militar remontava à Guerra Revolucionária, dos tempos do general George Washington, desde cedo começou a revelar traços de forte personalidade. A certa altura na sua infância, os pais terão sido aconselhados, por um médico da Marinha, a deixá-lo completamente vestido numa banheira de água gelada ao primeiro sinal de birra severa.
As bases militares foram uma constante da sua vida enquanto criança, sendo que viria a forma-se em 1954, num colégio interno da Virgínia. Seguindo as pisadas do pai e avô, McCain matriculou-se na Academia Naval dos EUA, "um lugar a que pertencia, mas temia". Acabou o curso em quinto lugar entre 899 membros da turma de 1958.
De lá, partiu para Pensacola, na Flórida, para ser treinado como um piloto da Marinha. Fez uma temporada como instrutor de voo em Meridian, Mississippi, no McCain Field, aeroporto militar assim batizado em homenagem ao seu avô, local que viria a ser o "posto" de amadurecimento que o faria distinguir como piloto entre os demais.
Da guerra ao cativeiro
Dali à guerra do Vietname seria uma passo curto e a 26 de outubro de 1967, num ataque aéreo à capital inimiga, Hanói, mergulhou o seu A-4 numa usina termelétrica perto de um lago no centro da cidade. Assim que as bombas atingiram o alvo, um míssil russo do tamanho de um poste de telefone fez explodir a asa direita do avião onde seguia, facto que o obrigaria a ejetar-se. Com a força do arremesso ficou inconsciente, viria a ser capturado e feito prisioneiro de guerra num local a que os americanos apelidaram de "Hanói Hilton".
Assim começaram 5 anos e meio de tortura e prisão, quase metade deles em confinamento solitário.
Em março de 1973, quase dois meses depois dos acordos de paz de Paris terem sido assinados, o senador McCain e os outros prisioneiros foram libertados em quatro fases, pela ordem em que haviam sido capturados. Tinha 36 anos.
Os efeitos dos ferimentos permaneceram pelo resto da vida, pois jamais viria a erguer os braços o suficiente para pentear os cabelos prematuramente grisalhos. As condicionantes físicas foram determinantes para o abandono precoce da vida militar e um incremento para o ingresso nas lides políticas.
Nasceu um político
McCain reformou-se da Marinha no posto de capitão em 1981 e, já com o objetivo de concorrer ao Congresso, iria viver para o Arizona. A oportunidade constituiu uma realidade quando um congressista republicano de longa data, John Rhodes, anunciou o adeus à política. Nesse mesmo dia, os McCain compraram uma casa no distrito de Phoenix, em Rodes, e John teria a oportunidade que tanto desejava.
Ganhou as primárias por seis pontos e passou pela eleição geral. Quatro anos depois, em 1986, foi eleito para o Senado, substituindo Barry Goldwater, um dos mais influentes políticos conservadores do século XX.
Como senador pediu a retirada dos fuzileiros navais do Líbano em 1983, votou para anular o veto do presidente Reagan de sansões contra o regime do apartheid da África do Sul em 1986 e, surpreendentemente para muitos - como membro do Senado - trabalhou para normalizar as relações com o Vietname.
Nas três décadas em que representou o Arizona no Senado, tentou duas vezes a presidência, sem sucesso. Na primeira, em 2000, saiu para a rua a bordo do "Straight Talk Express" (expresso da conversa honesta), o nome que deu ao autocarro de campanha.
Perdeu a nomeação do Partido Republicano para George W. Bush. Em 2008, conseguiu a nomeação, mas perdeu para o democrata Barack Obama. Cometeu um "erro", assumiu, ao escolher uma figura controversa, Sarah Palin, para candidata a vice-presidente.
A sua última campanha, para a reeleição ao Senado, em 2016, foi travada já na "era" Trump. O multimilionário ganhou a presidência e McCain tornou-se uma voz crítica no Senado, acusando Trump de enfraquecer os EUA, atacando violentamente o Presidente pela sua posição sobre a Rússia e pelo distanciamento em relação à NATO.
Era um homem de convicções profundas e fez questão de o ser até ao fim: terá deixado explicito não querer a presença do Presidente americano nas suas cerimónias fúnebres.