"Desastre mundial." Maria Manuel Mota critica desinvestimento americano na ciência e deixa desafio à UE
“Há 30 anos que o discurso é o mesmo: sem ciência e inovação, não há economia nem futuro. Mas a ação concreta não acompanha o discurso”, lamenta cientista portuguesa
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A cientista portuguesa Maria Manuel Mota lamenta o desinvestimento dos Estados Unidos na ciência, considerando que representa “um desastre” a nível “mundial” que está deixar inúmeros cientistas sem perspetivas. No entanto, Maria Manuel Mota nota que se trata também de “uma oportunidade” rara para a Europa.
A investigadora, que atualmente exerce o papel de CEO do Gulbenkian Institute for Molecular Medicine (GIMM), desafia a União Europeia a aproveitar essa oportunidade e “assumir um papel de liderança” no conhecimento científico e na atração de talento global.
Em entrevista ao programa da TSF Fontes Europeias, Maria Manuel Mota traça um diagnóstico inquietante, considerando que “o que está a acontecer nos Estados Unidos é uma tristeza enorme. É uma tristeza para o mundo inteiro. É um desastre mundial”, sublinha.
Para a cientista, que se destacou internacionalmente pelo estudo da interação entre o parasita da malária e o fígado humano, a Europa deve posicionar-se para atrair esses investigadores, tendo em conta que “essas pessoas [virão] atrás de um sonho".
“Se o sonho terminou num lado, vêm atrás desse sonho no outro, e nós temos de ter esse sonho”, enfatiza, apontando para a necessidade de investimento do lado europeu e, principalmente, de uma mudança de mentalidade, para que a ciência seja vista como “um investimento” que beneficia a economia.
Para Maria Manuel Mota, o desafio da Europa não é apenas orçamental, havendo, no seu entender, a “falta de um ‘mindset’”, que resulta num desfasamento entre a retórica política em relação à ciência “e àquilo que se faz”.
“Habituámo-nos à ideia de que, na política, aquilo que se diz não é aquilo que se faz. O discurso é um, mas as ações são outras. E com a ciência é exatamente isso”, critica. “Há 30 anos que o discurso é o mesmo: sem ciência e inovação, não há economia nem futuro. Mas a ação concreta nunca acompanhou esse discurso”, lamenta.
Incerteza
Para a investigadora, o problema não reside apenas no subfinanciamento, mas também a sua imprevisibilidade com que as verbas para os programas são disponibilizadas.
“Nunca sabemos se o financiamento vem ou não vem. E isso é um problema, não sei se maior, mas é paralelamente grande ao subfinanciamento. É como tentar fazer omeletes sem ovos”, ironiza.
Portugal na cauda do investimento científico
Maria Manuel Mota sublinha que, apesar de a meta europeia de investir 3% do PIB em investigação e desenvolvimento estar definida desde 2002, Portugal continua abaixo da média: “Estamos nos 1,6%, 1,7%. Há países com 0,4%. E há outros, como a Bélgica, com dimensão semelhante à de Portugal, que já atingiram os 3%. Por que não haveríamos de atingir também?”, questiona.
Esses 3%, lembra, não são apenas fundos públicos e, “na verdade, são cerca de 1% público e 2% privado, que vai do filantrópico ao industrial. A filantropia pode vir de cada um de nós, de grandes instituições, da indústria. Precisamos que o investimento privado compreenda que a ciência está na base do crescimento económico”.
Ciência e Defesa
Questionada sobre o novo pacote de investimentos que Bruxelas está a preparar para relançar a competitividade industrial e a capacidade de defesa da União Europeia, Maria Manuel Mota alerta para a necessidade de não descurar a ciência em detrimento da segurança e da defesa.
“Se estamos a proteger, estamos a proteger o quê? Temos de proteger o futuro. E se estamos a proteger o futuro, então temos de pôr 3% para a investigação e desenvolvimento, porque senão estamos a proteger algo parado”, apela.