Nobel da Paz "premeia todos os ativistas pós-soviéticos", diz ONG russa vencedora
O diretor da ONG Memorial considerou "muito oportuno" que a data de entrega do prémio coincida com o 70.º aniversário do Presidente russo.
Corpo do artigo
O diretor da organização não-governamental (ONG) russa Memorial, Alexandr Cherkasov, afirmou hoje que a atribuição do Nobel da Paz 2022 à entidade premeia todos os ativistas e defensores dos direitos humanos no espaço pós-soviético.
O Comité Nobel Norueguês anunciou hoje que, além da Memorial, uma organização de defesa dos direitos humanos russa, também outra instituição do género, o Centro para as Liberdades Civis, da Ucrânia, e o ativista bielorrusso Ales Bialiatski foram distinguidos com o Prémio Nobel da Paz 2022.
"Este Nobel é para todos os que estão vivos, para os que já morreram, para os que estão na prisão e para todos os que foram assassinados. Os três [laureados] são organizações amigas", afirmou Cherkasov à agência noticiosa espanhola EFE, pouco depois de ter conhecimento do prémio.
Cherkasov, cuja organização foi extinta em dezembro passado pela justiça russa, destacou que os ativistas de direitos humanos em questão são "uma comunidade muito grande" que atua em todos os países da antiga União Soviética e também no leste europeu.
"Nem todos estão já connosco. Lembro-me de [jornalista do jornal russo Novaya Gazeta] Anna [Stepanovna] Politkovskaia, que também foi morta a 7 de outubro de 2006", exemplificou o diretor da ONG russa.
Além disso, Cherkasov considerou "muito oportuno" que a data de entrega do prémio coincida com o 70.º aniversário do Presidente russo, Vladimir Putin, a quem acusa de criar "uma ditadura de terceiro mundo".
"O comité que concede o Nobel dificilmente poderia dar os parabéns a Putin de outra maneira, mas a realidade é que é uma data muito oportuna", frisou.
Cherkasov também destacou a determinação de Ales Bialiatski, também premiado e que se encontra detido numa prisão bielorrussa, bem como o papel desempenhado pelo Centro para as Liberdades Civis, a principal organização ucraniana há quase uma década.
"Já estava na hora de receberem o Nobel [da Paz]", sublinhou Cherkasov.
Ales Bialiatski, 60 anos, atualmente preso na Bielorrússia, fundou a organização Viasna (Primavera) em 1996, para ajudar presos políticos e as suas famílias, na sequência da repressão do regime do Presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko, um reconhecido aliado de Putin.
Cherkasov, diretor daquela que foi a principal organização de direitos humanos da Rússia, realçou que o prémio "inspira os ativistas a continuar a trabalhar".
Ao mesmo tempo, considerou "absurdo" que os membros da Memorial não consigam perceber se o Nobel da Paz é concedido ao Centro de Direitos Humanos ou àquele dedicado à reabilitação das represálias soviéticas.
Ambas as organizações, que estão sob o "guarda-chuva" da Memorial, foram ilegalizadas e extintas no final de 2021, uma decisão fortemente criticada no Ocidente.
Na ocasião, Cherkasov acusou Putin de "tentar apagar a memória" tanto da repressão cometida durante a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), "especialmente a estalinista", como a que comete durante o mandato como Presidente desde 2000.
"As [atuais] autoridades russas só querem herdar glórias passadas e fazer a mesma coisa com a investigação de crimes [de Estado] como fizeram na Argentina: 'ponto final. Chega!'", frisou Cherkasov.
A ONG russa Memorial foi criada em 1987 para investigar e registar crimes cometidos pelo regime soviético, mas tem também denunciado inúmeras violações de direitos humanos na Rússia.
Por seu lado, o Centro de Liberdades Civis surgiu em Kiev, em 2007, para fazer avançar os direitos humanos e a democracia na Ucrânia.
Os laureados deste ano são provenientes de três países em foco devido à guerra na Ucrânia, iniciada pela Rússia em 24 de fevereiro deste ano, com o apoio da Bielorrússia, um país aliado de Moscovo.
Ao anunciar o prémio, a presidente do Comité Nobel norueguês, Berit Reiss-Andersen, disse que os laureados representam a sociedade civil nos três países.
"Há muitos anos que promovem o direito de criticar o poder e proteger os direitos fundamentais dos cidadãos. Têm feito um esforço notável para documentar crimes de guerra, abusos dos direitos humanos e abuso de poder", disse.
"Juntos, demonstram o significado da sociedade civil para a paz e a democracia", acrescentou Reiss-Andersen.
Em 2021, o Nobel da Paz foi atribuído aos jornalistas Maria Ressa, das Filipinas, e Dmitry Muratov, da Rússia, pela defesa da liberdade de imprensa e de expressão.