Nas eleições intercalares da próxima terça-feira está tudo em jogo para o Presidente norte-americano. Se os republicanos perderem a maioria no Congresso para os democratas, Trump terá certamente a vida dificultada nos últimos dois anos de mandato.
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Um ato eleitoral que acaba por funcionar como uma espécie de referendo a Donald Trump e uma antecâmara das eleições presidenciais de 2020. As intercalares americanas da próxima terça-feira vão definir o controlo do poder legislativo e a relação de forças com a Casa Branca.
O que são as eleições intercalares?
São eleições que acontecem a cada 4 anos para escolher os membros do Congresso, o órgão legislativo do Governo norte-americano. O Congresso é composto por duas câmaras: a câmara alta, ou Senado, e a câmara baixa, ou Câmara dos Representantes.
Desde que foi fundado, o Congresso tem uma ampla maioria de membros filiados aos partidos Republicano e Democrata e, numa escala muito menor, outras filiações partidárias e independentes.
Entre as competências do Congresso estão, por exemplo, a criação de leis, regulação do comércio interestadual e internacional, criação de impostos, estabelecimento de cortes federais inferiores ao Supremo Tribunal, manutenção das forças armadas e possibilidade de declarar guerra.
Nas eleições intercalares são eleitos os membros da Câmara dos Representantes, vários senadores, governadores e representantes estaduais e chamam-se eleições intercalares porque acontecem precisamente a meio do mandato do Presidente, que é eleito a cada 4 anos.
O que está em causa?
No Congresso estão duas coisas em causa: em primeiro lugar, os 435 assentos da Câmara dos Representantes para um mandato de 2 anos (são precisos 218 lugares para garantir maioria); em segundo lugar, este ano vão a votos 33 dos 100 lugares do Senado, para um mandato de 6 anos (são precisos 51 assentos para garantir maioria).
Além do Congresso há ainda eleições para o cargo de governador em 36 dos 50 estados norte-americanos e para inúmeras assembleias estaduais, num total de 6.665 cargos públicos.
Qual é a situação atual no Congresso?
Há 4 anos os republicanos conquistaram a maioria do Senado pela primeira vez desde 2006 (51 lugares) e aumentaram a maioria na Câmara dos Representantes (235 lugares), o que acabou por dificultar a vida a Barack Obama no final do mandato.
Por isso, a prioridade nos republicanos é naturalmente manter a maioria no Congresso. Já os democratas precisam de conquistar 23 lugares na Câmara dos Representantes para pôr fim à maioria republicana.
Quais são os trunfos de cada partido?
Na prática, os temas da campanha não mudaram muito desde as eleições presidenciais de 2016 que deram a vitória a Donald Trump. Os republicanos continuam concentrados na baixa de impostos e a apostar no protecionismo: a defesa das fronteiras, o combate à imigração ilegal, as deportações e a luta contra o crime violento.
A questão da segurança continua também a ser a grande bandeira do Presidente que tem proferido vários discursos centrados nas questões raciais e no perigo da imigração. Exemplos? A ameaça de uma ordem executiva para acabar com o direito à cidadania das crianças nascidas nos Estados Unidos, mas cujos pais não são norte-americanos; e a ordem para que o exército na fronteira com o México abra fogo se for apedrejado pelos imigrantes.
Recentemente Donald Trump admitiu que espera atrair mais votos, sobretudo de mulheres, devido a estas medidas de segurança, de forma a manter a maioria republicana no Congresso.
Por outro lado, os democratas acusam Donald Trump de alimentar uma estratégia de medo, de incitar à violência e tentar desviar a atenção de ataques extremistas como o recente caso do republicano Cesar Sayoc, que enviou cartas armadilhadas a várias personalidades democratas.
Em termos políticos os democratas têm concentrado a campanha no acesso aos cuidados de saúde, na descida do preço dos medicamentos, na educação, no controlo de armas, no custo de infraestruturas e em mudanças nas leis de campanha e ética, para exigir mais transparência e o restabelecimento de medidas de execução à Lei dos Direitos de Voto.
Candidatos para todos os gostos
Com tantos lugares para preencher no Senado, na Câmara dos Representantes e nos governos de vários estados norte-americanos há candidatos democratas, republicanos, independentes e de outros partidos para todos os gostos. Esta é de longe a eleição mais diversificada da história norte-americana e os números explicam porquê.
Para começar entre os candidatos há quase 270 mulheres a votos, o que é considerado um número histórico na corrida ao Congresso. Na prática, mais mulheres no poder significa que a agenda legislativa da América pode estar prestes a mudar.
A imprensa norte-americana refere que a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2016 motivou a maior participação de mulheres nas eleições intercalares deste ano, e que a derrota de Hillary Clinton criou um sentimento de frustração que encorajou muitas candidatas. Por outro lado, desde 2016 o ativismo das mulheres nos Estados Unidos tem vindo a crescer: a Marcha das Mulheres, que levou milhões para as ruas em janeiro do ano passado, e o movimento #MeToo, sobre denúncias de abuso sexual, são apenas alguns exemplos.
A diversidade sexual também é notícia com 26 candidatos homossexuais, bissexuais ou transgénero. Quanto à herança cultural há candidatos de várias latitudes como afroamericanos, hispânicos e asiáticos.
Se forem eleitos estes candidatos podem fazer história: a Geórgia, por exemplo, pode vir a ter a primeira mulher negra como governadora (Stacey Abrams), o Michigan e o Minnesota podem vir a ser representados por duas muçulmanas no Congresso (Rashida Tlaib e Ilhan Omar), e do Vermont chega aquela que poderá ser a primeira governadora transgénero do país (Christine Hallquist).
Sejam quais forem os resultados, os especialistas acreditam que esta diversidade é um espelho das minorias que pode lentamente ajudar a mudar a imagem do típico político americano.
Os cenários prováveis
Se os republicanos mantiverem a maioria no Congresso será ouro sobre azul para Donald Trump. O Presidente sairá reforçado com o resultado das eleições intercalares e sentir-se-á legitimado pelas medidas que tem vindo a tomar. As previsões apontam para que continue o ataque ao Obamacare, insista no financiamento do muro na fronteira com o México e estabeleça uma nova descida de impostos. Além disto, um Senado controlado pelo Partido Republicano continuaria a permitir aprovar juízes mais conservadores para o Supremo Tribunal.
Se os democratas alcançarem a maioria no Congresso seria um pesadelo para o Presidente. As previsões apontam para dificuldades na aprovação de projetos de lei e ratificação de tratados, aumento de comités de investigação e supervisão ao poder executivo da administração Trump (na mira estão casos polémicos, como a alegada ingerência russa nas eleições de 2016 e escândalos sexuais que envolvem o presidente) e até para a hipótese de o Presidente ser alvo de um processo de destituição por parte da Câmara dos Representantes (por traição, corrupção ou outros crimes como desvios de conduta), embora tenha sempre de haver maioria favorável no Senado. Com um Senado democrata, Donald Trump estaria também mais limitado nas escolhas judiciais para o Supremo Tribunal.
Se os democratas ganharem a Câmara dos Representantes e os republicanos o Senado, haverá uma relação de forças mais equilibrada a nível legislativo. As sondagens apontam precisamente para este cenário, tendo em conta um previsível aumento de democratas na Câmara dos Representantes. Neste caso, ambos os partidos terão interesse em cooperar para alcançar consenso e acordos políticos.
Fantasma da abstenção
A história já demonstrou que a taxa de participação é sempre maior nas eleições presidenciais e que a abstenção é o maior fantasma das intercalares. As últimas eleições intercalares, em 2014, foram a prova disso mesmo: apenas 36% dos norte-americanos foram às urnas e a taxa de abstenção foi a maior dos últimos 70 anos. Nova Iorque e Nova Jérsia, por exemplo, foram 2 dos estados com menor participação eleitoral.
Ainda assim, as últimas sondagens apontam para uma taxa de abstenção mais reduzida este ano, tendo em conta os recentes números do voto antecipado registados até ao momento em todo o país.
*A TSF nas Eleições Intercalares dos EUA com o apoio da FLAD - Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento.