As informações foram obtidas pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, uma rede global com sede em Washington, e verificadas por especialistas independentes.
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Documentos internos do Partido Comunista Chinês difundidos esta segunda-feira por um consórcio de jornalistas de investigação revelam os esforços para assimilar minorias étnicas chinesas de origem muçulmana em campos de doutrinação no extremo noroeste da China.
Os detalhes sobre o funcionamento interno dos campos, onde um milhão de membros das minorias étnicas uigur e cazaque são mantidos em detenções extrajudiciais, constam em documentos "secretos" e que servem como manual de operações para a burocracia da região de Xinjiang.
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Predominantemente muçulmanos, os uigures e os cazaques são etnicamente distintos do grupo étnico maioritário do país, os chineses han, que constituem já a maioria da população em Xinjiang, região chinesa que faz fronteira com o Afeganistão e Paquistão.
As informações foram obtidas pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, uma rede global com sede em Washington, e verificadas por especialistas independentes, incluindo ainda detalhes sobre o uso de inteligência artificial pelo Governo chinês nas práticas de policiamento, com algoritmos utilizados para estipular quem deve ser detido.
Para além de usar tecnologias de reconhecimento facial ou linguagem corporal, o Governo chinês começou recentemente a implementar sistemas de "reconhecimento de emoções", que usam imagens de vídeo para analisar o que as autoridades locais descrevem como o "estado mental" das pessoas.
Os documentos confirmam que estamos perante genocídio cultural.
A polícia em Xinjiang está também a recorrer a um programa de coleta de dados que é instalado nos telemóveis dos cidadãos comuns. Com base nos dados coletados por tecnologias de vigilância em massa, os computadores emitiram os nomes de dezenas de milhares de pessoas para interrogatório ou detenção, no espaço de uma semana, segundo os documentos.
O Governo chinês, que inicialmente negou a existência destes campos, afirmou, entretanto, tratar-se de centros de formação vocacional que visam integrar os uigures na sociedade e erradicar o "extremismo" da região. O Conselho de Estado da China disse, no início deste ano, que prendeu quase 13 mil "terroristas", como parte desses esforços.
Na primeira reação oficial, o embaixador chinês em Londres defendeu os resultados das medidas adotadas por Pequim: "Desde que foram tomadas, não houve nenhum incidente terrorista'."
Isto mostra que realmente, desde o início, o Governo chinês tinha um plano.
"Xinjiang tornou-se muito mais seguro... Os chamados documentos divulgados são uma fabricação e notícias falsas'', afirmou em comunicado.
Os documentos, que foram entregues ao Consórcio por uma fonte anónima, incluem instruções aos funcionários dos campos sobre como manter sigilo e evitar fugas nas instalações e revelam métodos de doutrinação forçada, incluindo um sistema de pontos destinado a moldar comportamentos, através de punições e recompensas.
Os presos podem ser detidos indefinidamente, mas devem cumprir pelo menos um ano, período durante o qual obtêm créditos por coisas como "transformação ideológica" e "conformidade com a disciplina".
"Os documentos confirmam que estamos perante genocídio cultural'', defendeu Adrian Zenz, especialista em segurança na região de Xinjiang, citado pela agência Associated Press. "Isto mostra que realmente, desde o início, o Governo chinês tinha um plano", aponta.
Zenz disse que os documentos ecoam o objetivo dos campos, estipulados num relatório de 2017, produzido por um ramo local do ministério chinês da Justiça: "lavar cérebros, limpar corações, encorajar o certo e remover o errado".
Após os ataques de 11 de setembro nos Estados Unidos, as autoridades chinesas começaram a justificar duras medidas de segurança e restrições religiosas como necessárias para combater o terrorismo, argumentando que os jovens uigures eram suscetíveis à influência do extremismo islâmico.
Em 2009, a capital de Xinjiang, Urumqi, foi palco dos mais violentos conflitos étnicos registados nas últimas décadas na China, entre os uigures e os han, predominantes em cargos de poder político e empresarial regional.
Em 2014, o Presidente chinês, Xi Jinping, lançou o que designou de "Guerra Popular ao Terror", depois de bombas colocadas por militantes uigures explodirem numa estação de comboios em Urumqi, poucas horas depois de ele concluir uma visita à região.
A repressão intensificou-se a partir de 2016, quando o secretário do Partido Comunista Chinês (PCC), Chen Quanguo, foi transferido para a região, após vários anos no Tibete, outra região chinesa vulnerável ao separatismo.
A maioria dos documentos foi emitida em 2017, quando a "Guerra ao Terror" em Xinjiang se transformou numa extraordinária campanha de detenção em massa recorrendo a tecnologia militar.
O Governo chinês enfrenta crescente condenação internacional devido ao tratamento dos uigures e outros grupos minoritários, mas o Governo dos Estados Unidos tem sido especialmente crítico, numa altura de renovadas tensões entre Pequim e Washington. No mês passado, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, acusou a China de realizar uma campanha "altamente repressiva" contra os uigures e outros grupos minoritários muçulmanos, e revelou que o Governo de Donald Trump vai impor restrições na emissão de vistos às autoridades do Governo chinês ligadas às detenções em massa.
Pompeo apelou ainda aos países que rejeitem os pedidos do Governo chinês para repatriar pessoas de Xinjiang.