Dos pró-Bolsonaro na Paulista ao samba pela democracia. Um dia na campanha do Brasil
Um país dividido, a poucos dias da segunda volta das presidenciais. A metrópole de São Paulo mostra a fratura que as eleições estão a abrir no Brasil.
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De bicicleta, de trotinete, skate ou patins. A andar, a passear ou a correr.
Ao domingo as pessoas ocupam o lugar dos carros na Avenida Paulista. E há música. Música em todos os lados.
Há vendedores ambulantes com cerveja, sumos e águas; outros com chocolates ou pipocas e ainda quem venda t-shirts. Camisas, como se diz aqui, do Brasil, ou pretas, com uma figura estilizada de Jair e um escrito branco: Bolsonaro Presidente.
Há pessoas a distribuir autocolantes de apoio ao candidato do PSL, o Partido Social Liberal, com o número 17, o dele, e há vários camiões, grandes, a começarem a posicionar-se na avenida.
Há quem não goste disso. "Domingo é dia do povo aqui na Paulista, e nessa rua aqui é de criança e cachorro..."
Ana Mascaro, professora reformada, veio, como sempre, passear com o cão para a rua Pamplona, uma transversal à Avenida Paulista. E foi lá que ficou estacionado um dos camiões, um trio elétrico, de apoio a Bolsonaro, tapando boa parte da entrada. Incomodando-a logo a ela, que está tão desiludida com a política.
"O Brasil virou um circo e nós os palhaços desse círculo. Já se sabe o que vai acontecer, porque esse briga na internet, famílias brigando por causa de Bolsonaro, por causa de Haddad... quem entrar vai ser a mesma merda", atira a brasileira.
O incómodo de Ana encontra eco uns metros à frente, num dos passeios da Paulista. Karine está sentada num banco, atrás da mesa onde expõe o artesanato que faz. E insatisfeita.
"Eu não voto em nenhum dos dois. Para mim, tanto Haddad como Bolsonaro não prestam. Todos nós brasileiros sabemos que os dois não valem nada."
Imo Rodrigues não concorda. Ou apenas em parte, numa parte: a relativa a Fernando Haddad. Este bombeiro civil saiu de casa para mostrar o apoio a Bolsonaro com um... cavalo de Tróia.
"Se o Haddad entrar na Presidência o que é que vai acontecer? Todos os apaniguados dele vão entrar também. Se você quer tirar esse pessoal de lá, não põe esse cara porque ele está a simbolizar o cavalo de Tróia. Se ele entrar na Presidência a cambada dele vai toda junto."
Imo dirige-se para um dos maiores, e que se há de provar dos mais concorridos durante a tarde, trios elétricos, onde o ambiente vai aquecendo.
O mote estava dado. O trio é dos movimentos #nasruas e #brasilacimadetudo. Hão de pegar naquele microfone apoiantes de Jair Bolsonaro, pastores, que o apoio evangélico ao candidato do PSL é forte, e alguns políticos de São Paulo, recentemente eleitos.
Vai, por exemplo, apelar-se ao voto das mulheres, que as declarações de Bolsonaro levam a considerar que ele menospreza, mas que a campanha valoriza.
Um "pouquinho" depois cantou-se o hino do Brasil. Milhares de vozes, que pintaram a Avenida Paulista de verde e amarelo. E algum preto.
A 13 minutos dali de táxi, no centro de São Paulo, no Largo do Paissandu, em frente a uma igreja, a música é outra.
Vários grupos juntaram-se numa roda de samba, que dificilmente terá conseguido ter mais de 1500 pessoas.
Deram-lhe o nome "Samba pela Democracia". Afinal, salienta Railidia Carvalho, é isso mesmo que está em causa, a democracia.
"O Brasil vive um momento hoje... é como se retrocedessemos para o início dos anos 80 quando brigávamos pela democratização do país. Na verdade estamos a retroceder aos anos 60, às vésperas de quando houve um golpe militar no país e acabaram-se as liberdades. Essa iniciativa dos sambistas é uma maneira de protestarmos contra um candidato à Presidência da República que defende a tortura, que é contra as minorias, contra as medidas públicas que atendem a população brasileira e que foram grandes conquistas que o brasileiro teve nos últimos anos."
O momento alto, a maior agitação de gente e telemóveis a fotografar e filmar, foi quando chegou ao Largo Paissandu Eduardo Suplicy. Fundador do PT, senador durante 24 anos, o economista perdeu a eleição para o Senado, nestas eleições, no primeiro turno, a primeira volta. À TSF, confessou que foi uma surpresa essa derrota.
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E mostrou-se otimista quanto a uma possível reviravolta e vitória de Fernando Haddad, com o apoio de toda a esquerda. "Eu esperava ter sido eleito, mas eu não desisti da luta, a luta continua pelos ideais que nós defendemos", garantiu.
"Estamos a aguardar que possamos dar uma grande virada nos próximos sete dias e no dia 28 de outubro elegermos, ainda que seja bastante difícil, Fernando Haddad para a Presidência da República", conclui Eduardo Suplicy, ainda com esperança no PT, mesmo quando todas as sondagens apontam para uma vitória de Jair Bolsonaro.
Minutos antes de falar para a rádio, Eduardo Suplicy entrou para a roda de samba, chamado pela organização, e cantou.