Durão Barroso lembra Jacques Delors como "o principal arquiteto da construção europeia"
"Era um homem que combinava uma grande inteligência, com uma grande determinação", disse Durão Barroso à TSF.
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Durão Barroso recorda o antigo presidente da Comissão Europeia Jacques Delors como "o principal arquiteto da construção europeia" durante as décadas de 1980 e 1990, realçando o poder de negociação e o que aprendeu com o político francês.
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"Para além da geração que criou a Comunidade Europeia nos anos 1950, a geração do Jean Monnet, Alcide de Gasperi e Konrad Adenauer. Depois, nos anos 1980 e 1990, Jacques Delors aparece talvez como o principal arquiteto da construção europeia, nomeadamente através do aprofundamento do chamado mercado único. Era um homem que combinava uma grande inteligência, com uma grande determinação. Acreditava na Europa dos pequenos passos, mas sempre inspirado por uma visão mais elevada, uma visão de uma Europa mais justa, mais próspera, mas também mais forte. Usava muito a expressão "a alma europeia". Ele dizia que as pessoas não ficam apaixonadas por um mercado único ou por um mercado interno, era necessário completar o mercado interno com uma ideia mais transcendente sobre aquilo que nos une", disse à TSF o antigo primeiro-ministro português e antigo presidente da Comissão Europeia.
Durão Barroso foi também ministro dos Negócios Estrangeiros quando Delors presidia à Comissão Europeia: "Era uma relação muito interessante, porque coube-me a mim, representante de Portugal, momentos muito importantes de negociação, por exemplo, as perspetivas financeiras, o orçamento comunitário. E Jacques Delors era o Presidente da Comissão Europeia, mas negociava connosco, os Ministros dos Negócios Estrangeiros. Era um trabalho extensíssimo, muitas vezes durava até depois das 04h00 entre os Ministros - na altura éramos 12, apenas - e ele era um negociador muitíssimo duro, muitíssimo inteligente, mas tinha de facto uma sensibilidade para os novos estados-membros, nomeadamente a Portugal."
"Ele gostava de Portugal. Por exemplo, foi com ele que conseguimos aquela dotação especial para a transição da indústria têxtil, quando foi uma liberalização do comércio internacional e coube-me a mim e eu também fui um bocado duro do meu lado. Aliás, ele regista nas suas memórias que foi Portugal o último país a dar o acordo à liberalização do comércio internacional da União Europeia. Mas era um homem que apoiava Portugal, aliás, foi uma decisão do Governo, então de Professor Cavaco Silva, de inaugurarmos aqui em Lisboa um centro de informação Jacques Delors, com seu nome, o que é, de facto, uma prova de gratidão", assegura Durão Barroso.
O português também ocupou o cargo de presidente da Comissão Europeia anos mais tarde e garante que seguiu alguns dos seus ensinamentos.
"Eu aprendi muito com ele. Ele tinha uma coisa muito interessante, que era alguns truques de negociação. Por exemplo, nas perspetivas financeiras, foi com ele que eu aprendi o seguinte: ele punha os governos perante uma situação, mas depois escondia - porque a Comissão Europeia é que detém, do ponto de vista técnico, mais elementos da informação - que tinha uma reserva financeira e quando não havia acordo, porque o dinheiro não dava para tudo, ele aparecia na parte final, ia buscar aquilo a que chamava uma gaveta, onde ele tinha os presentes para dar àqueles que estavam mais descontentes e assim se conseguia quase como milagrosamente um consenso. Depois fiz o mesmo da Comissão Europeia muitos anos depois. Talvez fosse mais difícil, mas o método ao fim e ao cabo é o mesmo. Portanto, Jacques Delors era um homem inteligente, mas também tinha aquela esperteza da negociação muito à flor da pele. Era, de facto, um grande negociador, mas ao serviço do ideal. Era pragmático no método, mas era visionário na sua ambição", explica.
O antigo presidente da Comissão Europeia Jacques Delors morreu esta quarta-feira aos 98 anos.
A morte do político francês foi confirmada pela filha, Martine Aubry, à AFP: "[Jacques Delors] Morreu esta quarta-feira de manhã, na sua casa de Paris, durante o sono."