"É a nossa terra e vamos ficar lá." Apesar da "destruição", libaneses regressam a casa após trégua
A trégua de 60 dias entrou em vigor às 02h00 em Lisboa, após mais de um ano de combates entre o grupo xiita pró-iranino e Israel
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Dezenas de milhares de libaneses iniciaram esta quarta-feira o regresso a casa com a entrada em vigor da trégua entre o Hezbollah e Israel, que pôs fim a dois meses de guerra no sul do país.
Os residentes deslocados do sul do Líbano, dos subúrbios a sul de Beirute e Bekaa (leste), bastiões do Hezbollah, tomaram imediatamente o caminho de casa, segundo a agência francesa AFP.
Apoiantes do Hezbollah exibindo a bandeira amarela do partido ou retratos do ex-líder Hassan Nasrallah, morto por Israel no final de setembro, atravessaram os subúrbios a sul de Beirute ao som de tiros comemorativos.
"Estamos a regressar a este subúrbio heróico", que "venceu, estamos orgulhosos', disse Nizam Hamadé, um engenheiro.
Cenas semelhantes repetiram-se logo de manhã em algumas rotundas de Dahye, no sul de Beirute, cujas estradas voltaram a estar repletas de veículos.
Uns transportavam colchões amarrados ao telhado, sinal do regresso dos deslocados, e outros circulavam em pequenas caravanas, tocando música e celebrando vivas, de acordo com o relato da agência espanhola EFE.
Ao regressar à sua aldeia de Zebqine, no sul, Hawraa Beizh, uma professora universitária, descobriu uma "enorme destruição", mas disse que estava decidida a instalar-se na casa da família.
"Porque é a nossa terra e vamos ficar lá", justificou à AFP.
A trégua de 60 dias entrou em vigor às 04h00 desta quarta-feira locais (02h00 em Lisboa), após mais de um ano de combates entre o grupo xiita pró-iranino e Israel.
Segundo as autoridades libanesas, mais de 3800 pessoas foram mortas no Líbano desde outubro de 2023, a maioria desde o final de setembro.
Do lado israelita, morreram 82 soldados e 47 civis em 13 meses, de acordo com as autoridades.
Apesar da trégua, o exército israelita alertou os residentes para não se aproximarem das posições onde permanece destacado ou das localidades das quais ordenou a evacuação.
O acordo prevê uma retirada gradual do Hezbollah e das tropas israelitas e o destacamento de dez mil efetivos das forças armadas libanesas ao longo da fronteira do sul do Líbano com o norte de Israel.
O Hezbollah abriu uma frente de apoio ao Hamas contra Israel no início da guerra em Gaza, desencadeada em 7 de outubro de 2023 pelo ataque sem precedentes do grupo extremista palestiniano em solo israelita.
Após meses de tiroteios transfronteiriços, Israel lançou uma campanha de bombardeamentos maciços contra o Hezbollah em 23 de setembro, a que se seguiu uma invasão terrestre do sul do Líbano. O diretor-geral dos Médicos Sem Fronteiras Portugal, João Antunes, descreveu esta situação, em declarações à TSF, como "preocupante" e "caótica", "após ver aquilo que aconteceu em Gaza e que se poderá repetir no Líbano".
A trégua iniciada esta quarta-feira trouxe alívio ao país mediterrânico, embora muitos se questionassem se o acordo será cumprido.
Entre os libaneses que esperam regressar a casa estão milhares que fugiram da guerra para a vizinha Síria.
Famílias com pertences embalados à pressa atravessaram esta quarta-feira, sob fortes chuvas, da Síria para o leste do Líbano, segundo a agência norte-americana AP.
A estrada, fortemente danificada pelos ataques aéreos israelitas, estava em reparação.
Mariam Mawla, de Bazouria, no sul do Líbano, estava entusiasmada por regressar a casa após dois meses na capital síria, Damasco.
Enquanto esperava no trânsito, disse à AP que esperava encontrar a casa intacta.
"Ouvi dizer que pode haver alguns danos, mas, independentemente do que aconteça, agradecemos a Deus por estarmos a regressar a casa", afirmou.
O cessar-fogo marca o primeiro grande passo para pôr fim à agitação regional desencadeada pelo ataque do Hamas a Israel, que causou cerca de 1.200 mortos e duas centenas de reféns, segundo as autoridades israelitas.
No entanto, não se aplica à guerra em Gaza, onde a ofensiva israelita provocou a morte a quase 44.300 pessoas desde outubro de 2023, segundo dados do Ministério da Saúde do Hamas, considerados fiáveis pela ONU.