"É inimaginável." Ex-comissário Carlos Moedas alerta para "ódio" da Administração Trump contra a Europa
Moedas apoia mutualização de dívida europeia para financiar a Defesa sem sacrificar políticas públicas, como “a coesão e o investimento nas cidades”
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O antigo comissário europeu da Investigação, Ciência e Inovação Carlos Moedas traça um duro retrato da atuação da Administração norte-americana, acusando Donald Trump de promover uma política que “odeia a Europa”.
Em entrevista ao programa da TSF Fontes Europeias, Moedas considerou “inimaginável” a trajetória política dos Estados Unidos sob a liderança de Trump, alertando que “muitas pessoas que votaram em Trump vão ser prejudicadas pelo próprio Trump”, tanto a nível económico como social.
“A inflação vai fazer com que tudo seja mais caro, tanto nos Estados Unidos como na Europa, vai ser realmente terrível para o mundo”, lamentou Carlos Moedas, criticando o populismo por apresentar “soluções rápidas e digitalmente comunicáveis, mas com efeitos dramáticos para a economia”.
Oportunidade
O antigo comissário frisa que a instabilidade política americana está a abrir uma “grande oportunidade” para a Europa, no sentido de uma recuperação de protagonismo global ao nível da ciência e inovação, agora que os EUA desinvestem nos programas científicos.
“Não conheço nenhum cientista, não conheço nenhum inovador que não queira vir para a Europa neste momento”, afirmou, referindo o exemplo de empresas tecnológicas que transferiram operações dos Estados Unidos para cidades como Lisboa. “Nós temos uma oportunidade de atrair talento”, disse, recordando a criação do Conselho Europeu da Inovação como ferramenta para captar investigadores e empreendedores.
Defesa
A propósito do futuro da defesa europeia, Carlos Moedas apoia um aumento do investimento, desde que se comprometam as prioridades sociais. Nesse sentido, sugere que se aposte na emissão de dívida europeia conjunta. “Precisamos de investimento em defesa”, sublinhou Moedas, reconhecendo, num tom crítico, que durante décadas a Europa “subcontratou a prosperidade à China, a energia à Rússia e a defesa aos Estados Unidos”.
“Essa época acabou (...) e estamos a viver num novo paradigma”, alertou Carlos Moedas, apontando para uma era em que os EUA já não podem ser vistos como “um amigo”.
“O que vemos hoje é uma administração americana que odeia a Europa, odeia a própria noção do que é a União Europeia. Temos que ser assertivos e voltar a conseguir defender-nos”, sublinhou. Porém, acredita que será possível alcançar um elevado nível de investimento em Defesa, sem sacrificar políticas públicas como “a coesão e o investimento nas cidades”.
De acordo com o presidente da Câmara de Lisboa, a solução passa pela mutualização da dívida europeia. “Temos de ter uma mutualização de dívida em que todos somos responsáveis por essa dívida.” Moedas considera que a União Europeia deve poder financiar-se diretamente nos mercados, como ocorreu durante a pandemia de Covid-19. “Vamos ter de continuar a fazê-lo porque temos que unir-nos”, concluiu, considerando que há hoje mais condições políticas para esse caminho.
Coesão
O autarca de Lisboa considera que a fragmentação política nos Estados-membros torna as autarquias o “porto de abrigo da política”, defendendo uma relação mais direta entre a União Europeia e as cidades como forma de ultrapassar os problemas ligados a essa fragmentação e assegurar uma melhor execução dos projetos.
“As cidades são quem executa os projetos. O dinheiro deve chegar-lhes diretamente, sem triangulações com instituições nacionais que funcionam apenas como intermediários”, frisou.
Moedas apontou que na recente vista a Bruxelas procurou “sensibilizar os comissários europeus” para a necessidade de financiamento comunitário da obra de construção de túneis de drenagem em Lisboa, esperando assim que “mais de 50 ou 60 milhões de euros que possam ser libertados para investir noutras áreas sociais”.