No dia da cimeira ibero-americana em Andorra, o secretário-geral da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) admite que a pandemia faz a economia recuar dez anos e os níveis de pobreza 15.
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Mariano Jabonero congratula-se pelo facto de a cimeira ibero-americana se estar a realizar, tendo em conta "as circunstâncias que ocorreram com a pandemia. É a primeira cimeira que vai ser praticamente virtual. Mas, acima de tudo, o que esperamos é que as cimeiras continuem". E garante que isso vai acontecer. O Secretário-Geral da OEI destaca o tema escolhido para a cimeira, essencialmente virtual mas onde estão, presencialmente, o chefe de Estado e o primeiro-ministro de Portugal, "o lema da inovação em torno da sustentabilidade" num espaço político pluricontinental, cuja maior prioridade "é enfrentar com medidas comuns o pós-pandemia". Jabonero relaciona as duas dimensões e não considera que seja extemporâneo estarem os países ibero-americanos a tratar da questão da inovação com sustentabilidade quando se confrontam, ainda, com questões sanitárias urgentes e graves, por exemplo, no caso do Brasil.
"O maior esforço que foi feito em face da pandemia foi a inovação, foi a pesquisa. É um sucesso absoluto que já temos uma vacina ou vacinas diferentes em tão pouco tempo. Acredito que as respostas às crises passam pela inovação, pela pesquisa". Passa precisamente por aí a capacidade que os países têm de "conter as crises de toda a espécie, no caso da saúde, do tipo agrícola, do meio ambiente, qualquer uma delas. A inovação é o fator que lida com o conflito com mais êxito", afirma este licenciado em Filosofia e em Ciências da Educação pela Universidade Complutense de Madrid.
Funcionário do ministério da educação espanhol durante longos anos, orgulha-se das estratégias desenvolvidas pela OEI para tentar mitigar os efeitos da pandemia no espaço ibero-americano: "o que fizemos, basicamente, foram duas ou três estratégias. A primeira delas era produzir conteúdo educacional, digital e audiovisual e bolsas para professores, para que quem interrompesse as aulas presenciais pudesse ter um acompanhamento por meio da educação a distância. E aí foi um grande esforço conjunto dos 23 governos da região e conseguimos ao menos amenizar os efeitos da pandemia. O segundo esforço foi no sentido de acompanhar as investigações que estavam a ser realizadas na região em torno da pandemia". Foi feita uma monitorização país a país, "mostrando que todos os países se mobilizaram no combate à pandemia. Fazendo pesquisas de tipo sanitário, epidemiológico, de melhor tratamento do atendimento. E acho que foi um grande esforço". E, em terceiro lugar, em alguns países, especialmente nos casos do Paraguai e da Argentina, "temos trabalhado em conjunto com os governos para amenizar os efeitos da pandemia, fornecendo inputs para que o sistema de saúde pudesse atender os pacientes o mais rápido possível e da melhor maneira possível".
Mas Jabonero não nega os efeitos devastadores da pandemia, que faz recuar significativamente este espaço geográfico e político: "são os efeitos mais graves num século. O declínio em termos da economia dos países da região, o nível do PIB retrocedeu dez anos, é uma década perdida em termos de impacto da pobreza. Regressámos ao patamar de pobreza de há quinze anos". É todo um trajeto de conquistas sociais que a pandemia veio colocar em causa: "o que ganhámos com muito esforço nos últimos anos perdeu-se, em termos de trabalho. 57 por cento dos trabalhadores da região serão hoje trabalhadores informais, um trabalho precário, um trabalho que, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), é um trabalho não decente, com rendimento mínimo e sem proteção social".
No caso da educação, a região "tem sido a que mais faltou às aulas no mundo. É um fato muito preocupante porque tanta perda de dias de atividade de aula tem um impacto negativo na aprendizagem dos alunos". A OEI fez um estudo que estima que, no mínimo, "a perda de aprendizagem seria cerca de 15 por cento de toda a aprendizagem desejável. O atraso escolar é um efeito grave porque pode ter repercussões no futuro desses meninos e meninas. É um futuro em que haverá crianças com menos habilitações, com menos formação devido aos efeitos da pandemia". Jabonero confessa estar muito preocupado com estes dados.
Mas há outros, no caso da cultura. Mariano Jabonero antecipa na TSF o resultado de um estudo, em conjunto com a UNESCO e com o BID, com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, que vai ser divulgado em breve e que aponta para "três milhões de empregos perdidos na área da cultura no espaço ibero-americano. Estamos a falar de cerca de três milhões de empregos perdidos nas indústrias culturais, museus, cinemas ou exposições, teatros".
Jabonero está confiante em relação futuro, acreditando que a Ibero-América vai recuperar da crise: "é evidentemente recuperável pois fazemos uma opção muito mais forte para o mundo digital. A tecnologia e a digitalização podem acelerar muito mais a recuperação. Não devemos é voltar ao passado. A inércia do passado é ineficiente. Estaríamos a voltar a um mundo imperfeito. Temos de apostar que apostar num futuro diferente, muito mais tecnológico e muito mais digital". Se essa aposta for consolidada, confia, será possível fazer a recuperação em menos tempo. Mas é preciso não ignorar o facto de que "no caso da educação e da cultura é a região, quase 50 por cento dos lares na região não têm ligação à internet. Portanto, temos que superar esse hiato digital, que é um hiato que penaliza fortemente as pessoas e penaliza a economia".
O secretário-geral da OEI garante que a língua portuguesa não está a ser descurada no âmbito da OEI, bem pelo contrário: "somos quase oitocentos milhões de pessoas que falamos espanhol e português, é a maior comunidade bilingue do mundo., é algo que devemos ter em conta. É também a comunidade bilingue que mais cresce. E, em terceiro lugar, em relação ao digital, a língua espanhola é a segunda mais usada na internet e o português a quarta que é mais usada na internet. Ou seja, o português e o espanhol estão entre as quatro línguas mais utilizadas na internet. Penso que é um dado muito importante". Sobre planos concretos, garante que foi posto "em marcha um plano geral de difusão da língua portuguesa: a sede central da organização está em Madrid, temos escritórios em dezoito países da América, estamos presentes em todo o continente, mas há uma parte da OEI em que a sede está em Lisboa, que é tudo aquilo que tem que ver com a difusão da língua portuguesa e com as questões destas duas línguas, que é um fator muito importante para toda a região". Na OEI toda a atividade é publicada em português: "qualquer nota informativa, qualquer documento, e estamos a trabalhar em programas específicos de difusão da língua portuguesa, como os programas de escola de fronteira, para que as escolas fronteiriças com territórios luso falantes aprendam português e não aprendam portunhol, porque há uma grande diferença nisso". O plano passa também pelas publicações científicas em português, bem como programas de formação de professores também na língua lusa. "somos uma comunidade com duas línguas e queremos que seja realmente assim", conclui.
E como está o estado da democracia no espaço Ibero-americano? "É preocupante, há que voltar a trabalhar a favor da democracia. Há pouco tempo vi uma intervenção do ex-presidente do governo espanhol Felipe González, em que ele dizia que nos anos setenta do século passado trabalhávamos a favor da democracia na América Latina e agora, cinquenta anos depois, temos de voltar a trabalhar em favor da democracia. Há, por vezes, tendências e tensões autoritárias, às vezes populistas e às vezes outras que não são garantia de democracia plena". Refere-se a Cuba e Venezuela ou algo mais? "Não, estamos a falar de uma forma geral. Vou dar-lhe um exemplo muito gráfico: há uns anos a América Latina estava dividida em zonas geográficas e políticas: uma zona liberal, a zona do pacífico, com Chile, Colômbia, Peru e México; e uma zona que chamávamos bolivariana com Cuba, Nicarágua, Venezuela, Brasil. Essa divisão rompeu-se e hoje a região está toda salpicada com regimes muito polarizados, por vezes".
No entanto, a polarização política não é o pior dos cenários. Jabonero lembra que "quando se diz que num país a política está polarizada, é porque há democracia. Se não houver democracia, não há polarização, é monolítica. Não será a melhor situação possível, certamente que não. Mas a polarização significa que há direito a opinar e podemos votar em opções muito diferentes". Acaba de acontecer isso no Equador: "é uma situação política muito polarizada: houve duas opções políticas muito diferentes e as pessoas votaram. É a menos má das situações possíveis. Penso que na região temos que continuara a lutar pela democracia porque se está a produzir algo que um autor classificou como a fadiga democrática. Os cidadãos votam e votam regularmente, mas o problema é que não acreditam nos governos em que votam. Não confiam nos governos em que votam. A Cimeira das Américas que se realizou em Lima há dois anos revelou que apenas 35% dos eleitores confiavam nos respetivos governos, governos esses que elegeram".