Elisa Ferreira à TSF sobre fundos europeus: "Portugal usa o dinheiro todo, mas falta uma estratégia eficaz"
A comissária considera necessário o reforço das contribuições para o orçamento da União Europeia. Não fazer e cortar na coesão seria “dar tiros nos pés”
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A poucas semanas de terminar o mandato em Bruxelas, à frente da pasta da Coesão e Reformas, a comissária Elisa Ferreira afirma à TSF que Portugal é um exemplo a executar os fundos europeus, uma vez que - de forma recorrente - absorve todo o montante destinado ao país. Ainda assim, a comissária é crítica sobre o que descreve como uma falta de estratégia para lidar com os aspetos que precisam de ser melhorados, na forma como os fundos europeus são aplicados no país.
A comissária cita o caso da escassez de água no Algarve, considerando que tem havido apenas soluções de curto prazo, sem uma estratégia capaz de resolver o problema que tratasse a região como um todo.
“Falta uma certa escala para tratar os problemas da escassez de água de forma estruturante”, porque “provavelmente ao fazer depender a utilização dos fundos ou de projetos da Administração Central, ou dos Municípios, perde-se a escala intermédia”, afirma, explicando que “é na escala intermédia que se têm de fazer os trabalhos mais estruturantes, seja, por exemplo, um grande programa de reutilização das águas tratadas e que vão para o mar e que podem ser utilizadas [para] regar todos os campos de golfe e toda uma série de limpezas urbanas, com essas águas tratadas e poupar dinheiro em soluções que são mais de curto prazo”.
Em vez de cada município “fazer programas, projetos absolutamente atomizados”, a comissária considera que o que “precisávamos seria de um programa de poupança e redução das perdas de águas nas tubagens”.
Questionada sobre se Portugal executa bem os fundos comunitários ou se há aspetos a melhorar, a comissária considera que, embora haja áreas que requeiram melhoria, “quando falamos de Portugal é bom ter presente que o país esgota sempre os fundos que lhe são atribuídos”, o que “é um bom sinal”. E acrescenta: “Essa preocupação permanente de ‘vamos perder dinheiro’ não me parece que seja o enfoque mais interessante, porque, de facto, Portugal usa o dinheiro todo.”
“O que me parece que pode ser melhorado é: Portugal usa-o da melhor maneira possível ou pode melhorar o modo como utiliza esse dinheiro, no sentido de receber um impulso efetivo visível de melhoria da sua economia e da sua sociedade e ter uma sociedade mais equilibrada e um território também mais equilibrado”, reflete.
“Nós, em Bruxelas, fazemos a gestão dos fundos estruturais em parceria com os Estados-membros e, portanto, nós não podemos decidir se o dinheiro vai para estradas ou se vai para escolas”, afirma. “Podemos balizar, interferir, mas temos um texto legal pelo qual nos temos de pautar”, refere, salientando que “se o país quiser fazer uma utilização dos fundos que seja poluente ou que destrua os ecossistemas, isso é proibido porque a lei me permite, se quiser discriminar os fundos, eu tenho base legal”.
“Há países que utilizam extraordinariamente bem e que recebem um impulso brutal. E Portugal, como todos, também tem fases. A fase da infraestruturação correu muito bem porque é fácil relativamente quando se atinge um nível já razoável de desenvolvimento e se tem de fazer coisas mais sofisticadas, nomeadamente tratar problemas a uma certa escala. Penso que há margem de progresso”, exemplificando com as soluções para a escassez de água, no Algarve.
Quadro Financeiro Plurianual
A comissária alerta para a necessidade de os Estados-membros reforçarem as contribuições para o orçamento da União Europeia, além de 1% do PIB total dos 27. Elisa Ferreira considera que não o fazer seria como “dar tiros nos pés”. Perante as exigências futuras, a comissária entende que, nas discussões do Quadro Financeiro Plurianual, os governos têm de garantir um orçamento com mais verbas.
“Se a Europa pode continuar a viver com 1%, [com um] orçamento que é 1% da riqueza coletiva, eu acho que este assunto precisa de ser reponderado”, enfatizou, apontando para os instrumentos políticos que sustentam a necessidade desse reforço de verbas, como, por exemplo, o relatório elaborado pelo antigo presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi.
“O relatório Draghi está aí a dizer que a Europa, para concorrer com os Estados Unidos, para concorrer com a China, tem de ter capacidade de estimular estrategicamente os setores mais produtivos, mais dinâmicos, setores de ponta”, sublinhou, lembrando que “há [também] uma dimensão de defesa coletiva que requer fundos e há uma dimensão de alargamento e há a outra dimensão que é pagar a dívida do chamado Próxima Geração, Next Generation, que é o endividamento global”.
“E, portanto, se nós pensarmos que podemos fazer tudo isto e manter o orçamento de 1%, cortando no apoio à agricultura e no apoio à política de coesão, acho que estamos a dar tiros nos pés”, concluiu a comissária Elisa Ferreira.
As declarações da comissária da Coesão e Reformas, Elisa Ferreira, fazem parte de uma entrevista à TSF no âmbito do programa Fontes Europeias.