Empresas, ONU, NATO e combustíveis fósseis: os impactos da eleição de Kamala ou Trump para a Europa e o mundo
A América decide, esta terça-feira, quem será o próximo inquilino da Casa Branca. Quais serão as consequências para o resto do mundo? O tema subiu a debate no Fórum TSF
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Chegou o dia decisivo para os Estados Unidos. Os norte-americanos preparam-se para eleger o próximo Presidente, sendo que as sondagens mostram uma eleição renhida entre Kamala Harris e Donald Trump. O tema subiu a debate no Fórum TSF.
Os empresários portugueses acompanham esta votação com preocupação, uma vez que os EUA são o quarto destino das exportações do nosso país. No Fórum TSF, Luís Miguel Ribeiro, presidente da AEP, mostra receios, seja qual for o vencedor.
"Se, por um lado, um dos candidatos pretende aumentar as taxas alfandegárias, a outra tem a perspetiva de aumento de subsídios, ou seja, vão ser sempre formas de dificultar a competitividade das nossas empresas num mercado já por si muito desafiante e muito competitivo, como é o mercado dos Estados Unidos, onde nós temos feito ações com as nossas equipas internas. É um mercado com potencial, mas é um mercado que é preciso investir muito e muito desafiante", explica.
Já Carlos Gaspar, investigador do IPRI, defende que a vitória de Trump seria "uma catástrofe" para a Europa. "Trump quer pôr fim ao multilateralismo e à ordem liberal para se concentrar na defesa dos interesses nacionais dos Estados Unidos. Defende uma linha em que prevalecem as tendências do isolacionismo soberanista contra a tradição do internacionalismo liberal, que são, de certa maneira, os Estados Unidos que nós conhecemos até ao primeiro mandato de Donald Trump. Para a política europeia, a vitória de Donald Trump seria um impulso fortíssimo para a direita populista e nacionalista, tanto na Europa como na América Latina. Tem um impacto direto não só nas políticas externas que envolvem a Europa, mas também na balança política interna na Europa Ocidental", considera, argumentando que, quer vença o republicano ou a democrata, a Europa revela falta de preparação para enfrentar os próximos desafios.
"A Europa não está preparada nem politicamente, nem militarmente, nem economicamente. Militarmente, a sua dependência em relação aos Estados Unidos foi demonstrada de uma forma eloquente nos últimos anos na resistência à invasão russa da Ucrânia, a dependência é maior hoje do que era no passado. A dependência dos europeus em relação aos Estados Unidos hoje inclui também uma dependência energética e não apenas nos domínios da inovação tecnológica e na capacidade de investimento. Mas, sobretudo, os europeus estão impreparados politicamente porque deixaram de fazer política há décadas, passaram a depender da liderança estratégica dos Estados Unidos e estão completamente impreparados para tratar dos problemas europeus", sublinha.
Para as Nações Unidas, a eleição de Trump teria também consequências negativas. Vítor Ângelo, antigo secretário-geral adjunto da ONU, acredita que o regresso do republicano à Casa Branca poderia levar ao fim das Nações Unidas.
"Trump é um tresloucado e pode esperar-se tudo de um tresloucado. É muito provável que Trump considere que os Estados Unidos têm força suficiente para não precisarem da comunidade internacional e, nomeadamente, da parte política. E nós falamos fundamentalmente das Nações Unidas políticas: do Conselho de Segurança, do secretariado-geral, do papel de mediação que as Nações Unidas possam desempenhar na resolução de conflitos. Um indivíduo como Donald Trump pode considerar que essas funções não são absolutamente necessárias e que os Estados Unidos, pelos seus meios militares e pela sua influência internacional, conseguirão resolver isso sem precisar nem das Nações Unidas, nem do apoio dos países membros da comunidade internacional", afirma.
Ouvido também no Fórum TSF, o major general Arnaut Moreira acrescenta outra preocupação no caso de uma vitória de Trump: o futuro da NATO. "Um segundo mandato de Trump provavelmente vai trazer outra vez aquelas mesmas preocupações que Trump trouxe do primeiro mandato. A Europa tem de ser mais responsável do ponto de vista da sua segurança e defesa, e não contar exclusivamente que agora venham soldados americanos morrer em território europeu, só porque os europeus não querem ter serviço militar obrigatório, não querem ter exércitos bem instruídos, treinados e armados, porque tudo é confortável na Europa desde que haja proteção dos Estados Unidos", refere.
Arnaut Moreira espera que, "caso vença, Trump traga outra vez estes sobressaltos para dentro da NATO". "No caso de uma vitória de Kamala Harris, parece-me que ela aposta nas instituições multilaterais e, portanto, procurará encontrar no seio dessas instituições, nomeadamente da NATO, todos os aspetos que dizem respeito à concertação, à conciliação, à negociação de posições da Europa e dos Estados Unidos relativamente ao problema da Ucrânia", acrescenta.
Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero, acredita que, com Trump, haverá um retrocesso, mas com Kamala há também vários aspetos que "continuarão a ser problemáticos, nomeadamente o aproveitamento dos combustíveis fósseis". "Kamala Harris já disse que vai continuar a fazer esse investimento e fá-lo por motivos eleitorais muito claros em estados decisivos, onde não quer perder votos, pondo em causa esses investimentos, que têm garantido aos Estados Unidos algum emprego em determinadas zonas, um retorno económico e uma independência energética que não tinham", nota.
