Entre a preservação da Amazónia e a consciência política: a ARCO Madrid abriu as portas
A maior feira de arte contemporânea de Espanha vai estar em Madrid até domingo. Estão expostas mais de 200 galerias, 15 delas portuguesas
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Wamatisé significa literalmente “lugares nomeados” e é a premissa da qual parte a exposição central da ARCO, a feira de arte contemporânea que começou esta quarta-feira em Madrid. Nos povos do Rio Negro da Amazónia, Wamatisé refere-se à criação do mundo e, aqui vem seguida de uma declaração de intenções - “ideias para um Amazofuturismo” – que acompanha as obras de arte de 28 criadores centradas “na necessidade de que bosques, rios e territórios naturais tenham direitos que impeçam a sua exploração desmedida”.
Uma consciência ambiental que atravessa todas as criações expostas, muitas de artistas indígenas, que projetam nas suas obras a cultura e a tradição. “Para estes artistas é muito importante não só dar a conhecer a sua arte, mas também usá-la como preservação da sua cultura”, conta Carlysson Sena, da Manaus Amazónia Galeria de Arte.
Trata-se da primeira galeria de arte da Amazónia a participar na ARCO e do seu portfólio só fazem parte artistas indígenas. Entre eles está Duhigó, do povo Tucano, com as suas pinturas, Dhiani Pa’saro, do povo Wanano, com obras de marchetaria, e Paulo Desana, da etnia Desana, com a sua exposição fotográfica. “Como viveram e nasceram nas aldeias, as suas obras trazem informações e histórias originais e próprias da região, que nos ajudam a conhecer uma cultura que o mundo ainda não conhece”, explica Sena.
Para uma galeria da Amazónia, a ARCO representa a possibilidade de entrar no mercado europeu pela porta grande. “A nível económico temos a oportunidade de entrar em novos mercados; a nível artístico, damos a conhecer a obra destes artistas e possibilitamos o seu reconhecimento e a nível da preservação da Amazónia, mostramos que a Amazónia também está a ser preservada na sua cultura pelas obras destes artistas”, conta Sena. “No fundo, temos aqui o arco da sustentabilidade: a economia, a sociedade e o meio ambiente. Temos uma arte sustentável, que apoia quem vive na Amazónia e a ajuda a manter de pé”.
15 portugueses
Das 214 galerias presentes, 15 são portuguesas. Entre elas está NO-NO, que repete pelo segundo ano consecutivo como convidada na categoria de novas galerias. A primeira experiência foi positiva, num balanço que não se faz só em termos de vendas. “Mais importante do que a parte financeira, são os contactos e a visibilidade que conseguimos neste tipo de eventos. Se houver muitas vendas mas sairmos sem contactos novos de críticos, diretores de outras feiras, curadores... o balanço não é positivo porque não deixámos lastro para o futuro.
Nesse sentido, o ano passado foi muito bom, esperamos que este também”, explica o diretor Luís Castanheira Loureiro.
A conjuntura atual faz com que investir em arte não esteja no topo das prioridades, mesmo de quem se dedica ao tema, e isso provoca certa desconfiança no mercado. “O mercado está estranhíssimo, porque tudo está estranhíssimo, a começar pela geopolítica”, explica. “Em primeiro lugar, o que eu sinto é que as pessoas estão saturadas e que não estão particularmente bem mentalmente. Há um certo desânimo por uma série de situações que se dão periodicamente: crise financeira demasiado longa, pandemia, guerras, o sentimento de impotência. E depois há muitos colecionadores que também foram apanhados de surpresa pela crise do aumento dos juros e então tudo isto ajuda a esta conjuntura”.
Luis Castanheira Loureiro queixa-se ainda da “total ausência de investimento público em cultura em Portugal”. E apesar do anúncio por parte da ministra da Cultura da redução do IVA para os galeristas de arte dos 23% para os 6% - ainda antes da decisão do governo de se apresentar a uma moção de confiança que pode acabar em eleições antecipadas – ser bem-vindo, o galerista diz que não é suficiente. “Esta medida é muito importante, mas mais importante é o investimento direto em cultura por parte do Estado, que não se faz. Temos um contexto bizarro onde nunca foi reconhecida tanta importância às galerias e a várias gerações de artistas portugueses, e depois, localmente, temos um mercado que se está a tornar cada vez mais magro, cada vez mais reduzido e que está mesmo a pôr em causa o meio”.
Crítica social e política
Se esta edição da ARCO decidiu apostar na consciência ambiental, que deu um lugar de primazia à Amazónia, a feira de arte contemporânea tem sempre uma incontornável componente de crítica social e política que também marcou presença este ano. Entre as obras mais polémicas desta edição está um lava-loiça de líderes de extrema direita. Nos pratos vêm-se as caras de Donald Trump, Georgia Meloni, Javier Milei e André Ventura. Uma obra que pode ser comprada por 25.000 euros e que quer ser uma metáfora do branqueamento à extrema-direita atual.
Noutro expositor, umas correntes negras com um número impresso, chamam a atenção do visitante: 7.291, o número de idosos que morreram em lares da Comunidade de Madrid durante a pandemia do coronavírus e que foram representados desta forma pelo artista Ramón Mateos.
A guerra em Gaza também não foi esquecida. A instalação de vídeo de Alex Reynolds, com a ajuda da inteligência artificial, emite todas as conferências de imprensa do Departamento de Defesa dos EUA sobre a guerra em Gaza, desde outubro de 2024. No ecrã, as perguntas dos jornalistas aparecem intactas, mas as respostas foram cortadas, reduzidas a um vazio que se repete uma e outra vez. Para mostrar que a narrativa oficial não muda, seja qual for a circunstância.
