Estado de Direito. Global Media em destaque no relatório europeu sobre a qualidade da democracia
Bruxelas admite preocupação pela "precariedade" do jornalismo e alerta para a "transparência da propriedade" dos media
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A Comissão Europeia expressou, esta quarta-feira, “preocupação” face à situação da imprensa em Portugal, dada a “precariedade” do exercício da profissão de jornalista, num “ambiente” em que está em causa o papel “crucial” do pluralismo e a independência dos media, para uma democracia “robusta” e para o combate à corrupção.
Bruxelas expressa a suas preocupações no relatório anual sobre o Estado de Direito, que avalia diferentes índices sobre a qualidade da democracia nos Estados-membros da União Europeia.
No documento, a Comissão destaca que "a independência dos meios de comunicação é crucial para a democracia e a luta contra a corrupção". É referido que "a concentração da propriedade dos média em Portugal é uma preocupação, pois pode limitar a pluralidade e a liberdade de imprensa". A Comissão recomenda "medidas para assegurar a transparência da propriedade dos meios de comunicação e para prevenir interferências políticas".
A Comissão Europeia destaca que "a violação das disposições sobre a transparência da propriedade dos media por parte de um grupo mediático desencadeou discussões sobre a necessidade de emendar o quadro legislativo".
A monitorização da transparência da propriedade dos media é uma área sob a responsabilidade da ERC. Recorde-se que, Bruxelas tinha indicado no seu Relatório sobre o Estado de Direito de 2023 que "havia preocupações sobre a veracidade das informações fornecidas em alguns casos".
A Comissão destaca concretamente o caso da Global Media, dona da TSF, DN, JN e outros títulos, referindo que a aquisição de uma das maiores organizações de media em Portugal por um fundo de investimento, seguida por uma série de decisões altamente controversas, "incluindo a apreensão de bens, o não pagamento de salários e despedimentos coletivos", levou os jornalistas a protestar, trazendo a questão para o debate público e para o nível político no Parlamento, destaca a Comissão Europeia.
Bruxelas nota que, "apesar das discussões, não foram efetuadas alterações adicionais ao quadro legislativo". Estes eventos levaram a ERC a abrir um processo administrativo relativo ao incumprimento da Lei da Transparência, "encontrando violações da lei e suspendendo os direitos de voto do fundo de investimento na empresa de media”, embora as ações da ERC tenham sido consideradas tardias.
O panorama mediático em Portugal é altamente concentrado e o Monitor do Pluralismo dos Media 2024 (MPM2024) para Portugal considera, assim, que existe "um alto risco para a pluralidade dos media".
O relatório da Comissão Europeia elogia os esforços de Portugal, mas considera que a transparência e a liberdade dos média são áreas que necessitam de atenção contínua para assegurar um ambiente democrático robusto.
Protecção dos Jornalistas
Entre as quarenta páginas do relatório, o extenso capítulo sobre a pluralismo e liberdade de imprensa destaca ainda a recomendação a Portugal “para manter a proteção dos jornalistas no exercício da sua profissão”, conforme os princípios fundamentais consagrados na Constituição Portuguesa.
Bruxelas enfatiza que Portugal deve reforçar a “independência” do organismo regulador dos media, lembrando, como um aspecto positivo, que existe um quadro legal sólido para garantir a transparência da propriedade dos meios de comunicação.
"O acesso à informação e documentos detidos por autoridades públicas está salvaguardado através de legislação," refere o relatório.
Rádio
No que diz respeito à Lei da Rádio, a proposta identifica aspetos a rever para “clarificar” a interpretação e aplicação da lei, e para permitir maior dinamismo na atividade da rádio.
Imprensa
Para a Lei da Imprensa, a proposta visa expandir o âmbito para incluir os media online. O seguimento destas propostas dependerá de ações futuras durante a nova legislatura.
Relativamente aos recursos alocados ao regulador dos media, o MPM 2024 para Portugal considera que, embora algo “inadequados”, permitem à ERC desempenhar a sua função.
RTP
A Rádio e Televisão de Portugal (RTP) enfrenta desafios relacionados com os seus recursos disponíveis. "A RTP precisa de adaptar a oferta às necessidades e hábitos de consumo”, com amudança do público, “ao mesmo tempo que cumpre obrigações legais, como a literacia mediática," salienta o relatório.
No entanto, o documento destaca os “desafios financeiros, especialmente devido à não atualização da taxa audiovisual anual desde 2017, resultando numa “perda acumulada de receita de 55,46 milhões de euros para o período de 2017-2023”.
Os recursos humanos também são um desafio, pois a contratação de novos funcionários “está sujeita às regras gerais de recrutamento aplicáveis à função pública”.
Lusa
Bruxelas nota que há agora “um amplo apoio” à Agência de Notícias LUSA, “apesar de terem sido expressas preocupações no passado sobre a estrutura acionista da agência de notícias”.
“Atualmente há um consenso geral entre as partes interessadas quanto ao apoio à agência," refere o relatório. Destacando como um aspecto lesivo do pluralismo do jornalismo, Bruxelas admite a preocupação com o “risco” de que o conteúdo da LUSA seja cada vez mais utilizado por alguns meios como substituto do trabalho dos jornalistas internos.
Em agosto de 2023, o Governo mostrou interesse em adquirir novas participações na agência, intenção que “pretende concretizar até ao final de 2024”, refere o documento.
Apoios à Imprensa
Os incentivos fiscais para encorajar a subscrição de media escrita tiveram um efeito positivo, após as referências no Relatório sobre o Estado de Direito de 2023.
“Foram introduzidas disposições na lei orçamental de 2023 para o reembolso do IVA sobre subscrições de jornais e media escritos contra o imposto sobre o rendimento de 2024”, indica o documento deste ano.
No entanto, “os representantes dos jornalistas consideram esta medida insuficiente” para resolver a diminuição significativa das vendas e do número de leitores de jornais. O relatório reconhece a necessidade de “uma abordagem estrutural” que inclua apoio ao acesso aos media, literacia mediática e financiamento.
Precariedade
Bruxelas também reconhece as “preocupações com a precariedade” dos postos de trabalho dos jornalistas e com “as condições de trabalho deterioradas” que “aumentaram”, tendo “levado a uma greve dos jornalistas”.
O relatório sobre a qualidade da democracia não fica indiferente ao facto de que “os jornalistas têm vindo a queixar-se há alguns anos sobre a deterioração das condições de trabalho”.
A certa altura, a Comissão Europeia refere concretamente “a mudança na propriedade do Global Media Group” que “desencadeou uma forte reação dos jornalistas, levando a greves pontuais e um esforço significativo para tornar a situação conhecida do público e levá-la à esfera política”.
O regulador dos media iniciou uma investigação, concluindo que “houve várias irregularidades” por parte da administração do grupo, enfatiza o documento.
Bruxelas anota que a reestruturação do Global Media Group está em curso, com negociações para a aquisição de várias das suas publicações “por investidores portugueses”.
Congresso
"Pela primeira vez em sete anos, um Congresso de Jornalistas foi convocado de 18 a 21 de janeiro de 2024 para enfrentar o ‘estado de emergência para o jornalismo nacional’” refere o documento, que sublinha que, como resultado, a 14 de março de 2024, os jornalistas portugueses realizaram uma greve geral “pela primeira vez em 40 anos”, com a participação de “mais de 40 meios de comunicação” nacionais, regionais e locais.
Agressões
No texto, Bruxelas salienta que embora Portugal possua um quadro legal forte quanto à prática do jornalismo e ao direito de informar, houve preocupações expressas quanto ao “número crescente de ameaças” aos jornalistas.
A plataforma do Conselho da Europa para a proteção do jornalismo registou “quatro alertas” desde a adoção do Relatório sobre o Estado de Direito de 2023, três dos quais ainda estão ativos e “todos dizem respeito a jornalistas fisicamente atacados” durante a cobertura de eventos.
Além disso, foram relatados “cinco alertas adicionais desde julho de 2023, envolvendo incidentes semelhantes e ataques verbais”.
Por outro lado, "não foram relatados casos de SLAPP [processos judiciais para pressionar e intimidar jornalistas] desde a publicação do Relatório sobre o Estado de Direito de 2023", conclui o documento.