Estados Unidos divididos. "No kings", de um lado, desfile de "prioridades questionáveis" de Trump, do outro
O custo do desfile militar encomendado por Trump está estimado em até 39,4 milhões de euros. Por outro lado, o protesto "Sem reis" saiu à rua um pouco por todo o país
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Tanques, camiões e artilharia pesada desfilam em Washington, num evento com 6600 soldados, 150 veículos e 50 aeronaves: é algo que não se via nos EUA desde 1991. Ao mesmo tempo, manifestantes invadem as ruas um pouco por todo o país, naquele que os organizadores apontam ser o maior protesto anti-Trump desde o início da nova Administração, empossada em janeiro último.
Intitulado "No kings" ("Sem reis", na tradução para português), o protesto popular resulta da união de mais de cem grupos de defesa da democracia.
Do outro lado da barricada, pelo menos oito bandas militares, unidades de cavalaria, sobrevoos de aviões de guerra antigos e contemporâneos e saltos de paraquedas são ainda alguns dos atrativos do desfile (em dia de aniversário do Presidente norte-americano), nas ruas desde o Pentágono até ao Monumento de Washington.
O desfile de 90 minutos foi dividido em eras: Guerra da Independência, Guerra Civil, Primeira Guerra Mundial, Segunda Guerra Mundial, Guerra da Coreia, Guerra do Vietname, Guerra do Golfo, Guerra Global contra o Terror, o Exército moderno e o futuro.
O analista e historiador Bruno Cardoso Reis considera que o elevado custo do desfile militar encomendado por Donald Trump, estimado em até 45 milhões de dólares (39,4 milhões de euros), evidencia as "prioridades questionáveis" do chefe de Estado norte-americano.
Em declarações à Lusa em Washington, onde decorreu o grande desfile militar para assinalar os 250 anos do Exército dos EUA, Bruno Cardoso Reis apontou que o evento chega num momento em que milhares de funcionários públicos foram despedidos pelo Governo de Trump com o objetivo de reduzir os gastos federais, levantando questões e críticas sobre as despesas com o desfile.
"Eu diria que são prioridades questionáveis. A defesa de Donald Trump e do próprio Exército diz bem que são os 250 anos do Exército, e que 45 milhões de dólares no orçamento da Defesa é um gasto ínfimo, (...) mas a verdade é que, neste contexto, realmente é uma opção que é muito questionada, sobretudo, obviamente, pelos críticos de Donald Trump", disse.
"Também em relação a isto temos alguma polarização. A última sondagem que vi, que saiu na sexta-feira, dava conta de que 60% dos americanos acham que é um gasto excessivo, neste contexto. Apenas 30%, que podemos dizer que são os apoiantes mais fervorosos de Donald Trump, é que acham que realmente 45 milhões num desfile é um bom investimento", acrescentou o historiador.
O custo estimado para este desfile oscila entre os 25 milhões e os 45 milhões de dólares (entre os 21,9 milhões e 39,4 milhões de euros), segundo um porta-voz do Exército dos Estados Unidos.
Esse valor inclui o custo de reparação das ruas de Washington após a passagem de tanques de várias toneladas, que deverá rondar os 16 milhões de dólares (14 milhões de euros).
Mais de duas dúzias de tanques de batalha M1 Abrams deverão passar por Washington, sendo que cada um pode pesar 60 toneladas ou mais.
Para proteger as ruas desses veículos pesados, o Corpo de Engenheiros do Exército está a instalar grandes placas de metal em partes do percurso do desfile.
Bruno Cardoso Reis, que é especialista em segurança internacional e também professor visitante na Universidade de Georgetown, em Washington DC, indicou à Lusa que ao longo dos últimos dias tem ouvido várias preocupações dos moradores da capital norte-americana, nomeadamente com a elevada presença militar na cidade.
Os residentes temem ver em Washington o mesmo que está a acontecer em Los Angeles, para onde Trump enviou a Guarda Nacional para conter a violência nas manifestações contra a sua política migratória, apesar da oposição das autoridades locais.
"Tenho ouvido uma preocupação, algo surpreendente, que é em relação à possibilidade das tropas virem para ficar. Ou seja, no fundo, um pouco no modelo do que está a acontecer na Califórnia. As pessoas perguntam: 'se temos a Guarda Nacional na Califórnia a patrulhar as ruas, será que vamos ter também tropas aqui na capital federal de forma mais permanente?'", contou à Lusa o analista, sobre as conversas que tem ouvido dos moradores.
Contudo, Cardoso Reis frisa que o Exército deu garantias de que não é essa a intenção, e, portanto, que as tropas e restantes meios militares se retirarão no final do evento.
No entanto, “isto revela também algum alarme, sobretudo das pessoas que são mais críticas da atual Presidência e que veem Donald Trump como alguém excessivamente exposto a testar todo o tipo de limites, a pôr em causa todo o tipo de pesos e contrapesos, normas tradicionais de limitação do poder da Presidência, inclusive em questões como enviar tropas para a rua, como vimos na Califórnia", observou ainda.
