“Estamos muito felizes.” Embaixador do Peru espera que Papa Leão XIV seja "um mediador" num mundo “polarizado”
A TSF visitou a embaixada do país sul-americano, em Lisboa, para ouvir o que pensa o diplomata Carlos Gil de Montes sobre o novo Papa que, além de norte-americano, é também peruano, e que, antes de ser Leão, foi Robert Prevost, numa cidade chamada Chiclayo
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O Papa Leão XIV foi missionário no Peru durante 14 anos, entre 1985 e 1999. Foram tempos de guerra, marcados pela violência de um grupo armado conhecido como Sendero Luminoso. Quase 70 mil pessoas morreram. Mais tarde, em 2014, Robert Prevost regressou ao Peru, enviado pelo Papa Francisco, onde foi administrador apostólico da diocese de Chiclayo, uma cidade no norte do país.
Entrevistado pela TSF, o embaixador do Peru, Carlos Gil de Montes, lembra uma pessoa próxima de todos, sobretudo dos mais pobres.
Como reagiram os peruanos à eleição do novo Papa?
A reação no Peru foi de maravilha e júbilo, em todo o país, mas sobretudo na zona norte. As primeiras palavras foram dirigidas aos fiéis de Chiclayo e foi com emoção e surpresa que recebemos a notícia. A comunicação social não apresentava Prevost como favorito, por isso foi uma surpresa agradável. As pessoas de Chiclayo têm muito orgulho em tudo isto e até já se fala em novas rotas turísticas religiosas. Já se fizeram muitas reportagens e há jornalistas a chegar vindos de todo o lado para conhecerem a cidade, como os lugares onde o Papa ia comer e por aí fora.
Qual é a importância de ter um Papa peruano?
O Papa é peruano como agradecimento, pelo amor que tem ao Peru e pelo compromisso que teve com o país. Passou lá tanto tempo que acabou por aproximar-se muito de nós. É muito importante, pois o Peru é um país profundamente católico. Temos santos, como Santa Rosa de Lima ou San Martin de Porres, e temos, anualmente, uma procissão muito importante: a de Nossa Senhora dos Milagres, que congrega milhares de fiéis. Este é o segundo Papa americano, o segundo Papa anglófono, depois de Adriano IV (1154 - 1159), e o primeiro papa agostiniano. Ser o sucessor de Francisco é também um sinal importante, porque era argentino. Esperemos que visite a América do Sul, de preferência o Peru, e irá também visitar Portugal, sem dúvida. Se há algo que o caracteriza, além de ser missionário e padre, é o facto de ser mariano. Ele pôs isso em evidência nas suas primeiras palavras. Não tenho dúvidas de que Fátima poderá, por isso, estar entre os seus próximos destinos.
Teve a oportunidade de conhecer Robert Prevost?
Não, lamentavelmente [risos]. Adoraria conhecê-lo. Do que tenho visto dele, também em reportagens que foram agora feitas em Chiclayo, parece-me uma pessoa que esteve e está sempre perto dos mais necessitados, dos mais pobres. O bispo Prevost teve um papel muito importante durante a pandemia, em Chiclayo, no norte do Peru. Fez uma campanha para angariar botijas de oxigénio para os doentes. Também teve um papel muito importante durante as inundações (ou "cheias", como se diz cá em Portugal) que aconteceram na zona norte. Dedicou-se sempre aos mais necessitados. Tenho fotos dele com água até ao joelho, a ajudar as pessoas. É um Papa que conhece o Peru muito bem, que andava a cavalo e conduzia a sua própria camioneta para chegar aos lugares mais remotos. É uma pessoa sincera e muito próxima do povo.
Prevost esteve no Peru numa época muito conturbada a vários níveis.
Sim, viveu muitos anos no Peru. Tivemos, lamentavelmente, um grupo terrorista chamado Sendero Luminoso, em 1985, e o bispo condenou sempre as ações deste grupo. Houve manifestações políticas e mortes a lamentar e o bispo apresentou sempre os seus pêsames.
Era uma pessoa politicamente ativa no Peru?
Que eu saiba, não. Como disse, é uma pessoa muito voltada para os pobres, mas, tanto quanto sei, nunca teve uma participação importante do ponto de vista político. Foi, sobretudo, um missionário. Dedicou a sua vida a fazer trabalho de campo, sem nunca descurar a sua diocese, a igreja de Chiclayo.
Qual é a importância de ter um Papa peruano para os não católicos?
Acho que é também um sinal de que a igreja chega a todo o lado. As suas palavras iniciais foram no sentido de pedir uma igreja aberta, inclusiva.
No primeiro discurso, Leão XIV falou em italiano e em espanhol, mas não em inglês, apesar de ser norte-americano. Como interpreta isto?
Para mim, significa que ele é padre. Dedicou essas palavras à diocese de Chiclayo, enquanto padre. Falou primeiro em italiano, porque estava no Vaticano, e logo repetiu em espanhol. Entendo que, entretanto, já tenha falado em inglês nas missas que celebrou, o que também me parece interessante, mas para mim o significado das primeiras palavras é este: o Papa dirigiu-se a Chiclayo como pároco da diocese da cidade, onde teve uma grande importância. Acho, por isso, que há três aspetos importantes: o facto de ser missionário, o facto de ser padre antes de qualquer nacionalidade e o facto de ser mariano.
Diplomaticamente, o que muda nas relações entre o Vaticano e o Peru, agora que o Estado é liderado por um peruano?
As relações entre o Vaticano e o Peru são extraordinárias. Sendo um país católico, claro que ter um Papa peruano vai fazer com que as pessoas do Peru olhem mais para ele, mais ainda do que Francisco, que era sul-americano. Vai fazer com que estejam mais atentas e mais abertas a aproximarem-se ainda mais da igreja.
No primeiro discurso, Leão XIV destacou a necessidade de “criar pontes”. Sendo ele norte-americano, o que pode mudar na diplomacia com os Estados Unidos da América?
Acredito que os cardeais, na eleição, tiveram em conta, precisamente, o facto de ser um Papa que é também norte-americano. O facto de as primeiras palavras do Papa terem sido no sentido de apelar à criação de pontes é fundamental. Acho que vai orientar o pontificado por dois temas muito importantes: a unidade da igreja e a paz mundial, onde os Estados Unidos, neste último, têm um papel fundamental, com o que se passa na Ucrânia, em Gaza e no atual conflito entre a Índia e o Paquistão. Agora que o mundo está tão polarizado em muitos aspetos, acho que Leão XIV está muito consciente do papel que vai ter, sobretudo como mediador. Tenho muita esperança nele, até porque o mundo bem precisa.
Mas as relações entre a igreja e os Estados Unidos não ficam, desde já, minadas pelas críticas deixadas por Robert Prevost ao primeiro Governo de Donald Trump?
Acho que não. O Papa está muito consciente do seu papel mediador que agora tem. Não creio que algo possa levar a uma polarização ou conflito entre os dois países. Tenho muita esperança nele, até porque o mundo bem precisa.
Diz-se que Leão XIV poderá representar um intermédio entre o progressismo de Francisco e o conservadorismo de muitos outros, dentro da Igreja Católica. Há mesmo quem diga que a igreja está muito dividida. Que atitude espera do Papa: continuidade, rutura ou esse tal intermédio?
Do meu ponto de vista, vai ser um Papa autêntico, até porque escolheu o nome Leão e não "Francisco segundo". Creio que vai ter um papel fundamental como mediador na igreja e vai lutar pela unidade numa altura em que vivemos momentos muito difíceis. É importante recordar o que fez Leão XIII, com a encíclica Rerum Novarum, feita também numa altura difícil durante a revolução industrial. Acho que o Papa está atento aos desafios que temos hoje, porque estamos a atravessar uma nova revolução, nomeadamente por causa da inteligência artificial. Mas repito: do meu ponto de vista, o Papa vai ter um trabalho orientado para conseguir uma maior unidade.
Se pudesse dizer algo a Leão XIV, o que lhe diria?
Diria que, como peruanos, estamos muito felizes e esperançosos com o trabalho que tem pela frente.
