"Farsa inventada pela polícia." Detenção de duas jornalistas chinesas em Macau é "violação da lei", Portugal sem reação
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Duas jornalistas do jornal independente em língua chinesa All About Macau foram detidas na quinta-feira e passaram quase 12 horas na esquadra, após se terem insurgido contra o facto de ser-lhes negado acesso à sala do plenário da assembleia legislativa de Macau para cobertura jornalística. O caso foi encaminhado para o Ministério Público da região. Caso sejam acusadas, podem incorrer numa pena de multa ou até três anos de prisão.
De acordo com um comunicado do Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau, “após investigação, há fortes indícios de que as duas jornalistas são suspeitas da prática do crime de perturbação do funcionamento de órgãos da Região Administrativa Especial de Macau”, neste caso no parlamento local.
O advogado Jorge Menezes, que também é residente permanente em Macau e exerce atividade em Portugal e na Região Administrativa Especial Chinesa, sublinha, em entrevista à TSF, que as duas jornalistas foram “ilegalmente detidas”.
Bastante crítico da erosão dos direitos e liberdades fundamentais em Macau, sobretudo desde os protestos em Hong Kong (2019), Jorge Menezes afirma que “não se pode deter ninguém para identificação, a não ser que seja suspeito da prática de algum crime. Mas o que não se pode mesmo é deter uma pessoa para ser identificada, quando ela está identificada. Isto é claramente uma violação da lei”.
Jorge Menezes salienta que o objetivo das autoridades locais “é espalhar o medo e silenciar os jornalistas” e, indiretamente, a própria comunidade.
Não há crime nenhum, isto é tudo uma farsa inventada pela polícia. Querem gerar um crime político contra quem não tem identidade política: os jornalistas.
Por outro lado, assinala que o All About Macau “é o único jornal em língua chinesa crítico e independente na região. Portanto, o que as autoridades querem é silenciar, assustar e fechar o jornal porque tem mais influência do que os jornais em língua portuguesa ou língua”.
Para este advogado, “esta é mais uma violação” dos direitos fundamentais dos residentes do território e da Declaração Conjunta Luso-Chinesa, na qual foi acordado que Macau iria ter um elevado grau de autonomia de Pequim, sob o princípio de “um país, dois sistemas” e manter as liberdades de expressão, de imprensa e de reunião e associação durante 50 anos.
Além de lamentar o caso, Jorge Menezes considera que os governos portugueses têm tido uma postura passiva em relação a Macau e, por isso, não espera que este caso gere uma onda de críticas por parte de Portugal.
“As pessoas pensam que esta limitação de liberdade afeta os ativistas ou aqueles que se querem meter na política, mas não. Há livros que são retirados de bibliotecas, escritores que não puderam entrar em Macau, subsídios que não são dados a certos de tipos de pessoas. Isto vai afetando a vida de todos nós. É um clima de medo, em que ninguém nos vale”, acrescenta.
O advogado considera particularmente bizarro o facto de as duas jornalistas do jornal independente All About Macau “terem sido impedidas de entrar na casa do povo” e detidas no dia em que o secretário para a Administração e Justiça, André Cheong, apresentava as políticas daquela pasta. “Se não fosse triste e dramática, a situação era caricata. Escolheram, de facto, muito mal o crime que inventaram. Não tem cabimento nenhum”, afirma.
Jorge Menezes, que já defendeu um antigo deputado de Macau num julgamento por desobediência qualificada, reconhece que a figura do advogado, “nos casos mais sensíveis, é cada vez mais irrelevante".
E remata: "Não há grande esperança em Macau de que seja feita justiça em casos desta natureza.”