Nancy Pelosi, a speaker democrata na Câmara dos Representantes diz que uma nova América nasceu após as eleições intercalares de ontem. Donald Trump diz que foi uma noite de grande sucesso. Em que ficamos?
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O Partido Democrata recuperou a maioria na Câmara dos Representantes. Assegurou 219 mandatos quando necessitava de 218. No Senado, o Partido Republicano segurou a maioria, tendo garantido já 51 dos 100 senadores. Era o que previam as sondagens. Nada de surpresas. Os dois partidos venceram. Os dois perderam. Nada fica igual, mas também pode não mudar tanto quanto se imagina.
Na política fiscal de redução de impostos para os mais ricos, na tentativa de travar a destruição da conquista social que foi o Obamacare, na oposição a leis mais restritivas, a maioria legislativa na câmara encontrará sempre pela frente a capacidade de veto presidencial, além de uma maioria republicana no Senado.
É certo que há mais mulheres, mais jovens, mais diversidade étnica e racial entre os eleitores, o que alimenta a ideia de uma América diferente a emergir.
É certo que aumenta a vulnerabilidade de um Presidente já acossado pela forte possibilidade de investigações judiciais (basta começar a ler o livro "Medo: Trump na Casa Branca" do consagrado Bob Woodward, um dos jornalistas do Watergate; ou, na produção nacional, "Isto não é bem um presidente dos Estados Unidos", de Germano Almeida, para se compreender que um eventual processo de impeachment não seria, de todo, um problema para a segurança nacional norte-americana e, para o mundo, de uma forma geral; muito pelo contrário) relacionadas com a interferência da Rússia na eleição de 2016 ou com o seu historial de ausência de declarações de pagamento de impostos.
É certo que a maioria democrata numa das Câmaras do Congresso tentará impedir gastos com políticas que visem a violação de direitos das minorias, ou o aumento do aparelho securitário do país, tentando forçar o governo federal a recuperar um caminho de progressiva aposta na inclusão, na diversidade, na redução da pobreza e no aumento exponencial dos americanos abrangidos pelo sistema de saúde.
É certo, em suma, que o escrutínio sobre a atuação da Casa Branca será maior. Mas será mesmo assim, com a capacidade que a maioria republicana no Senado terá de bloquear o poder legislativo democrata, evitando a exposição que eventuais vetos presidenciais sempre acarretam? E será apenas do foro psicanalítico a reação do Presidente, por antecipação, a uma eventual maioria democrata entre os 435 congressistas: "Não me interessa. Eles podem fazer tudo o que quiserem e eu posso fazer tudo o que eu quiser"? Não se pode propriamente acusar Trump de não cumprir aquilo que, para mal dos pecados do mundo, promete. Ficará o país ingovernável? Amiúde, vai parecer.
Na aritmética eleitoral, os democratas venceram no Kansas e no Michigan, estados onde Trump triunfou claramente em 2016 o que não deixa de revelar um profundo descontentamento do eleitorado face ao trabalho da Administração Trump, mas o Indiana, o Tennessee e, sobretudo, o facto do progressista de esquerda (recordista de fundraising na campanha) Beto O"Rourke não ter conseguido derrotar o conservador republicano Ted Cruz no Texas são também a prova de que há uma América sobretudo rural e sobretudo fora das metrópoles onde se concentram os jovens mais qualificados, que continua a dizer ámen ao discurso nacionalista e securitário do Presidente. E se Bush filho em 2006 e Obama em 2010 também perderam a maioria na Câmara dos Representantes, isso não lhes impediu a reeleição dois anos depois.
A vitória republicana no Senado e um Partido Democrata ainda a tentar reencontrar-se, mais o tiro no pé que pode ser a ameaça de regresso à corrida por parte de Hillary Clinton, a que se junta o fator mais fundamental: a economia a andar efetivamente bem, são ingredientes fundamentais para mais quatro anos (seis a partir de agora) de Trump à frente da maior potência mundial. Para 2020, tenhamos medo, muito medo.