Francisco Seixas da Costa: "Há uma hipersensibilidade dos israelitas em relação às Nações Unidas"
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Diplomata de carreira, Francisco Seixas da Costa nasceu em Vila Real e tem 75 anos. É uma voz muito escutada sobretudo nos temas de política internacional, graças à experiência que acumulou como embaixador. Esteve ao serviço de Portugal em França, no Brasil e junto da Organização das Nações Unidas. Quando António Guterres foi primeiro-ministro, desempenhou ainda as funções de secretário de Estado dos Assuntos Europeus nos seus governos. Hoje analisa aqui o conflito Israel-Hamas, também como este afeta a guerra na Ucrânia e, até, o impacto na China.
Vamos começar pela polémica da semana: Israel a criticar António Guterres e a exigir demissão do secretário-geral das Nações Unidas. Considera que Guterres está sólido no cargo ou terá ficado fragilizado?
A solidez de Guterres depende muito dos membros permanentes do Conselho de Segurança. No fundo, independentemente de ele ter sido eleito pela Assembleia-Geral, são os membros permanentes do Conselho de Segurança quem lhe dão essa legitimidade funcional. Acho que Guterres está num dos lugares mais difíceis do mundo, passou situações muito complicadas, desde o tempo de Trump até todas as dimensões da pandemia e agora a guerra na Ucrânia e a guerra em Israel. Acho que Guterres tem conseguido manter a bandeira das Nações Unidas no alto, independentemente de estar neste momento sob uma pressão muito grande. Já estava, volto a relembrar, na questão da Ucrânia. Temos de nos lembrar que Sergei Lavrov considerou que Guterres não foi suficientemente neutral quando denunciou a violação do Direito Internacional que era o ataque da Rússia à Ucrânia, e agora Israel considerou que o facto de o secretário-geral ter sublinhado que o conflito entre Israel e Palestina, e em particular depois do ataque terrorista do Hamas, não vinha do nada. Isto é, vem de décadas de frustração da população palestiniana, que tem sido afastada para países limítrofes e que vive em Gaza sob um bloqueio fortíssimo. Este caldo de cultura, no fundo, é um caldo de ódio, de ressentimento.
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Mas considera que, de algum modo, há aqui uma espécie de hipersensibilidade da parte dos israelitas em relação a Guterres?
Acho que há uma hipersensibilidade dos israelitas em relação às Nações Unidas, pela simples razão de que Israel não cumpre a esmagadora maioria das resoluções das Nações Unidas que lhe dizem respeito. Isto há décadas. E, portanto, é um pouco irónico, de facto, que o país que talvez mais incumpra as resoluções das Nações Unidas, historicamente, seja aquele que acha que o secretário-geral, ao ter falado da questão do Médio Oriente da maneira que falou, e disse-o de uma maneira, a meu ver, cristalina e com um rigor semântico muito bom, e Guterres não brinca em serviço nesta matéria. Guterres conhece como ninguém a delicadeza do processo e mediu as palavras em várias dimensões. E acho que Israel está habituado a ter sistematicamente o mundo ocidental, e em particular os Estados Unidos, do seu lado, e a ter críticas, esparsas, normalmente sempre compensadas. Guterres, desta vez, achou que o ataque que o Hamas fez tinha tido um impacto total no plano da emotividade internacional, que estava como que isento de qualquer, não só avaliação histórica, mas de qualquer aviso, que é no fundo o que Guterres fez, de qualquer aviso relativamente àquilo que possa ser a desproporcionalidade na reação.
Deixe-me recuperar uma expressão que usou há pouco, que Guterres poderá ter o mais difícil trabalho do mundo. Guterres foi criticado por ser muito duro para com a Rússia, na reação à invasão da Ucrânia, havendo quem defenda que deveria manter-se neutro. Agora tentou mostrar equilíbrio no conflito Israel-Hamas, mesmo condenando os ataques de 7 de outubro e está a ser acusado, neste momento, de não ser neutro. Porque é que disse que é o mais difícil trabalho do mundo?
Há duas coisas na dimensão de um secretário-geral. Um secretário-geral é o coordenador da ação global das Nações Unidas, embora as várias agências tenham grande autonomia, mas ao mesmo tempo é a voz do Conselho de Segurança, em particular dos cinco membros permanentes. E, portanto, Guterres tem força, um secretário-geral tem força, quando os cinco membros permanentes estão de acordo, ou pelo menos nenhum se opõe verdadeiramente, e só perde essa força na medida em que o Conselho de Segurança se divida. E quando temos, por exemplo, no caso da guerra na Ucrânia, um membro permanente, como é a Rússia, ali envolvido, é óbvio que Guterres tem de se colocar ao lado da Carta das Nações Unidas. Já vimos os Estados Unidos a não ter em conta a atitude do Conselho de Segurança ou a atitude das Nações Unidas em geral, e decidir fazer uma ação unilateral, em 2003, no caso do Iraque, e viu-se que Kofi Annan tomou uma posição. Vimos no passado, Butros Ghali, que aliás acabou por não ser reeleito por causa disso mesmo, ter posições muito firmes que contrariaram a vontade dos Estados Unidos. Portanto, Guterres está numa situação difícil. Volto a lembrar, que houve um tempo em que a principal potência mundial, os Estados Unidos, estava liderada por alguém que não tinha o mais pequeno interesse pelo mundo multilateral e pela voz das Nações Unidas. Pensa-se aliás, que a nova Administração Americana, democrática, teve apesar de tudo uma atitude de maior respeito relativamente às Nações Unidas, embora não lhe desse tudo o que ela queria, em particular não pagasse as dívidas que os Estados Unidos têm para com as Nações Unidas e que hoje criam graves problemas ao próprio funcionamento da organização. Guterres disse a verdade, disse-o com as palavras certas e disse-o no momento certo. Era esta a altura também para avisar Israel que, independentemente da legitimidade da sua defesa face ao ataque terrorista do Hamas, não pode deixar de ter em conta a personalidade dessa mesma defesa e se tem direito à defesa, não tem direito à vingança.
Como é que crê que pode terminar esta nova crise no Médio Oriente? Primeiro que tudo tem de haver uma libertação dos mais de 200 reféns israelitas que estão em Gaza?
Acho que aqui há que fazer uma separação nos reféns. É triste dizê-lo, mas é assim. A tradição mostra que os reféns militares serão os últimos a sair. E já verificámos no passado que quando o Hamas tinha na sua mão militares israelitas acabou por fazer um trade-off. Vale a pena aqui fazer um pequenino parêntese, relativamente a esta ação do Hamas e a esta questão dos reféns. É absolutamente obsceno que se utilizem civis, homens, mulheres e crianças raptados violentamente de dentro de Israel e que agora se faça um trade-off como se a história começasse agora. Estamos perante uma situação que é absolutamente obscena e temos de olhar para o Hamas à luz desta obscenidade. Dito isto, é preciso resolver este problema. E resolver este problema significa fazer este trade-off. Na vida normal, quando há raptores e bandidos, a polícia fala com os bandidos, portanto, é preciso falar com o Hamas. O Hamas é o poder atualmente. Se calhar, para nossa tragédia, é o poder em toda a Palestina. Porque a Autoridade Palestiniana hoje vive sem grande capacidade de ser o interlocutor para todo este processo. Agora, como é que vamos fazer isto? Em primeiro lugar, vai ter esta saída que, eventualmente, o Hamas quer compensar com a saída de prisioneiros, dos tais seis mil prisioneiros que Israel tem. Não sabemos se Israel está ou não disposto a fazer isso. Mas aí o Hamas, que conseguiu com esta sua ação colocar-se no centro do processo, sabe que tem todo o mundo que tem lá reféns, não digo ao seu lado, mas, de certa maneira, desejosos de fazer sair os reféns.
Está a falar nisso porque há reféns com passaporte de outros países e muitos binacionais também. Acha que vai haver uma espécie de negociação caso a caso ou de grupos?
Não sei. Depende muito. O Hamas tem como interlocutor, neste momento, o Qatar, que é quem está a fazer a mediação. Não me parece que a Rússia esteja numa posição para poder ter qualquer ação como mediador, não me parece que a Rússia tenha hoje legitimidade política, à luz do contexto internacional que ela própria vive, para ser mediador. A Rússia está a levantar o dedo para se mostrar relevante no processo e para se mostrar num quadro mundial. Talvez não tenhamos esgotado completamente as possibilidades de mediação. O Qatar é uma coisa, fala-se na Turquia, mas a Turquia, depois de ter dado sinais de que queria mediar, já teve uma atitude que Israel considera profundamente hostil e que claramente a coloca, de certa maneira, num apaziguamento da dimensão do Hamas, que talvez não lhe dê um espaço grande para isso. Fala-se da China, fala-se sempre dessa ideia da China mediar, mas acho que o processo, neste momento, também tem muito a ver com outra coisa que vem aí, mais cedo ou mais tarde, que é a invasão terrestre do Hamas feita pelas tropas de Israel. E com as dimensões, em termos de efeitos colaterais, em matéria de vidas humanas, que isso tiver, com um impacto de visualização pelo mundo dessas mesmas condições.
Israel fala de mais de mil pessoas massacradas naquele dia 7 de outubro e chama à atenção que é o maior massacre de judeus desde a Segunda Guerra Mundial. E, portanto, há aqui esta ação para tentar acabar com o Hamas, mas também há aqui uma retaliação que tem de ter proporções. São os Estados Unidos o país que pode dizer a Israel, como já disse Biden, para acalmar a raiva?
Não há mais nenhuma entidade internacional que tenha influência sobre Israel, e mesmo os Estados Unidos têm uma influência, diria, relativamente limitada. Porque há um ponto importante. Os Estados Unidos são movidos, naturalmente, pelos princípios da sua política externa, mas são movidos, essencialmente, pelo seu lobby judaico interno, que se balcaniza entre os republicanos e os democratas. Mais, no passado, os democratas, curiosamente, e menos os republicanos, que foram aliás quem conseguiu, em determinados momentos, fazer a moderação entre Israel e o Egito, curiosamente, com um ex-terrorista primeiro-ministro de Israel, Menachem Begin, que tinha posto a bomba no Hotel King David, em Jerusalém, e que matou cento e tal pessoas. E, portanto, foram os republicanos que conseguiram fazer isto. Os americanos são os únicos que conseguem fazê-lo. Em primeiro lugar, conseguem porque financiam Israel, porque são quem dá armas de qualidade a Israel. Agora, mesmo para os Estados Unidos há um limite para isso, porque há muita gente no lobby americano, face a Israel, que é pelas soluções mais extremistas, que é pela saída dos palestinianos totalmente de toda a zona. Acho devo dizer, que Blinken e Biden se movimentaram bem. Blinken no início, tentando fazer corredores humanitários, Biden ao chegar, ao ter a coragem de ir até lá, vamos ser claros, depois falhou a questão do encontro com os egípcios e com os jordanos e com a Autoridade Palestiniana que estava prevista para Amã, por virtude do ataque ao hospital em Gaza. Mas teve a coragem de ir ali. Biden também fez outra coisa que acho positiva sob o ponto de vista da atitude americana, obviamente que desequilibra o mundo, mas é assim: Biden, ao decidir mandar a frota para a costa de Israel, dá um sinal importante para todo o mundo, que é o conflito não se expandir.
Deixe-me pegar naquilo que está a dizer, porque ia perguntar-lhe precisamente como é que se explica este envio de dois porta-aviões americanos para o Mediterrâneo Oriental, se é como um aviso de Biden a Hezbollah e ao Irão para não atacarem Israel? Como é a leitura que faz?
Acho que é um aviso ao Irão, acho perfeitamente que é um aviso ao Irão, e é um aviso, digamos, de uma forma geral aos países ali à volta para não se envolverem no conflito. Não acho que seja ao Hezbollah, porque Hezbollah é uma força que Israel sempre controlou. Vale a pena dizer também, olhando para o passado, que Israel sempre teve capacidade para atuar junto do Hezbollah. Hezbollah representa uma cunha que o Irão tem. O Irão tem três braços naquela área, no Médio Oriente em geral, no Iémen, na Síria e no Líbano e consegue, naturalmente, e agora viu-se também no Hamas que não era tão evidente no passado, e dá-se conta que o Irão move essas peças no sentido de promover os seus interesses. Neste ponto, explora aquilo que é a comoção da comunidade internacional perante o cerco aos palestinianos em Gaza. Agora, o Irão, se decidir atacar por si próprio, acho que corre um risco monumental, corre um risco não só de dar legitimidade a Israel para uma ação unilateral, em que o mundo ocidental ficará a sorrir placidamente, como dá mesmo um pretexto, e esse é mais grave do ponto de vista dos equilíbrios internacionais, aos Estados Unidos para fazerem uma ação de natureza unilateral.
E os Estados Unidos, que estão a apoiar fortemente a Ucrânia contra a Rússia, terão os mesmos meios para apoiar Israel em simultâneo?
Sim, porque aquilo são ações, são ações pontuais. Estados Unidos e o mundo ocidental, particularmente os países que eram subscritores do tratado relativamente ao não enriquecimento de Urânio no Irão, há muitos anos que dão sinais de que, na situação limite em que o Irão podia estar próximo de ter a bomba nuclear, estariam disponíveis ou para fazer um ataque pontual aos sítios de enriquecimento, que se sabe quais são. Porque, curiosamente, o Irão é subscritor do tratado de não-proliferação nuclear, a razão pela qual, de vez em quando, vai lá, com todas as dificuldades, a Agência Internacional de Energia Atómica. Já Israel, que tem a bomba atómica, não deixa entrar os inspetores da Agência Internacional de Energia Atómica. Portanto há uma espécie, diria, de uma atitude diferenciada relativamente à arma atómica. Considera-se que Israel pode tê-las, como tem a Índia no mesmo género, e considera-se que o Irão não pode ter. Dito isto, o Irão é considerado pelos países ocidentais em geral, pelos Estados Unidos e pelos outros países europeus, como um risco em relação a isto. E devo dizer que sempre achei que no dia em que o Irão estivesse próximo de ter a bomba, os Estados Unidos, ou Israel por eles com a complacência do mundo ocidental, fariam um ataque preventivo. E, portanto, acho que o Irão sabe que está a correr um grande risco. E se no passado, e em particular na Guerra da Ucrânia, pensámos sempre que a racionalidade no final acabaria por definir as ações, também pensámos sempre que Putin nunca correria aquele risco.
Mas enganámo-nos.
Enganámo-nos completamente e não sei se no Irão não nos podemos enganar.
De repente a comunidade internacional deixou de olhar para a Ucrânia e está focada em Israel. Isso joga a favor da Rússia e, por outro lado, deixa a Ucrânia aqui numa situação frágil, em que a própria opinião pública deixa de apoiar esta causa?
Esta situação do Médio Oriente, do conflito entre Israel e Hamas, surge num momento em que havia já um cansaço evidente na opinião pública ocidental relativamente à questão da Ucrânia. Mas era um cansaço que não estava explicitado. Dizia-se que setores nos Estados Unidos iam por essa linha, que dentro da Europa já havia quem olhasse a questão da Ucrânia com algum cansaço.
E pode haver um certo abandono?
Isto veio ajudar a Rússia a tirar a Ucrânia do spotlight, sem a mais pequena dúvida. Em que medida é que isto terá um efeito prático naquilo que é o apoio à Ucrânia? Não sei, mas claramente Zelensky não está num bom momento. Temos de ver que a guerra foi conduzida pelos ucranianos com uma expertise que vai dar lugar a grandes teses universitárias, e em termos de ação psicológica e ação de propaganda foi extraordinariamente bem feito. Ora, aquelas noites de Zelensky em que todos ouvíamos Zelensky, atualmente já não mobilizam ninguém, as pessoas estão a olhar para outras coisas e para outras tragédias. Mas isso é sempre o que acontece nas crises. Uma crise vai para outra.
No fim do dia, a Ucrânia pode ficar sozinha nos próximos tempos?
Não, sozinha não fica. Os Estados Unidos até às suas eleições têm uma grande dificuldade de deixar a Ucrânia. Poderão ainda dar os meios necessários para que a Ucrânia tenha uma capacidade de ação suficiente. E também não sabemos em que medida, embora as últimas semanas também nos tenham ajudado a tentar perceber um bocadinho isso, em que medida é que a Rússia tem ainda capacidades no sentido de, pelo menos, empatar o jogo.
Mas falando da Rússia, é óbvio que há uma estratégia em Moscovo para tentar usar este conflito entre Israel e Hamas para criar aqui uma lógica de Ocidente versus o resto. Ou seja, em que o Ocidente está claramente ao lado de Israel, o chamado Sul Global está do lado dos palestinianos e levarem essa narrativa também para a questão da Ucrânia, tentando atenuar aquele apoio maciço que houve nas Nações Unidas à condenação à Rússia. A Rússia tem capacidade para ter resultados nesta estratégia?
Parece-me evidente que ao longo destes anos a questão palestiniana tem sempre sido algo que mobilizou de forma afetiva os países do Sul. Não gosto da expressão Sul Global apenas pela razão que o Sul está tão dividido entre si. O Sul Global é uma questão instrumental, mas vamos simplificar, jogar com isso. O Sul Global desde sempre mostrou grande simpatia relativamente à questão palestiniana e nunca mostrou grande simpatia relativamente a Israel. E, por isso, mesmo a Rússia neste momento tenta, naturalmente, colar os Estados Unidos, ainda por cima com a visibilidade que os Estados Unidos tiveram nas movimentações de natureza militar e do apoio a Israel e que tem demonstrado desde o princípio desta crise, independentemente de poder ter aqui algumas reticências, nomeadamente a pressão para a questão da invasão terrestre. A Rússia vai procurar utilizar isso. Não sei se consegue ter alguns efeitos em termos da sua própria posição na Ucrânia relativamente a isso. Acho que a Rússia, com o quadro dos BRICS, com uma certa neutralidade naquilo que são os votos e as abstenções nas resoluções das Nações Unidas, já esgotou o seu mercado possível. Agora, acho que esta situação ajuda ao que disse, que é a criar o fosso entre os dois mundos. E o fosso entre os dois mundos, o mundo ocidental, o mundo nos últimos anos, está dividido não é entre os russos e os americanos, não, é quem está com os americanos ou ao lado dos americanos, ou próximo dos americanos, e o resto.
Vamos falar um pouco aqui da China. A China é um país que precisa de crescimento económico, precisa de globalização a funcionar, não quer esta guerra na Ucrânia, certamente também não quer este conflito agora no Médio Oriente. Ora, a China, que precisa da paz para ter prosperidade, tem alguma capacidade de interferir nesses conflitos ou ainda é uma superpotência limitada?
Se olharmos para o que foi o papel da China no Conselho de Segurança ao longo das últimas décadas, foi um parceiro silencioso. A China foi um parceiro silencioso, por exemplo, no Médio Oriente. Durante décadas não se ouviu falar da China e a única vez que se ouviu falar da China com algum relevo no Médio Oriente foi no acordo que conseguiu entre o Irão e a Arábia Saudita relativamente ao Iémen. E toda a gente ficou surpreendida, olha, a China afinal está aqui a jogar. A China tinha, como deixou intuir na sua pergunta, a paz e o silêncio, digamos, como a estratégia para o seu crescimento. Quem, pela primeira vez, deu conta de que este avanço no silêncio lhe era detrimental foi os Estados Unidos. Quando fui para os Estados Unidos em 2001, lembro-me, no princípio da presidência de George W. Bush, que só se falava da China. E porque é que se deixou de falar da China de um momento para o outro? Porque meses depois aconteceu o 11 de Setembro e os Estados Unidos começaram a olhar para o outro lado. A China era a questão essencial no início da administração de George W. Bush, os think tanks americanos tinham debates sobre isso e devo confessar que vinha aqui da Europa, achava aquilo um pouco bizarro, achava que era uma obsessão americana. Ora, essa obsessão ficou adormecida durante todo este tempo e regressou quando, precisamente pelas razões da natureza económica e pela noção de que a China estava a fazer algum proselitismo através da nova rota da seda, através de contratos que tinham feito em várias áreas. E são os Estados Unidos os primeiros a lembrar isso. A lembrar porque é do seu próprio interesse, e mais do que isso, de certa maneira a levar a Europa. Por exemplo, vamos olhar para as cimeiras da NATO e para as referências à China nas cimeiras da NATO. Elas vão crescendo e vão crescendo porque são os Estados Unidos que as vão impondo. O conceito estratégico da NATO tem lá a China em força, a bússola estratégica da União Europeia tem lá a China em força, e isso é uma conquista dos Estados Unidos. E isso, aliás, levou a Europa a esta tragédia que é, por um lado, ter a China como um grande parceiro económico, inclusivamente deu-lhe a mão, tal como aos Estados Unidos, para entrar para a Organização Mundial de Comércio, e depois, por outro lado, ter de perceber que a China é também um adversário, com dimensões além da questão puramente económica. O que é que os Estados Unidos têm? Dimensões estratégicas, dimensões tecnológicas, tudo isso. E neste momento, digamos, a China está, por um lado, a tentar aguentar aquilo que é o seu embate com os Estados Unidos, para o qual os Estados Unidos mobilizaram os seus parceiros asiáticos, que estão em pânico, desde a Austrália, que mudou completamente de perspetiva relativamente à China em meia dúzia de anos, ao Japão, que está a mudar, diria, quase epistemologicamente, um bocadinho como a Alemanha está a fazer na Europa. E, de repente, temos a China como um adversário dos Estados Unidos. Esta guerra, que não era, como disse, não é o tempo para a China ; a China vai para esta guerra na Ucrânia e faz, no fundo, a cobertura ao lado russo, mas não era isto que a China queria. Dito isto, a China percebe que, se calhar, o seu confronto inevitável, mais cedo ou mais tarde, com os Estados Unidos, apressou-se e está aí. Se o vai apressar, por exemplo, atuando em Taiwan ou não, ou jogando nas ilhas do Mar do Sul da China, não sabemos, mas também não sabemos em que medida é que os Estados Unidos estão dispostos a ir, agora que abandonaram relativamente aquilo que era a sua ambiguidade estratégica na relação com Taiwan, e estão mais assertivos nessa matéria. Vamos ver, mas a China é um ator importante, vamos ver se está interessada em meter-se nesta fogueira do Médio Oriente ou se está interessada em deixar queimar mais um terreno onde a sua capacidade de influência seria sempre muito limitada. Porque também não estou a ver que Israel olhasse para a China como um honest broker nesta negociação.
E enquanto não temos respostas da China, que tem sempre o seu tempo muito próprio, o mundo parece estar a partir-se em blocos. A própria globalização está em causa tal como a conhecemos e o próprio comércio internacional como o conhecemos com estes dois conflitos? Parece-lhe haver aqui um redesenhar, a muito breve trecho, desse roteiro que conhecemos da globalização?
Repare, não são só estes conflitos que criaram dificuldades à globalização. Se olharmos para aquilo que foi a agenda de Trump, nomeadamente em relação a todas as dimensões de natureza multilateral que estavam desenhadas no quadro da relação dos Estados Unidos, quer com a Ásia, quer com a Europa. Mas, por exemplo, com a Ásia, todos pensávamos que a estratégia americana, que era uma estratégia bem pensada e que, aliás, se houvesse uma administração Clinton, Hillary Clinton, tinha sido desenvolvida, a estratégia americana era trazer os parceiros asiáticos para uma espécie de um cerco à China de natureza comercial, etc. O que assistimos neste momento é que estes conflitos criam dúvidas e, mais que isso, criam algum nacionalismo económico e tudo isto ligado à questão das ruturas de natureza energética, às dificuldades que isso incluiu, desde já, no caso russo que, apesar de tudo, devo dizer que fiquei surpreendido com a capacidade como o mundo conseguiu reabsorver, em particular a Europa, a questão energética. Agora, o Médio Oriente, e aqui põe-se a tal questão que disse no início, que é que se a luta se alarga vamos ter claramente a questão energética em cima da mesa, mas é preciso perceber que os Estados Unidos saíram do Médio Oriente, porque a questão energética ali já não era importante para eles. E, por isso mesmo, aquele vazio que a Rússia aproveitou com a história da Síria, etc., tem muito a ver com a circunstância dos Estados Unidos, que são sempre muito rápidos a reagir em função dos seus interesses. De repente, saíram do Médio Oriente e deixaram sozinhos os seus parceiros, Arábia Saudita e outros tais, e a Rússia soube ocupar esse espaço de uma forma como nunca teve, diria, desde os tempos da relação com o Egito. A Rússia estava, depois do tempo da União Soviética, isolada no Médio Oriente e de repente apareceu como um parceiro, utilizou as bases que tinha na Síria e o porto que tinha. Se nos lembrarmos bem, entre os Estados Unidos e a Rússia havia, durante a Guerra da Síria, um diálogo permanente. Ainda me lembro do bombardeamento que os americanos fizeram a uma base onde havia russos e os americanos avisaram os russos que iam bombardear antes de lá irem. Quer dizer, havia assim um gentleman"s agreement nesta matéria.
A crise no Médio Oriente já está a afetar o preço do petróleo, aliás, há previsões que apontam para 100 dólares até ao final do ano, preço por barril, naturalmente. Pergunto se temos uma nova crise económica global? Já viu muitas destas crises, muitos destes cenários, está a temer essa situação?
A sensação que tenho é que há uns mecanismos de controlo, checks and balances, apesar de tudo, relativamente montados. Devo dizer que fiquei muito surpreendido com a capacidade da Europa, por exemplo, na recuperação no pós-covid, e do mundo em geral nesta história da crise energética provocada pelo isolamento da Rússia, pelos efeitos boomerang das nações. Achei que a Europa se comportou de uma forma notável e que apesar de tudo, não obstante os efeitos sobre as taxas de juros, não obstante os efeitos sobre a inflação, acho que já há mecanismos mais sólidos. E depois, na questão dos bancos, na questão das dívidas soberanas, foi possível montar mecanismos que aparentemente sabem responder às coisas. Agora, a realidade tem muito mais imaginação do que os homens.
Vamos falar um pouco de Portugal neste mundo complexo. Como é que um pequeno país como Portugal pode agir? Temos de apostar num reforço da União Europeia ou temos de apostar muito em estar ao lado do nosso aliado tradicional, os Estados Unidos?
Acho que as duas coisas não são necessariamente incompatíveis e acho mesmo que no passado Portugal deu sempre mostras dentro da União Europeia de ser favorável, digamos, à preservação do laço transatlântico. Porque, para já, não mudámos de sítio. Ao longo destes anos estamos sempre no mesmo sítio e esse sítio é o Atlântico. A relação com os Estados Unidos é uma decorrência natural do nosso posicionamento. No passado tínhamos uma espécie de um aliado tático do plano estratégico, que era o Reino Unido, mas o Reino Unido abandonou a União Europeia e percebemos que dentro da União Europeia, digamos, o centro de gravidade foi um pouco para leste. Acho que devemos continuar a considerar importante a relação com os Estados Unidos porque, em primeiro lugar, os Estados Unidos, independentemente dos altos e baixos de que não estávamos à espera, nomeadamente com o tempo de Trump, são apesar de tudo uma nação historicamente importante e que mantém um conjunto de princípios e valores, no essencial da sua ação externa, que são similares aos nossos. E, por outro lado, também a noção de que a Europa, sozinha, e cada vez mais na minha opinião por meio das dúvidas sobre a capacidade da Europa se expressar politicamente, a Europa cada vez mais não consegue atuar ou ter qualquer papel relevante no campo internacional. Estamos a ver o que está a passar em África e a sua decrescente relevância em África sem os Estados Unidos ao lado. Dito isto, temos sempre uma dificuldade na relação com os Estados Unidos, porque os Estados Unidos são hegemónicos, não apenas na sua ação mundial, mas na sua ação com os aliados. E da mesma maneira que havia aquele secretário do Tesouro americano que dizia que o que é bom para a General Motors é bom para os Estados Unidos, nem sei, às vezes, se o que é bom para os Estados Unidos é bom para os aliados dos Estados Unidos. Os Estados Unidos têm a sua estratégia própria, por exemplo, no caso da China foi muito evidente que a Europa não se revê totalmente na maneira como os Estados Unidos olham para a questão chinesa e, portanto, temos de olhar para os Estados Unidos como um parceiro indispensável, mas um parceiro crítico, e temos de manter sempre esta atitude crítica. Portanto, apostar na União Europeia é fundamental, embora veja a evolução da União Europeia com um deslaçar, para utilizar uma expressão simples da culinária, da identidade política e da capacidade de atuar politicamente em relação aos grandes passos no plano mundial. Dito isto, acho que a União Europeia continua a ser um fator essencial para trabalhar num conjunto de princípios e de valores, muitas vezes, e acho que Portugal tem obrigação de estar com uma voz com alguma coerência. Ao longo dos vários ciclos políticos em democracia, desde 1974 e em particular desde 1986, temos visto que Portugal tem uma posição mais ou menos comum, com algumas nuances para um lado ou para o outro. Costumo dizer no Ministério dos Negócios Estrangeiros uma frase que eles não gostam, que é dizer "dado que não temos grandes interesses, temos pelo menos a possibilidade de ter grandes princípios". E mantemos os princípios como um elemento básico da nossa ação externa. E somos vistos por isso, somos olhados no mundo como um país previsível, que é um valor fundamental para um país da nossa dimensão. Somos um país previsível. Sabe-se onde é que Portugal está em Direitos Humanos, na relação com África, na relação transatlântica, no empenhamento na questão europeia, viu-se isso agora na questão da Ucrânia. Portugal é um país previsível. Isso é um valor muito grande e acho que o mundo nos aprecia assim.
O aliado americano e a NATO em geral, exige também que se cumpra os 2% do PIB em defesa. E esta semana, no Nuno Severiano Teixeira, que foi Ministro da Defesa...
E que presidiu ao Conselho, a comissão que lançou o novo Conselho de Estratégia de Defesa Nacional, e eu fiz parte dessa comissão e os 2% estão lá. Os 2% estão lá, vale a pena ver o wording dos 2%. Os 2% estão lá porque Portugal, não porque a comissão entendesse que os 2% são importantes, porque não temos os elementos, digamos, técnicos, mas porque consideramos que o compromisso que Portugal tem no quadro NATO para ir atingir os 2% é um compromisso válido para aquilo que demonstra a ligação de Portugal.
A questão é se é já ou só em 2030.
Acho que tem de ser em função daquilo que seja o equilíbrio global. Vamos lá ver, ninguém está à espera dos 2% de Portugal na NATO, vamos ser claros. O que se está à espera na NATO é dos 2% da Alemanha ou se possível 3%. O que se está à espera é dos grandes países europeus, que são quem contribuem. Não é os 2% de Portugal que fazem a diferença aí, mas há o processo da coerência, a questão da coerência. Mas aí todos temos de perceber como frágil é Portugal, e volto a lembrar uma realidade de que as pessoas não gostam de lembrar, mas somos o país mais pobre da Europa Ocidental. Continuamos a ser, há muitos anos, o país mais pobre da Europa Ocidental. Temos dificuldades, tivemos dificuldades agravadas pelo resgate financeiro, temos dificuldades ao nível do cumprimento de algumas políticas públicas essenciais para o bem-estar do país e, por isso mesmo, acho que Portugal deve procurar todos os mecanismos, em termos de flexibilidade, relativamente ao cumprimento dos 2%. E por isso estou de acordo que possa avançar até 2030.
O dinheiro pode fazer falta para a Educação, para a Saúde e não ir já para a Defesa?
Pode e não é só isso. Além do mais, os 2% que Portugal tem do seu orçamento para a NATO são uma gota de água no quadro NATO. Vale a pena dizer isso. E além do mais, também vamos ser agora claros, os esforços que fizemos relativamente à Ucrânia, que foi desproporcionado, mas que aliás teve a vantagem de nos dar uma radiografia sobre o estado do país em matéria de forças armadas e em matéria de equipamentos. Agora temos a possibilidade de dizer que fizemos este esforço à luz daquilo que nos foi pedido, com todo o sacrifício que nos foi pedido, com dificuldades, inclusivamente no quadro militar que sabemos que existem, e estamos a ver a quantidade de pessoas que sai das Forças Armadas e a dificuldade que temos em recrutar pessoas para as Forças Armadas, com esta ideia inclusivamente de ter estrangeiros nas Forças Armadas, que é uma coisa que nunca pensei bem sobre o assunto, mas que à partida, digamos, me cria alguma reticência. Dito isto, acho que Portugal deve explorar todas as possibilidades em termos de flexibilidade, mas mantendo-se, obviamente, com esse princípio, com esse objetivo no fundo da linha.
Uma pergunta agora mais a nível global, mas que nos afeta a todos, incluindo Portugal. Estes conflitos dividem o mundo, põem as potências com dificuldades em falar umas com as outras, por exemplo, em desafios comuns como o aquecimento global, que estão adiados.
Sim, porque há aqui um ponto importante nesta crise e em particular agora com a questão do Médio Oriente em cima dela, mais até do que no passado. O grande esqueleto da sociedade internacional e de que os Estados Unidos são, aliás, o principal autor, é o mundo multilateral, particularmente o conjunto de instituições multilaterais que foram criadas ou desenvolvidas após a segunda guerra mundial, essas são hoje o esqueleto global. Elas estão em crise, sabemos que há uma falta de legitimidade de vários órgãos dentro das Nações Unidas, sabemos que as instituições de Bretton Woods estão hoje com sub-representação, como aliás se vê no mal-estar que é evidente no caso do G20, mas temos de perceber que se perdemos este esqueleto e se o deixamos estragar, perdemos a capacidade de ter espaços de diálogo e plataformas para as pessoas falarem. E, por isso mesmo, devemos manter-nos, essencialmente na tentativa de preservar o mundo multilateral, não como ele existe, mantendo reformas críticas relativamente a muitas dessas áreas, mas preservando esses espaços de manobra. Porquê? Porque o mundo multilateral é a única esperança de que o futuro do mundo não fique decidido entre grandes potências e que os outros não se sintam completamente irrelevantes no diálogo internacional. O mundo multilateral permite que pequenas e médias potências, pequenos e médios poderes, possam ter uma voz e possam juntar a sua voz e ser ouvidos em determinados momentos. Às vezes não conseguem, às vezes os parceiros, como se viu no Iraque em 2003 com os Estados Unidos, vão por si próprios, e agora como se viu na Rússia em 2022 que rasgou tudo aquilo que era o seu compromisso com o mundo de diálogo diplomático e avançou, invadiu a Ucrânia. Temos de viver com isso, mas não significa que deitemos fora a criança com a água do banho, vamos pôr uma leitura crítica do mundo internacional, vamos tentar criar alguma racionalidade para a mudança desse mundo internacional para o tornar mais legítimo, mas acho que apostar nas instituições multilaterais é o elemento central, a meu ver, da luta nos próximos tempos. E acho que esta questão do Médio Oriente, e mais do que isso, o que se passou com o engenheiro Guterres, é a meu ver paradigmático. Temos de perceber se as Nações Unidas são uma voz em que o secretário-geral, que diz aquilo que a carta diz, e que pura e simplesmente reflete aquilo que é o sentimento de muitas Nações Unidas, vale a pena dizer, que o Engenheiro Guterres, ao dizer o que disse, está a repetir aquilo que é um sentimento maioritário, altamente maioritário na Assembleia Geral.
No final do dia, acredita realmente que é possível um acordo neste conflito Israel-Palestina?
Já vivemos o suficiente, eu tenho a idade de Israel exatamente, e já vivemos o suficiente destas guerras. Comecei a ouvir falar de Israel quando tinha 16 ou 17 anos, quando foi a Guerra dos Seis Dias, depois a do Yom Kippur, e tenho acompanhado. Tenho o privilégio, se assim se pode dizer, de ter sido o primeiro diplomata português a ir em missão oficial a Israel, numa missão técnica. E estava em Israel, estava em Gaza a jantar com o doutor Mário Soares e Arafat, na noite em que mataram Yitzhak Rabin, com quem tínhamos almoçado na véspera.
E o que viu nestes anos todos fá-lo ser pessimista ou otimista?
Faz-me ser pessimista. Acho que na vida internacional, mesmo sendo diplomata e pensando que as questões se resolvem diplomaticamente, nem sempre é possível resolvê-las diplomaticamente. Portanto, às vezes, a única solução para os conflitos é mantê-los com o mínimo de intensidade possível e acho que esta questão Israel-Palestina não tem, digamos, uma solução viável. A questão dos dois Estados, etc., é, a meu ver, para encher conversa. Israel não aceita a solução dos dois Estados, ponto. Há vários setores que apoiam Israel nos Estados Unidos que não aceitam a solução dos dois Estados e, portanto, é uma coisa muito bonita para falar, mas na prática é praticamente impossível de implementar. Portanto, a solução de criar ali algum apaziguamento e de reduzir a tensão, a União Europeia depois vai pagar isso com cheques quando for reconstruir Gaza. Já sabemos o que é, a União Europeia tem o chamado Óscar para o melhor ator secundário no Médio Oriente, porque nunca consegue ter papel nenhum, porque os Estados Unidos também não deixam. Os Estados Unidos são hegemónicos na questão do Médio Oriente e mantêm a União Europeia fora e, portanto, vamos ter aqui um apaziguamento possível, mas não acredito que haja uma solução.
Vai reunir as suas experiências pelo mundo num livro que será muito em breve lançado. O que é que nos vai dar a ler?
É um pequeno calhamaço de 700 páginas, que espero que as pessoas comprem para o Natal e em que conto um bocadinho aquilo que foi a minha experiência em vários aspetos, desde a política interna, quando fui secretário de Estado, até ao tempo em que andei pelo mundo como diplomata. Pequenos episódios, alguns mais humorísticos, outros mais sérios, alguns recortes de algumas personalidades que pude observar, sempre na perspetiva de que um diplomata ou um secretário de Estado, que não é um ministro, é um ator secundário no processo. Tenho esta consciência em todo o livro e, portanto, sou às vezes um ator, sou às vezes um ator secundário, sou às vezes apenas um figurante. Estive e fui atento àquilo que se passou ao longo dos quase 40 anos em que estive na diplomacia e é essa experiência que fiz em pequenos retratos que são fáceis de ler. Até porque o livro pode abrir-se em qualquer sítio, porque não tem qualquer ordem. No final do livro há coisas passadas em 1975, no início há coisas passadas em 2020, portanto, está tudo misturado, o livro abre-se em qualquer sítio e acho que pode ser um bom contributo para olhar a política internacional com algum humor e tentando o mais possível não ser cínico. Além disso, tem a grande vantagem, não sendo um livro de memórias, de não ter ressentimentos, não digo mal de ninguém, nem me queixo de ninguém. Chama-se Antes Que Me Esqueça e tem o prefácio do Jaime Gama. Estará nas livrarias a partir de 21 de novembro.
