"Fraude nas urnas é a grande mentira que está a ser contada desde 2018"
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O número de mensagens recebidas pela Agência Lupa para verificar se conteúdos são fake news multiplicou-se por seis em apenas três meses. O coordenador de jornalismo desta que é uma das agências de fact checking mais antigas do Brasil não tem dúvidas em apontar o dedo à extrema-direita e revela que a maior mentira que circula é mesmo a de uma eventual fraude eleitoral.
Se há coisa que se aprende na lição número dois de jornalismo é que o jornalista não deve ser notícia. No entanto, como em tudo na vida, há exceções à regra, e o facto de o jornalismo ser um agente ativo e fundamental nas eleições brasileiras deste ano não é possível ignorar.
À mesa de um boteco de Copacabana, Chico Marés pede um chope para começo de conversa. Ele é coordenador de jornalismo da Agência Lupa, um órgão de comunicação criado em 2015 para verificar factos e promover a literacia mediática, ela que é tão necessária neste momento do Brasil como os próprios números vêm provar.
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"O número de denúncias e mensagens diárias que recebemos multiplicou por seis desde julho, seis vezes mais. A gente até tem dificuldade em lidar com tanta coisa, é um mar de coisas que nos chega todos os dias", nota o jornalista natural de Curitiba.
Não é de hoje que o tema das fake news é prioritário neste país, de resto, já houve uma comissão parlamentar de inquérito sobre isso, livros e mais livros publicados, e, claro, manchetes. Ainda no domingo, a uma semana da votação do segundo turno, o jornal O Globo puxava à primeira página que o "alcance das fake news na eleição supera o da informação".
Chico Marés não estranha e sabe a quem apontar o dedo: "Atualmente, a gente vê que a extrema-direita no Brasil tem uma máquina de produzir desinformação, algo muito organizado e muito focado. Cada conteúdo desinformativo, especificamente, vai acabar a ser uma pedrinha na construção de uma grande narrativa".
"A gente já vê essa máquina a operar há muitos anos e, naturalmente, vai haver muito mais conteúdos falsos tentando desacreditar o Lula do que o Bolsonaro. Mas isso não quer dizer que não haja desinformação sobre o Bolsonaro, há e há bastante", revela Chico Marés notando que "a desinformação não é só sobre candidatos", mas também sobre temas morais e religiosos, envolvendo questões como o aborto ou orientação sexual e identidade de género.
Ainda assim, o jornalista elege como "o mais grave de todos" o ataque à eleição em si e ao processo eleitoral. Somando-se as figuras dos ministros que fazem parte da corte, especialmente Alexandre Moraes e o Lúcio Alberto Barroso. "Estas pessoas são um alvo muito constante e, desta desinformação específica, 99% vem do lado do Bolsonaro".
"O que há de mais grave hoje não é um conteúdo específico, é a narrativa de que existe fraude nas urnas. Isso é a grande mentira que está a ser contada desde 2018. Os elementos e o conteúdo específico muda a cada momento, primeiro vai ser um vídeo X com uma afirmação, [depois] Y vai ser uma lista falsa onde foi comprovado roubo... mas a grande narrativa desinformativa é essa ideia de que há uma fraude nas eleições, é a maior e mais perigosa", realça.
E a mentira pega. Grupos de WhatsApp e de Telegram a que a TSF teve acesso mostram, com alguma frequência, mensagens a apelar ao descrédito das instituições e, consequentemente, a ações contra elas. É o caso do TSE, o Tribunal Superior Eleitoral, ou o STF, o Supremo Tribunal Federal.
Depois, há as outras fake news que parecem mais descabidas mas que ainda agora fazem caminho na internet, ressalvando que o seu "padrão de inacreditável" já está num patamar muito baixo. No entanto, Marés aponta um episódio com o candidato Lula da silva com uma "desinformação que não vem da campanha, vem do começo do ano, mas continua a aparecer e é um vídeo do Lula a dizer que tem um pacto com o demónio".
Ora, o que aconteceu foi que "ele estava a fazer um pronunciamento e disse que as pessoas diziam que ele tinha um pacto com o demónio". Em seguida, "tiraram o trecho e publicaram isso no WhatsApp e no Facebook", diz Chico Marés impressionado pelo facto de ter viralizado de tal forma que ainda hoje continua a aparecer "o tempo todo".
Em síntese, o jornalista destaca que "há várias teorias da conspiração sobre fraude nas eleições, esse tipo de coisas relacionando o Lula ao demónio, depois muita desinformação relacionando Bolsonaro à maçonaria, mas geralmente muitas questões sobre o nosso período eleitoral, sobre o STF, sobre o processo eleitoral e sobre os candidatos, normalmente é isso que mais pega". E a julgar pelas redes sociais, há mesmo quem genuinamente acredite nestas mentiras.
