Ganhar a vida a inventar línguas para "A Guerra dos Tronos"? Sim, é mesmo uma profissão
Alguma vez parou duas vezes para pensar nas línguas fictícias que ouvimos as personagens falar no ecrã? Já lhe passou pela cabeça que têm mesmo regras e gramática próprias, tal como as línguas verdadeiras?
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Pode soar estranho, mas, sim, há mesmo pessoas pagas especificamente para criar as línguas fictícias faladas nos filmes e séries de televisão. Linguista de formação, há anos que David J. Peterson ganha a vida a inventar novos idiomas.
Ao longo da carreira, Peterson já criou mais de 50 línguas fictícias para projetos televisivos e cinematográficos. É ele o responsável pela existência do 'Valyrian' e do 'Dothraki', duas línguas faladas na aclamada série "A Guerra dos Tronos".
Foi através de um concurso online que David conseguiu entrar no mundo de uma das maiores séries de todos os tempos. Os produtores de "A Guerra dos Tronos" lançaram uma competição para escolher quem iria criar o idioma falado pelos personagens do povo nómada do Mar de Dothraki. E David concorreu, à semelhança de muitos outros criadores de línguas.
Pegou em algumas das frases que George R. R. Martin, o autor dos livros "As Crónicas de Gelo e Fogo" - nos quais se baseia a série, e criou uma linguagem própria
"Passava o tempo todo - às vezes, até 18 horas por dia - a trabalhar na língua. Ao fim de um mês, tinha mais de 300 páginas de material, incluindo gramática, traduções e provérbios tradicionais", conta em entrevista à CNN .
David acabou por vencer a competição e foi convidado pelos criadores da série a inventar também os vários dialetos de Valyrian falados pelas várias regiões do universo em que a série tem lugar.
Como se cria uma língua fictícia?
Ao contrário do que se possa pensar, os atores não emitem simplesmente sons desconexos e formam frases sem qualquer sentido, quando falam uma língua inventada num filme ou numa série. Na realidade, falam, sim, idiomas linguisticamente corretos, com regras de gramática concretas.
Segundo David J. Peterson demora entre seis meses a um ano para construir uma gramática desenvolvida, mas, dados os prazos das produções televisivas e cinematográficas, o linguista costuma ter de fazê-lo em muito menos tempo.
Tudo começa com a decisão dos sons a usar e como combiná-los para formar sílabas e palavras. "Quando já tens essa informação, podes criar, manualmente ou através de um programa, um número infinito de palavras possíveis", nota Peterson.
Depois, há que ensinar a fonética e a dicção da língua àqueles que a vão falar. Para ajudar os atores a pronunciarem corretamente as palavras em Valyrian e Dothraki, David faz gravações áudio de cada fala presente no guião em cada uma das línguas fictícias, e deste modo, a que os atores consigam reproduzi-la.
E o linguista até confessa quem é o melhor falante de línguas fictícias entre o elenco: "O Jacob Anderson [que interpreta o general do exército dos Imaculados, Verme Cinzento] "é o melhor ator que eu alguma vez vi a falar uma língua criada". "Ele é o melhor. Adoro ouvi-lo falar", revela.
Do ecrã para o mundo real
Hoje, o Valyrian conta com cerca de 2000 palavras oficiais. O Dothraki tem mais de 4000 palavras oficiais. E há já muita gente a falá-las fora do mundo da ficção...
A Duolingo, uma plataforma online de ensino de idiomas, disponibiliza formação nestas línguas ficcionais para quem quiser aprendê-las. O curso de Valyrian, por exemplo, já conta com 1,2 milhões de alunos - só no Reino Unido, há mais de 100 mil pessoas a aprender a língua, um número superior ao da quantidade de cidadãos do país que falam as línguas tradicionais da Irlanda e da Escócia.
Com o advento da internet, a aprendizagem de línguas ficcionais tornou-se uma possibilidade real para muitos fãs de filme e séries de culto. Algumas das mais conhecidas são o Klingon, a língua falada em "Star Trek" - que tem reunido um grupo impressionante de falantes desde a década de 1990, com o criador da língua, Mark Okrand, ainda a lançar regularmente novas palavras - e o Na'vi, falado em "Avatar", o sucesso de bilheteiras de James Cameron.
E se podemos admitir que aprender uma língua fictícia terá pouco valor prático na vida de uma pessoa, a verdade é que pode trazer algumas vantagens. Além de oferecer aos aos fãs uma forma de interagirem uns com os outros e de desenvolverem os seus interesses, pode mesmo ser uma ferramenta para facilitar a aprendizagem de línguas reais.
"Estudar uma língua inventada que ninguém fala ajuda-te a melhorares as tuas capacidades de aprendizagem de outros idiomas reais, uma vez que estás a trabalhar a mesma parte do cérebro", explica David J. Peterson. "Quantas mais línguas aprendes, mais fácil se torna aprender outras."