Garantia de Bruxelas sobre migrações: “Obviamente, monitorizamos os nossos programas no terreno"
A Comissão Europeia admite que não controla a forma como os países terceiros usam a força, na gestão dos fluxos migratórios
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A Comissão Europeia reconhece a existência daquilo a que chama de “desafios”, na implementação das parcerias com países do norte de África, que incluem, entre uma gama “ampla” de aspetos, a gestão dos fluxos de migrantes africanos para a União Europeia (UE).
Diversos jornais de vários países, aliados da organização Lighthouse Reports, relataram, na terça-feira, a forma como os migrantes são tratados pelas autoridades de países como Tunísia, Marrocos e Mauritânia. Está em causa a atuação das autoridades desses Estados. A reportagem dá conta de situações de clara violação dos direitos humanos.
Em declarações aos jornalistas, em Bruxelas, a porta-voz da Comissão Europeia para a política de vizinhança e parcerias internacionais, Ana Pisonero afirma que Bruxelas está vigilante e a monitorizar a situação, admitindo que esta é desafiadora.
“Obviamente, monitorizamos os nossos programas no terreno”, afirmou, quando questionada se a Comissão está ciente da situação relatada pela imprensa. “Temos diferentes meios de o fazer: os nossos parceiros são os primeiros a enviar-nos relatórios sobre a situação no terreno; temos também as nossas missões, as nossas verificações de auditoria”, detalhou, considerando que “é muito claro que o equipamento e a formação são definidos para os fins a que se destinam”.
No entanto, a porta-voz reconhece que a atuação das autoridades no terreno foge ao controlo de Bruxelas. “Os nossos parceiros nacionais continuam a ser Estados soberanos e continuam a controlar as suas forças nacionais”, frisou, destacando, porém, que “eles também concordam em cooperar na base do respeito pelo direito internacional e pelos direitos humanos”.
A investigação da Lighthouse Reports e um consórcio de jornais internacionais, realizada “durante um ano”, revelou como a União Europeia e países europeus individualmente “estão a apoiar” e “financiar operações agressivas” por parte de governos no Norte de África “para deter dezenas de milhares de migrantes anualmente”, que são posteriormente “abandonados” em áreas remotas, e mesmo na aridez do deserto.
A reportagem refere que os fundos europeus têm sido utilizados para treinar pessoal e comprar equipamento para unidades implicadas em situações que configuram abuso de direitos humanos, como demonstram registos de vídeo e as entrevistas realizadas.
Assegurando que os representantes da União Europeia estão “empenhados no terreno”, Ana Pisonero salienta que Bruxelas está coordenada com diferentes organizações humanitárias junto dos migrantes. “Estamos a trabalhar o ACNUR, estamos a trabalhar com a OIM, estamos também a trabalhar com ONGs internacionais no terreno para tentar prestar assistência às pessoas necessitadas”.
“Continuamos envolvidos no terreno para estabelecer um diálogo mais estruturado, com o objetivo de criar sistemas de gestão de migração baseados em direitos”, sublinhou.
O consórcio descreve que entre 2015 e 2021, a UE forneceu mais de 400 milhões de euros à Tunísia, Marrocos e Mauritânia através do seu maior fundo de migração: o Fundo Fiduciário de Emergência da UE para África, numa iniciativa destinada a fomentar o crescimento económico local e a conter a migração.
Adicionalmente, a UE financiou dezenas de outros projetos “difíceis de quantificar e rastrear”, refere a reportagem, que aponta a falta de transparência no sistema de financiamento da UE.
No ano passado, para ligar com o aumento da migração irregular, a Europa intensificou as parcerias no Norte de África, oferecendo mais 105 milhões de euros à Tunísia e assinando um acordo em fevereiro com a Mauritânia para fornecer mais 210 milhões de euros.
A porta-voz afirma que o memorando de parcerias com países terceiros têm também como objetivo abordar as condições em que os migrantes são tratados nos países de trânsito para a União Europeia e, nesse sentido, reconhece que “há desafios em muitos dos países parceiros”.
“Eles são os primeiros que têm de lidar com isso, é por isso que estamos a cooperar com eles”, afirma, esclarecendo que “quando se cita o memorando com a Tunísia ou com o Egito, ou com outros países, estas não são parcerias de migração”.
“São parcerias muito mais amplas”, vincou a porta-voz, frisando que “a migração é apenas uma das áreas em que também estamos a cooperar com os nossos países parceiros”.