António Costa Silva está preocupado com o modelo económico europeu e recorda Conselhos "muito burocráticos com os 27 ministros sentados à volta da mesa. Cada um leva o discurso escrito, lê e há pouco debate". Uma conversa com o ex-ministro da Economia sobre o potencial do país, mas também sobre a Europa e o mundo
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Professor aposentado do IST, trabalhou na área dos petróleos durante muitos anos, primeiro na Sonangol, em Angola, onde nasceu, militou politicamente, foi preso pelo MPLA em 1977, sobreviveu à tortura e escapou a um fuzilamento, foi libertado após duas greves de fome. É mestre em Engenharia de Petróleos pelo Instituto Superior Técnico e pelo King's College de Londres e doutorado pelas duas universidades. Trabalhou e presidiu à Partex, a empresa de petróleos da Fundação Calouste Gulbenkian. Foi ministro da Economia e do Mar no governo de António Costa, o XXIII Governo constitucional.
António Costa Silva, obrigado por ter vindo à TSF. Quem passou o que o António passou na prisão em Angola deveria aguentar calma e tranquilamente coisas aborrecidas…chatas. Porque é que as reuniões do Conselho de Ministros da Economia da UE sempre lhe pareceram “muito burocráticas, previsíveis, estereotipadas e maçadoras?”
Foi pra mim uma surpresa conhecer pelo interior o funcionamento da União Europeia (UE). Escrevi este livro para dar conta da minha experiência enquanto Ministro da Economia e participando nesses conselhos que são supostos ser conselhos da competitividade para discutir, exactamente, os problemas da economia europeia, mas são conselhos muito burocráticos com os 27 ministros sentados à volta da mesa. Cada um leva o seu discurso escrito, lê e há pouco debate. Eu não levava nenhum discurso escrito de antemão, mas tentava suscitar os debates sobre as questões da competitividade da UE. Quando nós olhamos para os números, eles são preocupantes, porque em 2008 o PIB da UE era semelhante aos Estados Unidos (EUA), era das regiões mais ricas do mundo na altura e, neste espaço de tempo, perdemos cerca de 20% do PIB quando comparamos com os EUA. É uma diferença abissal em menos de 20 anos. Portanto, alguma coisa está mal com o modelo económico europeu que não cresce. A economia está estagnada. Quando olhamos para as 20 maiores empresas tecnológicas do mundo, só temos uma europeia. No processo de inovação, a UE investe muito dinheiro, mas não está desde há 20 anos a funcionar como deve ser, aliás, também foi uma das críticas da Universidade de Bocconi e da Universidade de Toulouse com o Jean Tirole, que é Prémio Nobel da Economia, que fez em Abril de 2024 um grande relatório sobre isso e que o Mário Draghi depois veio a retomar. E depois, quando se olha para a inteligência artificial, só 7% das patentes mundiais hoje, na inteligência artificial, são europeias. Quando olhamos para o software e as indústrias de software criam muito valor, os Estados Unidos dominam o mercado mundial com 75% de share, a União Europeia tem 6% e, portanto, tudo isto eu tentava suscitar.
Chegou mesmo a falar em esclerosamento da Europa. Procurou sensibilizar os seus colegas europeus. O que é que transmitiu, por exemplo, a Mário Draghi? Já o citou, ele estava na altura a preparar o famoso relatório, a deu o nome.
Sim, nós tivemos várias interações com o Mario Draghi em sessões de trabalho do Conselho da Competitividade. E aí realmente as coisas foram diferentes porque eram sessões abertas a inscrições. Podíamos debater tudo e o que eu suscitei nessas interações com o Mário Draghi, foi: primeiro, o funcionamento do mercado único europeu não está a funcionar, por exemplo, na área da energia. Continuamos com a Península Ibérica separada da Europa. As interligações são 3% ou menos e, portanto, expliquei isso ao Mário Draghi e aos meus colegas. Eu várias vezes no início deste século, fui convidado pelos deputados portugueses ao Parlamento Europeu para ir discutir a política energética da Europa. Levava um mapa comigo, mostrava a dependência atroz da Alemanha e dos países do Leste e do centro da Europa do gás russo e defendia que a Rússia devia ser um parceiro estratégico da Europa mas, acrescentava: “convém não ficar refém da Rússia porque o Presidente Vladimir Putin tem um projeto imperial para restaurar o antigo Império russo”. Aliás, é curioso que o Lavrov, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, diz que os três grandes conselheiros do Putin são o Ivan o Terrível, o Pedro Grande e Catarina, a Grande. A minha ideia foi recusada liminarmente com a tese de que ‘a Rússia era é um parceiro fiável’, e eu dizia, ‘atenção, isso foi a União Soviética. A Rússia é diferente’…
E ninguém o ouviu…
Não ouviram e, portanto, a situação hoje é dramática. Vamos tentar não repetir duas vezes o mesmo erro. Nós temos Hoje em Portugal e na Espanha, um dos grandes centros de energias renováveis da Europa. Se as ligações para o resto da Europa funcionarem, podemos exportar energia e será importante para o projeto europeu, mas continuamos a discutir (e a não fazer). E depois há a questão da obsessão regulatória. Portanto, eu fiz um levantamento com os meus serviços no governo. Nos últimos quatro anos, a União Europeia tinha produzido 3500 regulamentos! 3500! Como é que uma empresa europeia vai funcionar com esta quantidade de regulamentos? Isto é uma obsessão que depois asfixia a economia. E depois há ainda a questão do fosso tecnológico. Os números que antes mencionei das patentes do software; há um problema realmente com a inovação da Europa. Chamei também a atenção do Mário Draghi nessa altura para a dependência das matérias primas críticas e da existência de minas de lítio em Portugal, que são das maiores da Europa e que era, portanto, também haver um apoio aos próprios recursos internos em matérias críticas que a Europa tem, como é o caso de Portugal. E ele felizmente capturou esse algumas dessas ideias e colocou-as no seu relatório.
Mas fala também na forma como o Governo alemão reagiu ao relatório.
Foi o ministro das Finanças. Disse que não era possível, portanto, acho que o Mário Draghi propunha um investimento de 800 mil milhões de euros e ele diz que não era possível e, portanto… entretanto, esse ministro já se demitiu. O governo mudou, mas achei graça à reação imediata e essa reação foi feita sem sequer ler o relatório, de certeza, porque foi exactamente na hora em que ele foi comunicado que ele teve essa reação completamente destemperada.
Uma reação de um país com o peso da Alemanha, provavelmente para matar logo à nascença o relatório do Draghi?
Sim claro, claro, para anular completamente. Mas repare Ricardo, se me permite, nós temos aqui a Europa confrontada, sobretudo a partir de 2020, perdeu os seus três grandes pilares: perdeu o seu modelo económico, a Europa está estagnada. Arriscamos a entrar num período de japonização da economia. Em segundo lugar, perdeu o seu modelo energético porque a indústria alemã e muita da e europeia dependia do gás barato russo e, portanto isso colapsou; e perdeu o seu modelo de defesa, com o fim da proteção do guarda-chuva norte-americano. E face a estes 3 choques, que é um choque económico, um choque geopolítico, um choque na área da defesa, a Europa tem que reagir e, no entanto, a Europa continua com o mesmo registo. E eu detetei isto no funcionamento, sobretudo da nomenclatura Europeia em Bruxelas. A Europa foi flagelada por um conjunto de crises. Ainda não recuperou, sobretudo do ponto de vista mental, da crise financeira de 2008, depois a crise das dívidas soberanas, o Brexit também teve um impacto, a crise do COVID e depois a guerra. E os dirigentes europeus estão no modo de gestão de crise, portanto, a defender o status quo, com pavor da fragmentação, do género ‘temos é que manter isto como está’. Mas nesta altura isso já não dá. Nós temos que rever as bases do projeto europeu. E eu sou profundamente europeísta. Acho que é o projeto mais extraordinário do século XX, impediu guerras na Europa durante um período alargado, mas se nós não revirmos a maneira como a Europa funciona e se não se der atenção à economia, se o modelo de desenvolvimento económico, o modelo energético, às próprias questões de segurança e à questão da inovação, vamos ter sérias dificuldades no futuro.
Vamos então tentar dissecar algumas dessas questões que trata no livro, portanto, estamos a falar de um de um modo de organização Europeia para um mundo com regras e, sobretudo, com o respeito por essas regras, mundo esse que hoje tende a desaparecer.
É isso mesmo.
A guerra da Ucrânia faz aumentar tanto as dificuldades como os desafios que a Europa enfrenta?
Exatamente. Absolutamente. A Europa habituou-se, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial e do desenvolvimento do projeto europeu, a funcionar num mundo em que imperava a ordem liberal democrática, o comércio livre, as regras, portanto, a defesa da integridade territorial dos países, a defesa do comércio livre, enfim das fronteiras. E o que é que se passa? Esse mundo entra em colapso na noite de 24/02/2022, quando a Rússia invade a Ucrânia. E agora, tudo isso se combina com a deriva autocrática do Presidente norte-americano. Portanto, nós regressamos aqui ao que os analistas chamam realpolitik, política, pura e dura; são os mais fortes que determinam a política e os outros obedecem. E a Europa continua num registo sem se. adequar e sem se transformar. Eu penso que a Europa pode ser um grande ator estratégico, porque tem um poder imenso; só o mercado europeu são 450 milhões de consumidores, mas existe uma visão excessivamente economicista e regulamentar da Europa. A Europa é muito mais do que isto e é altura de se revisitar tudo aquilo que tem funcionado mal. Eu dou o exemplo do mercado único europeu. O Mário Draghi, aliás, escreveu um artigo no Financial Times no início deste ano, em que retoma o estudo já anterior do FMI. Porque a gente anda a discutir as tarifas, mas se olhar para o mercado de bens na Europa, dos que funciona melhor, fala-se nas tarifas de Trump, mas as barreiras entre Estados são equivalentes a uma tarifa de 45% dentro da Europa. Não há mercado de serviços na União Europeia ou funciona muito mal.
Continuamos a aplicar tarifas uns aos outros?
Sim, sim. E há às barreiras internas. O mercado único tem um potencial imenso. Não temos mercado de capitais. É por isso que as empresas, sobretudo as tecnológicas, vão aos Estados Unidos para se financiar. É por isso que as poupanças europeias, mais de 300 mil milhões de euros por ano vão ser aplicadas nas empresas americanas. A Europa não consegue criar um mercado de capitais e depois não completou a União Bancária, não tem ainda o orçamento Unido e reforçado da União Europeia. O próprio mandato do Banco Central Europeu acho que também deve ser revisto, que só trata da inflação e dos preços. Não, não tem nenhuma atenção ao crescimento que é fundamental e ao emprego, como todos os outros bancos centrais e. nós estamos aqui tolhidos em regras do passado, que funcionaram muito bem, mas o mundo mudou. E nós temos que atuar e qual é a minha grande preocupação aqui? E o Ricardo é um grande analista da situação Internacional e da ordem Internacional e sabe disto. Nós, hoje, temos no mundo a coexistência da ordem Internacional liberal democrática, a que está em erosão com esta real politik que sobretudo agora comandada pela pelas potências revisionistas da ordem Internacional, a Rússia e a China, e com a aderência de Donald Trump, com esta deriva totalitária. Para onde é que o mundo vai? É que se o mundo é aprisionado agora pela realpolitik, a força dura e crua, nós arriscamo-nos a que a globalização seja determinada completamente em termos de competição entre potências ou grandes potências e o fim é a guerra. Mas isto interage com as forças de interdependência que ainda existe. Interdependência significa as democracias com as democracias europeias, com a Índia, com o Japão, com a Coreia do Sul, com o Canadá, com outras que devem ser forças de pacificadoras na ordem Internacional. E nós vamos ter esta luta. Para onde é que o mundo vai se a Europa não desenvolve o seu papel? Se não atua como ator estratégico, está a criar aqui uma grande plataforma de colaboração entre as democracias e a desestabilizar a ordem Internacional, nós podemos passar tempos muito difíceis.
Para quem conheceu por dentro do funcionamento da máquina Europeia nos concelhos que assistiu e participou. Afinal, queria que manda na Europa? Não somos líderes das instituições, ou seja, atualmente os ursos de von der Leyen, António Costa, Roberta Metzolla?
Repare, os líderes das instituições com certeza que tentam fazer o melhor, mas nós não podemos esquecer que nós temos - e vou medir as minhas palavras - nós temos ao nível do funcionamento da União Europeia um leviatã: a nomenclatura que está estabelecida, que dita as regras e, portanto, repare, o Mário Draghi faz, e muito bem, recomendações fortíssimas para mudarmos o processo de inovação na Europa, que não está a funcionar de facto, nós não conseguimos criar empresas tecnológicas de dimensão mundial. Não conseguimos. Com a inovação toda em que a Europa aposta, não conseguimos depois chegar ao fim da cadeia e transformar as ideias e o conhecimento em acção e em produtos comercializáveis e empresas. Ele faz a recomendação e muito bem: isto e isto deve ser revisto. E a revisão vai ser feita por quem? Pela nomenclatura Europeia. Isto é aquilo que o escritor norte-americano Upton Sinclair explicou muito, muito bem num dos seus livros. Nós não conseguimos fazer compreender a uma pessoa uma coisa que significa o fim do salário dessa pessoa. E, portanto, se esta regras vão ser revistas pela nomenclatura que fez as regras e os procedimentos, nós vamos continuar a fazer a mesma.
Estariam a colocar os seus próprios empregos em casa...
Repare, tem que haver uma mudança completa. Quando eu falo da obsessão regulatória, nós não precisamos de mais regulação na Europa e eu sou favorável à regulação. Nós não podemos ter um capitalismo selvagem desregulado. Mas a regulação tem que ser cirúrgica, tem que ser inteligente, não se pode regular tudo e mais alguma coisa. E há aqui uma nomenclatura, uma máquina que funciona assim e é profundamente burocrática, completamente avessa a novas ideias. Eu contei aqui as minhas discussões na área da política energética, a Rússia na altura interrompeu o abastecimento, como o Ricardo sabe, em 2006, 2007, em 2009 interrompeu o abastecimento de gás à Europa, a Bulgária esteve durante 40 dias no Inverno sem gás. Mas a Europa não aprendeu nada e depois há dois fatores que para mim são cruciais: em 2014, como o Ricardo sabe, a Rússia anexou a Crimeia e a Europa não fez nada nem tirou ilações. Em 2016, já eleito Donald Trump, há uma famosa reunião,a primeira reunião dos dirigentes europeus com o Donald Trumpm há uma fotografia muito célebre, em que o Trump está sentado, tipo menino travesso, estão os líderes todos à volta deles, completamente desesperados com a Angela Merkel. Penso que era já o Macron que estava na altura, enfim, o primeiro-ministro japonês, meios desesperados e a senhora Angela Merkel a sair dessa reunião em 2016 e diz: “terminou uma era, a Europa agora só tem que contar consigo própria. Temos que rever todas as nossas políticas”. E a seguir nada acontece. E a minha pergunta é: os sinais estão lá, são sinais gravíssimos, põem em causa o futuro de todos nós e a Europa não reage. E portanto, eu temo que esta nomenclatura, este Leviatã, este monstro burocrático, asfixie qualquer possibilidade de se reformar regras e procedimentos. E qual é o ponto aqui se se entregar a eles a formatação dessas regras? As coisas não vão acontecer.
Deixe-me voltar à questão energética. Sei que é uma questão que é que lhe é muito cara e abordou a questão há pouco da situação da Península Ibérica que considera uma potência das energias renováveis. Isto não é um exagero, tendo em conta aquilo que também disse quando os vizinhos ibéricos estão como que desligados do resto da Rede Europeia para lá dos Pirenéus?
Isso tem toda a razão de ser, mas eu, quando digo que é uma potência, é pressupondo…
Potencialmente?
Não, pode mesmo ser uma potência. Ainda eu estava no Governo, isto é uma coisa absolutamente extraordinária, recebemos um pedido que vem através do Governo inglês, do Governo de Marrocos e de um promotor de energia, porque o Reino Unido quer receber energia renovável de Marrocos, transportado através de um cabo submarino que vai passar na Costa portuguesa e nós anuímos a que esse projeto fosse em frente, desde que também nós possamos exportar. Eu inclusive, dei este exemplo aos meus colegas no Conselho de Competitividade. Vejam, temos um país que é o Reino Unido, saiu da União Europeia, vai receber energias renováveis de Marrocos, passa por Portugal e Espanha estamos dentro da União Europeia. Somos nesta altura uma potência nessa área. Podemos exportar e as ligações não existem. Estas ligações têm que ser assumidas como projeto europeu. Mas nunca irá para a frente porque a França opõe-se sempre a isto. Porquê? Para viabilizar a produção de eletricidade que faz através da energia nuclear e, portanto, muitas vezes a Europa decide em função do umbigo, dos vários países, o que cerceia as possibilidades de desenvolvimento colectivo.
Falou aqui na questão da inovação, nos atrasos da inovação. A Europa não consegue acompanhar a passada dos Estados Unidos e da e da China, digamos assim. Continuemos a ter uma dependência importante em relação à China. Na altura da COVID, falava-se na necessidade da Europa ter mais autonomia estratégica. Mudou alguma coisa?
Mudou muito pouco. A China controla as matérias-primas críticas, produz cerca de 80% das terras raras do mundo, as terras raras são vitais, têm a maior mina do mundo, que é a mina de toda a Mongólia Interior. E eles dominam não só o processo de extração, mas também o processamento. Em todos os outros países do mundo estão muito atrasados. As terras raras, que são um grupo de 17 elementos da tabela periódica de Mendeleev, que codifica os 118 elementos químicos que nós temos na Terra e que explicam a extraordinária versatilidade e riqueza do planeta, porque eles combinam-se e dão origem às mais de 2500 espécies minerais, mas essas terras raras são essenciais para tudo o que é os computadores, os microchips, tudo o que é sistemas electrónicos e sistemas de comunicação. A China domina o lítio e depois domina ainda o germânio e a grafite, que também são essenciais para todas estas tecnologias. Além de dominar estas tecnologias através do acesso a reservas que tem, no caso do cobalto, o maior produtor do mundo é a República Democrática do Congo, tem 19 minas que estão ativas, se for ver os chineses já compraram 15. Isto é, enquanto estamos distraídos na Europa e pensamos que podemos desenvolver uma civilização de tecnologia avançada sem matérias-primas, eles dominam essas matérias-primas. E o que é que acontece? E dominam também as tecnologias. Repare que a Europa foi a maior zona do mundo que inovou em termos das energias renováveis dos painéis solares. Se for ver os dados 2024, a China produziu 80% dos veículos elétricos do mundo. Produziu nesta ordem de grandeza tudo o que tem a ver com baterias e produziu 90% dos painéis solares que se fabricam hoje no mundo. E, portanto, é um erro colossal nós abdicarmos de todas estas energias se queremos desenvolver a nossa matriz energética, mudá-la e deixar tudo nas mãos da China, porque quando chegar a altura dos grandes conflitos geopolíticos, a China vai usar isto como arma. Repare que não é por acaso que o Donald Trump voltou a renegociar as tarifas com a China. A China fez muito fez duas coisas, de forma muito subtil. Cancelou ou diminuiu substancialmente a exportação de terras raras para os Estados Unidos e as terras raras condicionam o funcionamento de toda a indústria eletrónica de alta precisão. Há um famoso estudo geopolítico, em 2010, do primeiro grande choque entre a China e o Japão por causa das ilhas Senkaku/Diaoyu, que também têm recursos energéticos, os japoneses apreenderam um barco de pesca chinês, a China exigiu a devolução, o Japão não devolveu. E a China pura e simplesmente cancelou a exportação de terras raras para o Japão. E o Japão capitulou em 48 horas porque toda a sua indústria eletrónica de alta precisão estava ameaçada de paralisação. E portanto, os chineses não só hoje dominam a nível das matérias-primas do acesso, mas dominam também na área das tecnologias. Eles investiram fortemente. Aliás, é um caso de estudo. Se se recordar, no passado, os chineses queriam também competir no motor de combustão, e investiram ainda muito dinheiro, mas depois chegaram à conclusão que era muito complexo de fazer, ‘os Europeus e americanos são muito avançados. Vamos investir onde? Na próxima geração, nos carros elétricos. E veja o que é que se está a passar hoje no mundo. Como é que a União Europeia reagiu a isto? Fazendo uma coisa que nunca se deve fazer: proibir uma tecnologia, até 2035 tem que ser o fim dos motores de combustão interna na União Europeia. Nunca se faz isso, proibir uma tecnologia. O que devia ter feito a União Europeia é promover um sistema de incentivos para as empresas europeias diminuírem as emissões e serem mais competitivas. Aliás, como os Estados Unidos fazem em muitos aspetos, como uma lei que eles para a indústria automóvel para aumentar a sua eficiência energética. Temos que dar ao mercado todas as condições para depois o mercado desenvolver e dar as respostas, desde que respeitem os standards em termos de emissões. Esta medida da União Europeia conduziu a uma situação extremamente difícil que a indústria automóvel hoje, que é um dos pilares da economia Europeia, está a atravessar. E, portanto, e depois, e isso foi pior emenda que o soneto, quando os chineses começaram a desenvolver os seus carros eléctricos, o que a UE fez, foi proibir ou pelo menos pôr tarifas exacerbadas. Criticámos as tarifas do Trump e depois somos protecionistas de uma forma também que não é aceitável. E tudo isso acontece quando o mundo mudou.
E nesse mundo em mudança e com os atrasos na inovação que se conhecem, que contributos é que Portugal pode dar para que a Europa possa melhorar?
Sim, isso é uma grande questão. Eu penso que Portugal tem feito o seu caminho, quer na área da inovação, quer no desenvolvimento de algumas soluções interessantes. Nós temos hoje no país cerca de 4700 startup. Já valem 2.5 mil milhões de euros e exportam à volta de 1.7 mil milhões por ano. Portanto, é um ecossistema que está a desenvolver-se. Em 2015, o capital de risco que as startups portuguesas atraiam era da ordem dos 20 milhões de euros, em 2023 chegou a 1200 milhões. Quer dizer, aumentamos 60 vezes no espaço de pouco tempo. E nós, quando no XXIII Governo constitucional, o governo anterior, desenhámos a lei das startups, que define o que é que são as Startups, com o acesso que têm depois aos benefícios em termos de subvenções e de apoios para a investigação, de vistos para técnicos que queiram trabalhar em Portugal, revimos o regime de stock options e portanto, só são tributadas no momento da liquidez, o que não acontecia antes e a taxa efetiva que pagam é de 14%. O que é que isso provocou? Uma alavancagem absoluta do sector. Nós tivemos nos últimos seis anos um crescimento impressionante das startups e elas estão em todo o lado.
Como é que vê o atual quadro político português que saiu das últimas eleições?
Vejo com muita preocupação, portanto nós estamos a ver a destruição do centro democrático moderado, o colapso da social democracia já aconteceu e tem acontecido noutros lados do mundo e, portanto, com os extremos a subir, e sobretudo a extrema-direita e a extrema-direita. Como sabemos, já foi o mesmo no século passado, com a ascensão da extrema-direita na Alemanha, até onde é que isso conduziu. Portanto, a política da extrema-direita é baseada no nós e o eles, portanto, divide os cidadãos nos cidadãos virtuosos e nos outros que que não têm direitos ou são semicidadãos. E, portanto demoniza as as minorias, demoniza com base em critérios étnicos e com isso faz funcionar o ódio a uma escola muito grande, promove a ira, introduz a irracionalidade no debate político e as forças sociais da social democracia não estão a ser capazes de responder. E isso é preocupante.
E com um pensamento tão consolidado sobre o país e as necessidades do país, nunca pensou ser candidato à Presidência da República?
Não, não, nunca me passou pela cabeça.
E quem gostaria quem gostaria que fosse candidato?
Eu não vou responder a essa pergunta. Acho que temos que esperar ainda para ver quem é que aparece.
Tendo nascido e vivido em Angola, o que é que lhe diz o 10 de junho, que é comemorado na próxima terça-feira?
O 10 de Junho a mim diz muito porque para já é o dia anos da minha mulher. Ela em pequenina pensava que era feriado porque ela fazia anos (risos)... mas eu acho que o que o 10 de Junho deve ser, sobretudo a celebração do encontro de Portugal com os povos no mundo, não só com as nossas comunidades, mas com os vários povos e, portanto, esses povos têm relações seculares com Portugal e devem continuar.
Quem viu que o que o senhor viu e passou na guerra em Angola, como é que vê o que está a acontecer em Gaza?
Gaza é claramente um genocídio e é um genocídio que está a acontecer com a complacência da comunidade Internacional e com a quase falta de reação generalizada. E eu sou das pessoas que acredita que esta nossa habituação ao horror é uma derrota radical da humanidade e, portanto, o genocídio de Gaza já devia ter sido parado há muito tempo atrás pelas grandes potências internacionais, apesar dos apelos das Nações Unidas, que hoje são cada vez mais irrelevantes neste mundo complexo em que estas coisas ocorrem e, portanto, acho que é uma derrota radical de toda a humanidade.
Estamos mesmo, portanto, a viver o momento mais perigoso da história depois da Segunda Guerra Mundial, como escreve?
Não tenho dúvida nenhuma, estamos a viver o momento mais perigoso porque a ordem Internacional democrática está em colapso e estamos a ver a ascensão dos extremos, sobretudo a extrema-direita, que já tomou poder nos Estados Unidos, pode tomar o poder amanhã na Alemanha ou na França. Esperemos que isso nunca aconteça. Os extremos só têm um caminho: conduzem o mundo à guerra, à destruição, à perseguição, ao extermínio das comunidades mais frágeis.
"Portugal na Europa e com a Europa: Que Futuro?" Apresentação do livro de António Costa Silva na Feira do Livro de Lisboa, dia 15 de junho, às 16h00.