A Nova Zelândia quer tornar-se "livre de predadores" até 2050. A associação PETA já caracterizou a política como "cruel".
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Até 2020, o Governo australiano quer matar dois milhões de gatos vadios, uma grande fatia da população total de felinos, estimada entre os dois e os seis milhões, conforme noticia a CNN. Algumas áreas do país da Oceânia foram ainda mais longe. No estado de Queensland, a nordeste, foi oferecida uma recompensa de 10 dólares (8,96 euros) por cada cabeça de um gato vadio. O People for the Ethical Treatment of Animals (PETA) já caracterizou a política como "cruel".
O problema é ainda extensível à vizinha Nova Zelândia, onde um ambientalista propôs um futuro livre de gatos, com gatos domésticos e selvagens controlados ou abatidos. É um problema antigo no continente. Tudo indica que o primeiro gato tenha chegado à Austrália durante o século XVII. Desde então, o seu número aumentou, com uma população que ocupa uma área estimada de 99,8% do país.
Embora os gatos selvagens pertençam à mesma espécie dos gatos domésticos, há algo que os distingue: vivem livremente na natureza, onde são forçados a caçar para sobreviver. Na cadeia alimentar, os gatos vadios são os predadores, vistos pelo Governo como um alvo a abater.
"Desde que foram introduzidos pela primeira vez por colonos europeus, os gatos selvagens ajudaram a levar mais de 20 espécies de mamíferos à extinção", revelou o comissário nacional de espécies ameaçadas, Gregory Andrews. Isso faz dos gatos vadios a maior ameaça às espécies nativas da Austrália, um país insular, recortada do resto do mundo há milhares de anos.
Estima-se que 80% dos mamíferos da Austrália e 45% das aves nativas não são encontrados em mais nenhum outro lugar no planeta.
Para os gatos, no entanto, as espécies nativas são presas fáceis. Calcula-se que os gatos matem mais de um milhão de aves nativas e 1,7 milhões de répteis na Austrália todos os dias, de acordo com pesquisas científicas citadas pelo Departamento de Meio Ambiente e Energia da Austrália.
As espécies ameaçadas incluem o rato Conilurus penicillatus, que o Governo classifica como vulnerável, e o bandicoot dourado, semelhante a um rato. "Nós não estamos a perseguir gatos gratuitamente, não estamos a fazer isso porque odiamos gatos", disse Andrews. "Temos de fazer escolhas de forma a salvar os animais que amamos, e que caracterizam a nossa nação", completou.
O Governo anunciou o plano de abate em 2015, altura em que prometeu cinco milhões de dólares (4.487.210 euros) a organizações que combatem os gatos na linha da frente. Em julho de 2018, o New York Times acompanhou duas pessoas pertencentes à Sporting Shooters" Association of Australia, Shane Morse and Kevin Figliomeni, numa madrugada, naquela que seria a última refeição para muitos gatos. Na escuridão de uma beira de estrada antes do amanhecer começaram a descarregar salsichas envenenadas de uma carrinha. As salsichas eram o chamariz para matar gatos.
Mas o plano está debaixo de fogo, com muitas vozes críticas a verbalizar oposição.
Tim Doherty, um ecologista especializado em conservação da Universidade Deakin, na Austrália, concorda que os gatos selvagens têm um efeito "nefasto" nas espécies nativas da Austrália, mas acredita que o abate é baseado em premissas "instáveis" da ciência.
"Na altura, quando o alvo foi estabelecido, não sabíamos exatamente quantos gatos vadios havia na Austrália", asseverou o cientista, e acrescentou que as estimativas da época colocavam o número em 18 milhões, número "grosseiramente acima da realidade".
Doherty acredita que "não há realmente uma maneira confiável de estimar em todo o continente, e, a definir um alvo, é preciso ser capaz de medir o seu progresso em direção ao objetivo".
Outra questão, "mais premente", é que simplesmente matar um gato não salva as vidas dos mamíferos e aves em risco, já que teria de se provar que "o gato estava na mesma área que os animais ameaçados".
Outro dos alertas do ecologista prende-se com a desconfiança de que as atenções estejam focadas no alvo errado, para esconder outro tipo de problemas. Embora o número de gatos seja algo a resolver, o "Governo havia-se concentrado muito neles, à custa de outras questões politicamente mais sensíveis, como a perda de habitat causada pela expansão urbana, extração de madeira e de minérios".
"Existe a possibilidade de que os gatos sejam usados como distração até certo ponto", disse Tim Doherty. "Também precisamos de ter uma abordagem mais holística e abordar todas as ameaças à biodiversidade", advertiu.
Entre os críticos da política estão o cantor britânico Morrissey e Brigitte Bardot.
A Nova Zelândia já estabeleceu que quer tornar-se "livre de predadores" até 2050. Mesmo os gatos domésticos podem estar em risco, com uma campanha lançada em 2013, para que os "amantes de gatos" não substituam o seu animal aquando da morte.