O líder da ONU denunciou estar em marcha na Faixa de Gaza uma situação "horrenda", que é "moral, política e legalmente intolerável"
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Israel parece "determinado a levar a guerra em Gaza até ao fim", lamentou esta terça-feira o secretário-geral da ONU, António Guterres, avaliando a situação no enclave palestiniano como "horrenda".
"Neste ponto, parece que Israel está determinado a ir até ao fim e não está aberto a negociações sérias para um cessar-fogo", disse Guterres, numa conferência de imprensa em Nova Iorque.
O líder da ONU denunciou estar em marcha na Faixa de Gaza uma situação "horrenda", que é "moral, política e legalmente intolerável".
Contudo, apesar da forte condenação, Guterres evitou chamar o cerco israelita de quase dois anos na Faixa de Gaza de genocídio.
"Como já disse várias vezes, nestas e noutras circunstâncias semelhantes, não é atribuição do secretário-geral fazer a determinação legal de genocídio. Esta pertence às entidades judiciais competentes, nomeadamente ao Tribunal Internacional de Justiça", explicou.
"Não significa que não considere o que está a acontecer em Gaza após os terríveis ataques do Hamas em outubro [de 2023], e o que acontece em Gaza hoje, como horrendo", sublinhou o antigo primeiro-ministro português.
Guterres indicou que o mundo está a assistir "à destruição em massa de bairros e agora à destruição sistemática da Cidade de Gaza", e está a ver "obstáculos dramáticos serem colocados à distribuição de ajuda humanitária".
"E estamos a assistir a massacres em massa de civis de uma forma que não me lembro em nenhum conflito desde que sou secretário-geral", criticou.
As declarações de Guterres, feitas numa conferência de imprensa em que antecipou a Semana de Alto Nível da Assembleia-geral da ONU, surgiram algumas horas após uma comissão internacional independente de investigação da ONU ter acusado Israel de cometer genocídio na Faixa de Gaza.
"Nós chegamos à conclusão que um genocídio acontece em Gaza e vai continuar a acontecer, sendo que responsabilidade cabe ao Estado de Israel", disse a presidente desta comissão, Navi Pillay, ao apresentar o relatório, defendendo existir a "intenção de destruir" os palestinianos por parte de Telavive.
A questão palestiniana dominou a conferência de imprensa de António Guterres.
Questionado por um jornalista sobre se considera demitir-se devido "ao fracasso" da ONU para "com os povos da Palestina, de Gaza, Ucrânia, Sudão, Iémen, Myanmar e Haiti", Guterres afirmou que "não dará esse prazer" a quem gostaria de vê-lo afastado da liderança das Nações Unidas.
"Penso que a minha demissão seria muito bem-vinda por todos aqueles que estão a portar-se mal. Por isso, não lhes darei esse prazer. Mas posso expressar claramente a minha profunda frustração pelo facto de estes problemas não estarem a ser devidamente resolvidos e de a comunidade internacional não ter a capacidade de se unir para os resolver", declarou.
Por várias ocasiões, Israel exigiu que Guterres se demitisse do cargo de secretário-geral da ONU, por condenar os ataques contra civis palestinianos.
O que está a acontecer em Gaza "é algo que não podemos esquecer, independentemente dos nomes que são dados", defendeu o antigo primeiro-ministro português.
Inquirido sobre a rejeição de Israel ao relatório em que é acusado de genocídio em Gaza, Guterres defendeu tratar-se de um "relatório sério, que deve ser lido com atenção, principalmente pelas autoridades israelitas".
O secretário-geral refletiu ainda sobre o legado da ONU em relação à situação em Gaza, afirmando que "a história" lembrar-se-á da ONU — durante o seu mandato — por "ter estado na primeira linha para lutar pela defesa dos interesses do povo palestiniano" e por denunciar "as constantes violações do direito internacional" por Israel.
Guterres insistiu "que ninguém descreveu a realidade de forma mais dramática do que a ONU", acrescentando que a história vai recordar também "os 400 membros da ONU que foram mortos em Gaza".
"O nível sem precedentes de morte e destruição durante o meu mandato (...) É isso que a história se lembrará, não de uma questão de semântica", sublinhou.