Homem que inspirou os Kouachi é enfermeiro no hospital que recebeu vítimas do atentado em Paris
Quando os primeiros feridos do atentado contra o jornal Charlie Hebdo começaram a chegar ao hospital de Pitié-Salpêtrière, em Paris, ninguém podia imaginar que um dos enfermeiros que estava de serviço na urgência era o homem que converteu os irmãos Kouachi à religião islâmica.
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Na manhã seguinte ao atentado contra o jornal Charlie Hebdo, Farid Benyettou, incentivado pela mãe, apresentou-se às autoridades para negar qualquer envolvimento no ataque. Prestou declarações durante sete horas, antes de ser libertado. Desde então suspendeu a sua atividade na unidade hospitalar e agora a surpresa e estupefação dos colegas, que desconheciam o seu passado, é partilhada por todo o país.
Poucos acreditam que Farid Benyettou, que foi o "guru" dos irmãos Kouachi, esteja reabilitado. Para trás ficaram os tempos em que doutrinava e recrutava jovens para lutarem no Iraque. Agora, o aluno é ele.
Farid Benyettou passou seis anos na cadeia, condenado por «associação criminosa com vista à criação de uma empresa de âmbito terrorista». Um ano depois de ter saído da prisão, em 2012, inscreveu-se num curso de enfermagem. Em dezembro passado começou a trabalhar no serviço público de saúde.
Farid garante que está a viver uma nova fase. Já não é o mesmo. Garante que «Toulouse transformou-me», referindo-se ao ataque terrorista de Mohamed Merah em março de 2012, e no qual morreram sete pessoas. «Não vi ninguém depois disso. Deixei de frequentar o círculo de amigos. Só via os colegas da escola de enfermagem», explica numa entrevista ao Le Figaro, citada pelo jornal El Mundo.
Apesar deste afastamento, admite que encontrou-se com os irmãos Kouachi. «O Cherif Kouachi visitou-me. Falámos sobre o ataque em Toulouse. Eu disse-lhe que era um ato condenável. Ele ficou irritado», recorda.
Dois meses depois desta conversa, Cherif e o seu irmão mataram doze pessoas. Farid Benyettou assegura que nada naquele encontro fazia supor o que viria mais tarde a acontecer.
Nascido a 10 de maio de 1981, Benyettou é filho de argelinos e cresceu num ambiente radical. Integrou, já jovem, a célula de "Buttes-Chaumont", que tinha como objetivo enviar voluntários para o Iraque, mas que acabou desmantelada em meados da primeira década deste século. Os irmãos Kouachi também faziam parte e Benyettou era considerado o principal ideólogo deste célula.
Nesta época, Benyettou dedicava-se a espalhar a religião de Maomé à porta das escolas e numa mesquita em Paris. Foi ali que conheceu e treinou os irmãos Said e Cherif Kuachi. Lá ensinava as suas teses a cerca de meia centena de jovens. Destes, uma dezena partiram depois para o Iraque.
Agora condena os atentados em Paris, diz que «são contrários aos princípios do Islão». Farid diz que por essa razão participou no minuto de silêncio pelas vítimas dos ataques. «Pode parecer surpreendente o que vou dizer, mas o combate pela liberdade é uma luta na qual me revejo».
«A França apoiou-me e deu-me uma segunda oportunidade. Eu tive uma bolsa para estudar».
Farid Benyettou deverá obter o seu diploma no próximo mês de março. Mas tendo em conta o seu passado recente não poderá exercer em serviços públicos. Para o antigo diretor dos serviços secretos franceses, Louis Caprioli, este discurso não é convincente. Ele tem sérias dúvidas sobre a reabilitação de Farid.