Intenção suíça de conceder imunidade a Putin é "ilegal": país pode ser repreendido ou, em caso "extremo", expulso do TPI
À TSF, a antiga jurista do Tribunal Penal Internacional Anabela Alves aponta ainda o caso de França, que também tinha a obrigação "de não dar passagem aérea" ao avião que transportou o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, para os EUA
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A primeira advogada portuguesa a participar em julgamentos por crimes de guerra no Tribunal Penal Internacional (TPI), Anabela Alves, afirma que é "ilegal" a intenção da Suíça de conceder imunidade ao Presidente russo, apesar do mandado de detenção da instituição, para que Vladimir Putin possa negociar no país a paz na Ucrânia.
Em entrevista à TSF, a jurista, especialista em direito internacional, explica que a Suíça é um dos 123 países signatários do Estatuto de Roma e, por isso, o país "não tem autoridade" para conceder imunidade a um "criminoso de guerra, para o qual há um mandado de captura ativo". Tal seria quebrar as obrigações de "cooperação", que preveem que Putin seja "simplesmente" apreendido e entregue "via transferência, ou diretamente" ao tribunal de Haia.
O que a Suíça fez é ilegal, mediante as suas obrigações dentro do Estatuto de Roma.
As consequências desta violação, contudo, poderão "não ter grandes efeitos práticos". Na teoria, o país poderia sofrer várias repercussões: a mais "extrema" seria a sua expulsão dos acordos previstos pelo TPI. Mas a prática é seguir sempre "pela via diplomática".
Há, por isso, duas alternativas mais prováveis: o tribunal de Haia pode fazer uma referência à assembleia dos Estados-membros, acusando a Suíça de ter "falhado nas suas obrigações" e, depois, cabe a instituição decidir "como prosseguir". Ou pode ser apresentada diretamente uma queixa ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, que irá, por sua vez, "decidir quais serão as sanções ou as repreensões".
No meu ver, o mais provável são repreensões pela falha da parte da Suíça de cumprir com as suas obrigações de apreender o senhor Putin.
A jurista aponta ainda o caso de França, que também tinha a obrigação "de não dar passagem aérea" ao avião que transportou o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, para os EUA, uma vez que este atravessava espaços aéreos de vários países signatários do Estatuto de Roma. Esta ação não teve, contudo, qualquer consequência. Ao contrário do que se passa com Putin, não há em relação a Netanyahu "um mecanismo muito forte internacional e europeu" para o apreender.
Isto não significa, porém, a "nulidade" do mandado de captura do Presidente russo. Qualquer Estado-membro terá, mais tarde ou mais cedo, "a obrigação e poderá apreender" Vladimir Putin. Assim que este "relaxe um bocadinho as suas visitas diplomáticas", poderá "acabar no banco dos réus em Haia". Anabela Alves vinca, por isso, que o Artigo 27.º é "muito claro": "Não há imunidade para chefes de Estado nos crimes de guerra. Não estamos a falar de direito doméstico, estamos a falar do direito penal internacional, crimes sérios, crimes graves e não há imunidade para este tipo de crimes."
Entende, por isso, que com esta decisão não é o TPI quem fica "fragilizado", mas antes a Suíça, perante a justiça internacional e a comunidade internacional. "A Suíça tem de cooperar perante a parte nova do Estatuto de Roma, que tem obrigações genéricas, mas também obrigatórias", refere.
Vladimir Putin ainda não se pronunciou sobre a proposta da Suíça, mas já sugeriu que a cimeira para a paz com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, possa ser realizada na capital russa, Moscovo. Questionada pela TSF sobre se esta sugestão pode significar que o chefe de Estado russo respeita, de alguma forma, o TPI, a jurista rejeita.
"Putin não respeita o Tribunal Penal Internacional. O que ele tem receio é que seja um chamariz de o atrair para fora da sua zona de conforto, onde está protegido, e arriscar, porque qualquer Estado pode apreender o senhor Putin. E a obrigação é que qualquer força pode apreender Putin", diz.
Mesmo os Estados que não ratificaram o Estatuto de Roma, têm "acordos para cooperarem, num tipo de obrigação que vem do direito costumeiro" com a justiça internacional, tal como nos Julgamentos de Nuremberg.
Perante as convenções de Genebra, todos os Estados têm a obrigação de trazer à justiça criminosos de guerra que cometeram crimes graves. Eu vejo mais como ele ter receio de arriscar, de ser apreendido e levado para Haia, em vez de ficar a desfrutar de uma reunião de boas-vindas nos altos suíços. Se ele respeitasse [o TPI], já teria terminado com a guerra.
A Suíça mostrou na terça-feira disponibilidade para oferecer imunidade ao Presidente russo, Vladimir Putin, apesar do mandado de detenção do Tribunal Penal Internacional, sob a condição de comparecer no país para uma conferência de paz.
A garantia foi manifestada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros suíço, Ignazio Cassis.
No ano passado, o Governo federal suíço definiu novas regras sobre imunidade concedida a indivíduos sob mandado de detenção internacional, se essa pessoa se deslocar ao país no âmbito de uma conferência de paz.
Em 2023, o Tribunal Penal Internacional emitiu um mandado de captura contra o chefe de Estado russo pelo "rapto de crianças ucranianas" das regiões da Ucrânia, invadida pelas forças de Moscovo, e que foram deportadas para territórios na Rússia.
As declarações da diplomacia de Berna surgiram um dia depois do encontro entre Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump e o homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, em Washington.
