Os israelitas vão a votos pela terceira vez num ano, sem grande margem para conseguir formar um parlamento com maioria para governar. As sondagens apontam para uma previsível repetição do bloqueio político.
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São as terceiras eleições legislativas em menos de um ano e à terceira pode não ser de vez... a quarta pode ser no verão. Há uma notória indiferença no eleitorado; nunca uma ida às urnas parece ter despertado tão pouco entusiasmo. Assiste-se em Israel a uma significativa concentração de votos nos maiores partidos: o Likud do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e a aliança centrista Azul e Branco do antigo general Benny Gantz e de mais dois antigos chefes militares.
As sondagens dão uma ligeira vantagem aos conservadores do Likud (33 deputados em 120) sobre a coligação Azul e Branco (32, a descer no entanto, uma vez que as sondagens chegaram a atribuir à coligação opositora a eleição de 36 deputados), mas ambos sem conseguir formar governo com os respetivos potenciais parceiros de coligação, tal como aconteceu após os sufrágios de abril e setembro. O impasse parece, por conseguinte, instalado.
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Netanyahu, o acossado, leva vantagem
Apesar do impasse, a vantagem do Likud pode significar muito no pós-eleição, uma vez que o líder do partido mais votado pode aspirar a receber em primeiro lugar o convite do chefe de Estado de Israel, Reuven Rivlin, para tentar forjar um governo de coligação. Um único deputado de vantagem pode representar uma superioridade estratégica relevante num parlamento altamente fragmentado.
Se conseguir um entendimento com os dois grandes partidos ultraortodoxos judeus - União para a Torá e o Judaísmo (Ashkenazi) e Shas (sefardita) - e os da extrema-direita nacionalista da aliança Yamina - chefiada pelo ministro da Defesa, Neftali Bennett-, o Likud, ainda assim não teria mais de 57 assentos. Precisa de 61 para a maioria absoluta.
No poder há catorze anos e a chefiar o governo desde 2009, Benjamin Netanyahu pode vir a responder na justiça por crimes de corrupção, suborno e abuso de poder e este é, inquestionavelmente, um dos temas fortes que podem pesar na eleição desta segunda-feira. Duas semanas após a nova repetição eleitoral, Netanyahu deve comparecer perante o tribunal de Jerusalém, que julgará os três casos de corrupção nos quais foi acusado de suborno e fraude pelo procurador-geral, mas a formalização oficial das acusações, após três anos de investigações da unidade anticorrupção da polícia, parece não ter afetado as expectativas eleitorais do líder do Likud.
Gantz, o adormecido
O general que quase chegou ao poder na primavera do ano passado, parece ter estado a dormir à sombra da bananeira das sondagens e Netanyahu é um animal político que jamais deve ser subestimado. Representante da liderança tripartida da coligação Azul e Branco, Gantz teve que corrigir rapidamente a tendência da sua campanha de virar à direita para tentar capturar votos nacionalistas com mensagens de apoio à ocupação da Cisjordânia e do vale do Jordão.
As mesmas sondagens citadas preveem, de acordo com Juan Carlos Sanz no El País, 56 deputados pela soma obtida na lista de Gantz e seus aliados previsíveis. Por um lado, a coligação Azul e Branca contaria com o voto da candidatura conjunta composta por trabalhistas, o partido centrista Gesher e o pacifismo de esquerda de Meretz. Por outro lado, a coligação da Lista Conjunta, composta por quatro partidos que concentram o voto da minoria árabe-israelita, que representa um quinto da população de Israel, pode subir ao poder. Mas estes, a que se juntam setores seculares árabes e a antiga esquerda comunista, dificilmente farão parte de um governo sionista, como seria o presidido por Gantz. Após as eleições anteriores, os partidos árabes garantiram, no entanto, apoio parlamentar externo para desalojar Netanyahu, o chefe de governo que mais tempo ocupou o cargo na história do Estado Hebraico.
Mas as coisas não estão fáceis para Gantz. E não são só as sondagens mais recentes, é também a baixa política e a justiça. O Ministério Público abriu uma investigação sobre o seu papel na falência da empresa de tecnologia Fifth Dimension, a que presidiu e por danos causados à polícia israelita por quebra de contrato. O principal proprietário da empresa era o oligarca russo Víktor Vekseleberg, próximo ao presidente russo Vladimir Putin.
Gantz, que nega toda a responsabilidade na falência fraudulenta, também foi surpreendido na reta final da campanha com a publicação de leaks de serviços de inteligência nos quais é garantido que o telemóvel do antigo general foi hackeado. Um jornalista próximo a Netanyahu revelou que o telefone continha imagens de conteúdo sexual de Gantz dirigidas a uma mulher com quem ele mantinha um relacionamento extraconjugal nos Estados Unidos.
Lieberman, o chaveiro de serviço
A chave da governabilidade continuará nas mãos do ex-MNE Avigdor Lieberman, cujo partido conservador secular Israel Our House alcança sete mandatos nas intenções de voto. Lieberman reiterou em campanha que não sustentará um executivo liderado pelo atual primeiro-ministro e dispara em relação à esquerda, denunciando um acordo secreto entre o seu líder, Amir Peretz, e Netanyahu, para um acordo que faça o atual primeiro-ministro continuar a governar e Peretz ser conduzido à chefia do estado (sem poder executivo). Os partidos dos visados desmentiram de forma categórica.
Na extrema-direita há também o partido Otzma, liderado por Ben Gvir, que condicionou o cancelamento de sua participação nas eleições e apoio ao Likud com a modificação do artigo 7 da lei do Knesset para permitir a entrada de listas com candidatos que incitam ao racismo.
E a esquerda, sem hipóteses?
A esquerda trabalhista e a esquerda pacifista do Meretz caiu nas sondagens para mínimo histórico, com menos de dez por cento, em conjunto, nas intenções de voto. É a fatura que paga, numa sociedade crescentemente conservadora, por ter definido como objetivo principal um acordo de paz com os palestinianos. A coligação liderada por Amir Peretz não deve chegar aos dez lugares dos 120 do Knesset e pode ficar ainda mais à míngua, se o escrutínio confirmar o crescimento dos partidos árabes-israelitas.
A imigração nas últimas décadas de 1 milhão de judeus da antiga União Soviética, maioritariamente anticomunistas e anti-esquerda, para Israel tornou o eleitorado, no geral, mais conservador.
Recorde-se que os trabalhistas lideraram o governo israelita desde a fundação do estado judaico em 1948 e durante três décadas até à emergência de uma direita nacionalista forte. A última vez que a esquerda triunfou foi em 1992 com Itzac Rabin.
A segunda intifada no início do século e a onda de atentados palestinianos contra civis judeus tem feito, de forma clara, a balança política preferencial do eleitorado pender para a direita.
A política externa e de defesa contam?
Em Israel sim. O país teve uma primeira guerra a estalar no dia seguinte à proclamação do estado em maio há 72 anos, com oito guerras no cadastro nacional, incluindo a dos Seis Dias que, em 1967, permitiu a Israel ocupar a parte leste de Jerusalém, a Cisjordânia (Judeia-Samaria para o estado de Israel) e a Faixa de Gaza (de onde "sairia" em 2005, mas com a última grande operação militar contra o Hamas a ter lugar há menos de seis anos - numa operação, curiosamente, dirigida por Benny Gantz - e permanente alvo de um bloqueio terrestre, marítimo e aéreo), assim como parte significativa dos montes Golã na Síria (sem reconhecimento internacional, mas isso, em Israel, é coisa que não conta muito) e do deserto do Sinai egípcio (que o Egito recuperou depois do acordo de paz de 1982).
Este é um país que é a maior potência militar da conturbada região, o único com armas nucleares (não sujeitas ao controlo da Agência Internacional de Energia Atómica), com uma ajuda militar anual dos EUA que supera os três mil milhões de euros, que tem mais de meio milhão de colonos a viver nos territórios árabes ocupados na Cisjordânia entre três milhões de palestinianos, que proclama Jerusalém (cidade santa de três religiões monoteístas) como capital una e indivisível do estado judaico, que vê no Irão o seu maior inimigo regional e que proclama o objetivo de expulsar as forças iranianas estacionadas na Síria.
O ministro da defesa de Israel, Naftali Bennett, líder do Yamina, de extrema-direita, diz que esse é um objetivo para cumprir "em doze meses", até porque já o começou a testar no terreno, com centenas de bombardeamentos visando alvos iranianos nos últimos anos. "O Irão não tem nada para fazer na Síria. Não são vizinhos, não têm motivos para se estabelecerem ao lado de Israel e vamos tirá-los da Síria num futuro próximo", afirmou.
Em concreto, trata-se da presença das milícias xiitas libanesas do Hezbollah sustentadas por Teerão e que combatem do lado das forças do regime de Bashar al-Assad. Só o ódio (ou temor) à república islâmica, justifica a aproximação recente israelita a monarquias sunitas da região, como os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita (para onde os cidadãos israelitas, desde o inicio do ano e pela primeira vez, já podem viajar), nomeadamente ao nível da cooperação militar. Impensável há uns anos.
Os movimentos radicais palestinianos são inimigos declarados e combustível para a agenda conservadora e securitária de "Bibi" Netanyahu. Os mísseis lançados pela Jihad Islâmica, a partir de Gaza, sobre as populações civis do sul de Israel, forçando-as a correr para os refúgios e a lembrar os tempos da Guerra do Golfo contra Saddam Hussein, levaram mesmo o executivo a ameaçar com uma incursão militar terrestre em Gaza, tal como aconteceu em 2014.
A anti-pax americana e a expansão dos colonatos
O amigo americano é, efetivamente, um salvo-conduto para as atuais políticas de segurança e de expansão dos colonatos (o executivo aprovou esta semana a construção de mais quase duas mil novas residências nos colonatos da Cisjordânia, com o titular da defesa a garantir que Israel não irá dar aos árabes um centímetro que seja da terra israelita e o próprio Netanyahu a prometer 3500 novas habitações para os colonatos), bem como da inviabilização da solução dos dois estados, conforme internacionalmente consagrado. O que Obama trouxe de equilíbrio e de chamada à razão, potenciando o campo político progressista e da paz em Israel, Trump torpedeou com o anúncio, em 2017, da mudança da embaixada de Telavive para Jerusalém, reconhecendo-a como capital de Israel (e do futuro estado palestiniano, disse), além de outras decisões que chocam com uma abordagem diplomática de décadas.
O plano apresentado em janeiro, inspirado por um genro e uma filha convertidos ao judaísmo ortodoxo, é um manancial de concessões a Israel, cujo parlamento aprovou, em 2018, uma lei que define o país como "o Estado-nação do povo judeu" e que foi muito contestada pela oposição centrista e de esquerda, bem como pelos árabes israelitas e outras minorias, como os drusos.
A construção de novos colonatos, também defendida por Donald Trump, ao arrepio das negociações de paz, do direito internacional e das resoluções da ONU, suscita críticas como do movimento Paz Agora, que a considera uma artimanha para conquistar o voto de direita dos colonos e um investimento inútil e prejudicial. A construção de novas habitações entre o colonato de Maalé Adoumim e Jerusalém, corta a Cisjordânia e pode impedir a criação de um Estado palestiniano, segundo Angela Godfrey-Goldstein, da ONG Jahalin Solidarity.
Mas, por outro lado, a expansão dos colonatos desencadeia elogios da organização de defesa dos direitos dos colonos na chamada West Bank, considerando o seu líder David Elhayania, que atual política "reforça a presença de Israel Judaica-Samaria".
A economia e a pobreza
Neste país menor que o Alentejo mas com mais de nove milhões de habitantes, o desemprego é baixo (3,4% em outubro do ano passado), a inflação de 1,3% para 2020 e a economia tem crescido à volta dos 3%, o que torna ainda mais incompreensível que haja quase dois milhões de habitantes a viver abaixo do limiar de pobreza, num país que é vigésimo segundo no Índice de Desenvolvimento Humano. País com créditos firmados na tecnologia (nomeadamente a ligada à defesa e segurança, que representa quase metade do volume de exportações) e farmacêutica, Israel descobriu recentemente relevantes depósitos de gás natural no Mediterrâneo.
Apesar da prosperidade económica, o país enfrenta desafios económicos importantes, como a incapacidade de replicar o sucesso do setor de telecomunicações noutros setores. O falhanço em fazer emergir grandes empresas multinacionais na última década também põe em causa a capacidade do país em empregar um grande número de pessoas nas indústrias mais avançadas.