"Israel visa criminosos, os terroristas palestinianos usam civis como escudos humanos"
Os 75 anos de Israel e os ataques sobre a Palestina pelo olhar do diretor-executivo da Associação para o Estudo do Médio Oriente e África, doutorado pelo King's College de Londres e que dá aula aberta em Lisboa daqui a dias.
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Este domingo assinalam-se os 75 anos da criação do Estado de Israel. Os palestinianos assinalam a Naqba, ou a "catástrofe" da criação do estado judaico. É também o quinto aniversário da transferência da embaixada dos EUA de Telavive para Jerusalém, decidiram por Donald Trump. No terreno, mais de 30 mortos palestinianos e um israelita nos últimos três dias, incluindo cinco crianças, com os ataques israelitas à Faixa de Gaza. Israel justifica a operação "Escudo e Flecha" com a necessidade de anular a capacidade militar da Jihad Islâmica, eliminando vários líderes do grupo.
Asaf Romirowsky é diretor-executivo da Scholars for Peace in the Middle East (SPME) e da Association for the Study of the Middle East and Africa (ASMEA) - Associação para o Estudo do Médio Oriente em África - historiador do Médio Oriente, é doutorado em Estudos do Médio Oriente e do Mediterrâneo pelo King's College de Londres e tem publicado numerosas obras sobre vários aspetos do conflito israelo-árabe e da política externa americana no Médio Oriente, bem como sobre a história de Israel e do sionismo.
Vai dar na próxima quarta-feira às 18H00uma aula aberta na Universidade Nova, na NOVA School of Law, sobre Segurança e Geopolítica, intitulada «Abraham Accords - Conflict, Peace and Diplomacy in the Great Middle East". Antes disso, esteve em entrevista na TSF.
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Professor Asaf Romirowsky, porque é que Israel tem estado a bombardear a Faixa de Gaza e a matar civis esta semana?
Bem, deixe-me ser claro sobre o que Israel está a fazer. Tem havido ataques constantes por parte de organizações terroristas, tem havido um ataque contínuo às populações civis israelitas. Em contraste com a Jihad Islâmica, o Hamas e outras organizações terroristas nas zonas palestinianas, os israelitas estão apenas a visar as instalações militares e os criminosos, em contraste com as organizações terroristas islâmicas que utilizam civis como escudos humanos. E essa é uma das principais diferenças. Há meses que se assiste a um ataque contínuo e aterrorizador contra as comunidades israelitas nas comunidades do sul. Por isso, Israel tem o direito de se defender. E é exatamente isso que estamos a ver acontecer agora: são ataques de defesa. E, mais uma vez, as baixas civis são, por vezes, lamentáveis, mas não é esse o alvo ou o objetivo das Forças de Defesa Israelitas.
Mas apesar da eliminação de altos quadros da Jihad Islâmico, mais de três dezenas de civis foram mortos, incluindo várias crianças, e desta vez os bombardeamentos foram lançados sem aviso prévio para a evacuação de civis...
Em primeiro lugar, depois do alvo do líder da Jihad, houve uma série de notícias e avisos nas redes sociais e por todo o lado. E para que os civis saibam que há sempre (o que faz parte da confusão que acontece como resultado do modo como os palestinianos operam)... há sempre o uso de escudos humanos para ampliar o que está a acontecer no que diz respeito aos civis. É aí que reside o aspeto confuso. Quero dizer, mais uma vez, não estou a tolerar quaisquer atos quando se trata de civis de qualquer um dos lados. Mas sabe, os opositores usam crianças, usam mulheres. E temos visto isso desde sempre a acontecer. Quando há indivíduos que são alvo de ataques no caminho para o lugar de culto, como vimos com as crianças que foram atacadas em Israel, os recentes ataques que aconteceram há algumas semanas à mãe e às duas filhas, à família D, enfim, tem havido sempre um ataque consistente a civis, em contraste com o que os israelitas estão a fazer. Por isso, penso que há que contextualizar a situação. O que está a acontecer é que os avisos têm vindo a aumentar. Quer dizer, se olharmos para as redes sociais que os israelitas estão a divulgar, bem como para os avisos antes de entrarem nessas áreas... e, dito isto, há também um elemento de garantia da neutralidade da área versus operações. A propósito, no outro dia, ia haver uma operação que foi cancelada devido à quantidade de civis na zona.
A operação militar acontece na véspera do 75º aniversário da criação do Estado de Israel. Terá sido uma forma de celebrar a data com uma ação política de um governo de extrema-direita como é o atual e novo governo de Netanyahu?
A celebração de Israel é uma iniciativa bipartidária de ambos os partidos da esquerda e da direita em Israel. Penso que na existência de Israel há obviamente muito a apreciar e a agradecer por 75 anos e as pessoas celebram em ambos os lados. Penso que, como sempre acontece com os políticos, há sempre um terreno escorregadio, e eles podem tentar usar esses eventos para engrandecer as suas próprias agendas políticas. Dito isto, houve mesmo um aviso que saiu do presidente na véspera do Memorial Day e do Dia da Independência de Israel, pedindo aos políticos que respeitassem os dias pelo que são e que mantivessem a integridade dos dias, sem entrar em política e com a ideia de celebrar a unidade e tudo o que lhe está associado. Quer dizer, esse foi o objetivo principal e sempre foi o objetivo dourado da celebração deste dia.
Continua a acreditar na solução de dois Estados?
Penso que a modalidade de solução de dois estados, tal como está, é um pouco desafiadora porque é realmente mais do que uma solução de dois estados, na verdade, o que estamos a ver hoje é que estamos a olhar para três entidades: Gaza, Cisjordânia e Israel. E as únicas áreas em que se poderia ter qualquer tipo de colaboração ou coexistência, politicamente, onde se poderia chegar a alguns compromissos, seria entre as áreas da Autoridade Palestiniana (nas zonas da Judeia e Samaria, Cisjordânia) e Israel. Penso que enquanto a Faixa de Gaza for controlada pelo Hamas e pela Jihad Islâmica, não existe qualquer colaboração nessa zona. É uma questão de saber quais são as duas áreas geográficas onde é possível encontrar uma colaboração ou uma oportunidade para estruturar um Estado lado a lado. Penso que isso faz parte do debate que tem vindo a decorrer nos últimos 25 anos, sem dúvida. Mas penso que o facto de Gaza ser hoje totalmente governada por uma entidade islamita, não o vai permitir, já que a política e os objetivos que emanam desses indivíduos são a destruição do Estado de Israel, em vez de um tipo de coexistência. Por isso, penso que isso tem de ser entendido no que respeita aos territórios geográficos. Dito isto, penso que, no que se refere à colaboração e ao local onde se pode traçar o mapa e a linha, e não mudámos muito ao longo dos últimos 30 anos, penso que toda a gente sabe onde está o mapa, o que importa é chegar à mesa das negociações. E isso não aconteceu em negociações diretas nos últimos anos.
Qual é a importância dos Acordos de Abraão? Sei que vem falar desse tema na aula aberta que vai dar na Universidade Nova, na próxima semana, em Lisboa...
Bem, os Acordos de Abraão são extremamente significativos. É a primeira vez, em mais de duas décadas e meia, que se assiste a uma normalização das relações entre Israel e dos países árabes. Mostram que a modalidade de paz não se limita necessariamente a um modelo de terra pela paz. E o facto de haver hoje um entendimento no mundo árabe, especialmente nas regiões do Golfo, de que Israel é visto como um valor acrescentado e não como uma responsabilidade, penso que isso é extremamente significativo, no que se refere à mudança de humor, ao estado de espírito e ao teor do que Israel traz para a mesa, onde a colaboração pode ter lugar, o que é uma verdadeira normalização das relações, que se baseiam em laços económicos, que se baseiam em valores partilhados, que se baseiam em laços culturais, laços educativos. Durante a pandemia, houve uma grande partilha de tecnologia médica; tudo isto é extremamente positivo. E também, curiosamente, quando falo com os meus colegas nos Emirados Árabes Unidos, no Bahrein e noutros locais, não é que que as suas atitudes e simpatias pela causa palestiniana tenham mudado. O que é interessante é que eles dizem que o modelo em que estamos a trabalhar agora é o modelo adequado, defendendo que os palestinianos adotem este modelo de normalização, em que é possível ter tecnologia, economia, todas essas coisas, como está a acontecer no Golfo. Por isso, penso que se trata de uma mudança significativa de atitude e que há muita positividade e colaboração, para não falar do facto de que, historicamente falando, como historiador, penso que é realmente único, que há uma tentativa de compreender a história judaica, que tem havido um crescimento significativo na compreensão da educação sobre o Holocausto nas áreas do Golfo e que compreender o outro e trabalhar em conjunto para a colaboração é algo que nunca vimos acontecer antes. Penso que estes são elementos fundamentais que podemos utilizar para desenvolver e expandir o que já começou em 2020.
Porque é que é tão crítico em relação à mais antiga missão humanitária da ONU, a UNRWA, a Missão das Nações Unidas na Palestina?
A meu ver, a UNRWA (United Nations Relief and Work Agency, a Missão da ONU para os refugiados palestinianos), não é um elemento de construção da paz, mas sim um obstáculo à paz. A UNRWA é o organismo das Nações Unidas que mais se tem dedicado a manter e sustentar os palestinianos numa situação de estase do estatuto de refugiado. E penso que, em vez de trabalharem para que os palestinianos passem do estatuto de refugiados para o de cidadãos, têm mantido essa estagnação e, a meu ver, e de acordo com a investigação que tenho feito ao longo dos anos, o estatuto de refugiado dos palestinianos e a sua identidade são idênticos ou sinónimos da identidade palestiniana. E os Estados Unidos, por si só, investiram perto de 72 mil milhões de dólares nos últimos 75 anos. E uma empresa que continua a crescer, é a única indústria na arquitetura da ONU, em que os refugiados palestinianos são definidos de forma única. Normalmente, na organização irmã, o ACNUR, só se pode ser refugiado durante uma geração, a UNRWA redefiniu o que é um refugiado árabe palestiniano nos termos mais abrangentes: é a única população que permite herdar o estatuto de refugiado, o que permite o chamado, cito, "crescimento natural dos árabes palestinianos refugiados", fim de citação. Os compromissos que têm sido assumidos ao longo dos anos entre Israel e os palestinianos, quando se discute o direito de regresso e se discute o fim do estatuto de refugiado, têm-se prendido com o facto de esse ser um elemento fundamental para a resolução da questão. Israel já concordou, incluindo os Estados Unidos, com as percentagens dos refugiados originais de 1948/49, incluindo outros números, até 300 a 400 000, incluindo a compensação, mas com o objetivo final de acabar com o direito de regresso dos refugiados. Sempre que esses compromissos foram propostos, foram categoricamente rejeitados.
O direito de regresso que está emaranhado e, eu diria, codificado no estatuto de refugiado, é visto na sociedade palestiniana como um direito divino, o que significa que não há espaço para compromissos e o facto de não haver espaço para negociações é, a meu ver, o que mantém e sustenta o seu estatuto de apátridas, mas também o que mantém e obstrui realmente qualquer movimento para qualquer tipo de paz. Na minha opinião, essa é a razão número um que garante que o conflito nunca acabará. E isso é feito de propósito. Por isso, é aí que reside a minha crítica à UNRWA. Para além de tudo isso, também diria que a UNRWA se tornou, hoje em dia, e temos dados e informações sobre o que está a acontecer agora, um canal para organizações terroristas para a educação para o ódio. Não há nada no trabalho da UNRWA que promova a coexistência, que promova a educação pacífica. Utilizaram as suas escolas como canais para o Hamas, e para a Jihad Islâmica Palestiniana. Por isso, é um tigre de papel em muitos aspetos. E, na verdade, só contribui para criar metástases no problema e para o agravar.
Mas acredita que há essa vontade para o compromisso, para as negociações, para a coexistência, por parte de Israel?
Penso que há mas que é necessário fazer mais. Penso que parte do que não tem acontecido em grande parte nas últimas décadas é a negociação direta. A tática palestiniana tem sido a de tentar utilizar instituições como as Nações Unidas para tentar obter uma parte do poder sem se sentar para negociar. E penso que isso tem de acontecer quando nos sentamos à mesa das negociações, que é onde o trabalho árduo tem de ser feito. É a única forma de o fazer. Como se pode ver agora, com os Acordos de Abraão, como vimos com a Jordânia, como vimos com o Egito, é preciso sentar-se à mesa das negociações. Penso também que existem problemas estruturais. Quero dizer, o facto de Mahmoud Abbas estar a cumprir, agora provavelmente o 16º ou 17º ano de um mandato que era de quatro anos.... A questão que se colocava era a de saber se uma nova liderança deveria avançar e tentar reunir as partes. E estamos num status quo. Portanto, isso não aconteceu, não está a acontecer e penso que precisa de acontecer. Estas são questões que precisam de ser trabalhadas, tal como têm sido discutidas há anos e anos, mas não é possível fazê-lo à distância sem nos sentarmos à mesa das negociações.