É o diretor do International Crisis Group para o Médio Oriente. Joost Hiltermann, em entrevista à TSF, analisa a guerra e o papel dos atores externos, antevendo em Gaza "um enorme sofrimento humanitário".
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Com as forças israelitas já na entrada da cidade de Gaza, o que é que pensa que pode acontecer a seguir?
Não sei, não sei o que vem a seguir. Uma grande luta, suponho e um enorme sofrimento humanitário, porque a cidade de Gaza ainda tem uma população significativa neste momento. Portanto, temos as pessoas que não puderam sair, ou não quiseram sair. Há dezenas de milhares de pessoas na zona do Hospital Shifa. Uma ofensiva que tivesse como alvo a cidade causaria imenso, imenso sofrimento.
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O que é que nos pode dizer do papel que está a ser desempenhado pelos atores externos, seja o Qatar ou o Irão, bem como pelos Estados Unidos?
Bem, é tudo muito diferente. O Irão deixou claro que não quer uma guerra maior. Mas não é claro que a possam evitar. Porque uma das linhas vermelhas, penso eu, para o Irão e para o Hezbollah é que se Israel tentar realmente destruir completamente o Hamas e estiver perto de o conseguir, não podem aceitar e permitir, porque isso fá-los-ia parecer fracos. Penso que essa é uma linha vermelha. Mas não é claro para mim que Israel possa, de facto, atingir esse objetivo. Em todo o caso, isso é algo que ainda está para ser visto. No que respeita ao Qatar, o Qatar tem, obviamente, uma relação funcional com Israel e com o Hamas. Por isso, não é parceiro ideal para negociar ou mediar. E tem estado a fazê-lo. Se será bem sucedido é outra questão. E isso depende mais das partes do que do Qatar. Mas, claramente, estão a colocar todos os seus esforços na mediação. A Arábia Saudita e os Emirados estão muito preocupados com o alastramento da guerra. E estão certamente a tentar persuadir os Estados Unidos a pressionar Israel para que não se lance numa ofensiva terrestre. Quanto aos Estados Unidos, é preciso fazer a diferença entre as mensagens públicas e as mensagens privadas. Não sabemos realmente o que estão a dizer em privado. Mas parece que os Estados Unidos estão a pedir alguma contenção na operação terrestre israelita. Mas, nas mensagens públicas, continuam a insistir que Israel tem o direito à autodefesa, sem sublinhar suficientemente que mesmo o direito à autodefesa tem restrições devido ao direito humanitário internacional. Portanto, mencionam-no de vez em quando, mas não é claramente uma questão de ênfase. E os europeus estão divididos, de facto, entre aqueles que falam no direito à autodefesa, aparentemente sem quaisquer restrições e aqueles que dizem "bem, sabe, os valores europeus incluem o direito internacional humanitário e os direitos humanos". E por isso, claro, são restrições para qualquer beligerante, incluindo Israel, quando estão a levar a cabo uma campanha numa área urbana.
Mas, no grupo destes últimos, estão apenas Espanha, Portugal, Irlanda...
Sim, esses são os que defendem esta perspetiva com mais força. Mas mesmo a Alemanha e a França tiveram de pôr um travão na Ursula Von der Leyen. Porque ela estava claramente a jogar fora do seu papel, da sua esfera de competências formais. Mas sim, há uma divisão na Europa e, e penso que, genuinamente, até a Alemanha pensa que Von der Leyen foi longe demais. Mas foi mais uma questão técnica do que uma discordância sobre o apoio a Israel, porque é a Alemanha, eles não podem dizer nada sobre Israel, porque têm tanto medo de serem acusados de apoiar outro holocausto, sabe, é uma situação impossível. E os austríacos um pouco da mesma forma, mas toda a gente fora dessa área pode criticar Israel, mas não o fazem, porque no final, é um país ocidental, veem-no como um país ocidental, como um aliado. Veem o que acontece a 7 de outubro como algo tão atroz que Israel pode tomar qualquer medida para o contrariar. E não pensam estrategicamente, porque o facto é que se olharmos para o resto do mundo, o resto do mundo não está com Israel, são apenas os Estados Unidos e os europeus. E se ao menos eles fizessem um apelo mais forte a Israel para que respeitasse o direito internacional, então, sabe, não ficariam tão isolados...
Pensa que este já é um conflito regional? Com dezenas de mortos e dezenas de milhar de deslocados no Líbano, mais o bombardeamento de alvos militares e interesses iranianos na Síria, este já não será, de facto, um conflito regional?
Não sei, depende da definição que se dá, suponho. Não quero entrar por aí. Mas diria que, em circunstâncias diferentes, o que aconteceu na fronteira israelo-libanesa já teria conduzido a uma escalada enorme e não aconteceu, no sentido em que, mais uma vez, no passado, se tivessem matado um par de soldados israelitas, Israel teria respondido de uma forma importante e o Hamas teria escalado imediatamente. Agora vemos que, na verdade, pode haver um certo número de baixas e pode haver um número significativo de deslocados. E, no entanto, não há uma guerra total entre eles.
Ainda acredita que seja possível a troca de reféns pelos militantes do Hamas presos em prisões de Israel?
Não sei. As negociações estão a decorrer. E sei que, internamente, Israel também está dividido sobre se a principal prioridade deve ser salvar o maior número possível de reféns e de vidas, claro, ou destruir o Hamas. E, sabe, obviamente, se conseguirem alcançar ambas as coisas, isso seria o melhor, na perspetiva israelita, mas não tenho a certeza de que isso seja possível. Por isso, é provável que tenham de fazer uma escolha. E, neste momento, não sei qual é a posição deles em relação a isso. Não sei.