Julgamento por violação. Apesar de "totalmente destruída", Gisèle Pelicot está determinada em "mudar a sociedade"
A francesa, de 71 anos, foi drogada pelo ex-marido, que recrutou dezenas de homens na internet, com idades entre 30 e 74 anos, para abusarem dela enquanto estava inconsciente
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Em França, Gisèle Pelicot, que foi drogada e violada pelo ex-marido e por dezenas de homens, contou estar "totalmente destruída", mas determinada "a mudar a sociedade". O julgamento das violações de Mazan, que está a ser acompanhado pelo mundo inteiro, voltou a abrir o debate sobre o consentimento e violência sexual em França, mobilizando parlamentares e dezenas de organizações feministas que exigem uma revisão da lei.
O julgamento das violações de Mazan, no sudeste da França, voltou a abrir o debate sobre consentimento e violação. Gisèle Pelicot, de 71 anos, foi drogada pelo ex-marido, que recrutava homens na internet, com idades entre 30 e 74 anos, para abusarem dela enquanto estava inconsciente.
Gisèle Pelicot optou por um julgamento à porta aberta para expor o impacto devastador da violência sexual. "A vergonha não é nossa, é deles", afirmou, decidida a quebrar o silêncio e o estigma que ainda pesa sobre as vítimas.
Após quase dois meses desde o início do julgamento, que está a ser acompanhado à escala global, Gisèle é recebida com aplausos sempre que chega ao tribunal.
À medida que o julgamento decorre, as manifestações têm-se espalhado por todo o país. Comovida pelo apoio que tem recebido, Gisèle Pelicot espera que o seu caso inspire outras vítimas.
"Sinto-me profundamente comovida por este impulso, que me confere uma grande responsabilidade. Graças a todos vós, encontro forças para levar esta luta até ao fim. Dedico esta luta a todas as pessoas, mulheres e homens, que em todo o mundo são vítimas de violências sexuais. A todas as vítimas, quero dizer-vos hoje: olhem à vossa volta, não estão sozinhas", declarou Gisèle Pelicot.
O processo envolve 50 homens acusados de violação e violação agravada. As penas podem chegar a 20 anos de prisão. Muitos admitem os actos, mas alegam desconhecer o estado de inconsciência da vítima. Dominique Pelicot confessou ter drogado a esposa e organizado as violações. "Sou um violador, como os outros que estão aqui", disse, pedindo perdão, mesmo reconhecendo que o seu crime é imperdoável.
O advogado de Gisèle Pelicot, Stéphane Babonneau, sublinha que este não é um caso de vingança, mas de mudança. "Hoje, ela não procura vingança, nem veio exigir penas de prisão - essa não é de todo a sua abordagem. O que ela queria era trazer à luz os argumentos que muitas vezes são usados por homens acusados de violação, especialmente um que surge com frequência: a ideia de que o violador é um homem que espera às escondidas, debaixo de uma ponte, com uma arma, para cometer uma violação, de forma extremamente violenta. O que ela quis mostrar é que nem sempre é assim e que, na maioria das vezes, trata-se de uma pessoa perfeitamente integrada na sociedade", explicou o advogado.
O caso tem gerado um forte impacto público. No dia 18 de outubro, a Fundação das Mulheres e outras 44 associações formaram uma coligação para exigir uma "lei integral contra as violências sexuais". A proposta pretende incluir a noção de consentimento na lei, conta com 130 medidas e um orçamento de 332 milhões de euros anuais.
Mas as associações avisam que uma lei não chega. Segundo o Instituto Nacional de Estudos Demográficos, mais de 217 mil mulheres entre 18 e 74 anos são vítimas de violação, tentativa de violação ou agressão sexual todos os anos, em França. Em 49% dos casos, o agressor é um conhecido da vítima, e em 21%, é o marido ou ex-marido.
O veredito do julgamento do processo de Mazan, que está a chocar o país, é esperado para o final do mês de dezembro.
