Maiores preocupações são saúde e mobilidade mas, para já, ainda estão calmos. Sair do Reino Unido não é opção no curto prazo e queixas dos serviços consulares crescem.
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Chegou em 2012 ao Reino Unido para fazer um doutoramento em Newcastle e, na altura, o referendo estava longe de figurar na agenda. Há 7 anos, Rita Cruz não pensava vir a ter as preocupações que hoje tem. À época, a dividir o tempo entre Holanda e o Reino Unido, a mobilidade não era um problema; atualmente, a mobilidade entrou na lista de inquietações.
"Apesar de ter havido algum esforço por parte do governo britânico e da União Europeia para tentar acalmar as preocupações dos cidadãos europeus que vivem no Reino Unido, para mim ainda não é claro se tudo o que foi acordado quanto ao nosso estatuto pós-Brexit será assegurado numa situação de não acordo", comenta Rita Cruz. "A minha preocupação é perceber se terei direito ao serviço nacional de saúde ou se vou ter de fazer um seguro de saúde privado. Além disso, a questão da mobilidade ainda não é clara, não sei quão fácil será a entrada e saída do Reino Unido quando for de férias ou visitar a minha família a Portugal. E, claro, em termos profissionais a desvalorização da libra face ao euro torna os salários aqui menos atrativos", explica esta cientista portuguesa que vive atualmente em Edimburgo.
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Um pouco mais a sul, em Londres, João Pereira também salienta a mobilidade e a saúde como "pilares" a assegurar. No entanto, as garantias que tem vindo a receber parecem ser convincentes. "A verdade é que o mayor de Londres tem tido um papel fundamental na informação da comunidade emigrante europeia a residir em Londres. Temos recebido e-mails constantes com tudo o que poderá acontecer e isso dá-nos alguma tranquilidade", sublinha este português que se mudou para Londres em 2016.
"A mobilidade é uma preocupação porque estamos habituados a um espaço onde podemos entrar e sair sem grande dificuldade, [mas] não haverá grandes mudanças, sobretudo para quem reside no Reino Unido há já mais de 5 anos", confia João Pereira.
O Brexit no dia-a-dia
Além do que leem nos jornais, veem na televisão ou ouvem na rádio, o Brexit já saltou da agenda política e mediática para o quotidiano. "Temos lido bastantes notícias sobre empresas que alertam para o facto de, num cenário pós-Brexit, ser bastante complicado em relação ao acesso a bens alimentares, medicamentos e esse é um cenário que preocupa", diz João Pereira.
Também Rita Cruz confirma esta ideia: "nos supermercados, há receio de haver escassez de alimentos, mas não necessariamente devido à falta de fornecimento mas devido ao panic buying. Ou seja, na eventualidade de no-deal Brexit, espera-se que muita gente vá comprar em excesso e em demasia, mesmo que não haja qualquer problema na cadeia de fornecimento". "Pessoalmente, não comprei nada em excesso e pretendo manter a calma", conta.
Já no contexto laboral, a história é outra. "Trabalho numa empresa na área da biotecnologia e fomos alertados, nos últimos meses, por vários fornecedores de material de laboratório que devíamos pôr em prática um plano de contingência para o caso do no-deal Brexit em que, nesse caso, esperariam bastantes constrangimentos nas fronteiras e talvez falta de stock. Por isso, sim, no trabalho aumentámos o stock de vários materiais para nos precavermos quanto a essa possibilidade", sublinha a cientista portuguesa.
A trabalhar na área do marketing, João Pereira já recebeu da empresa garantias em relação ao futuro: "a minha empresa garantiu-nos que a intenção é ficar [no país], foi-nos garantido que qualquer custo para ficar seria suportado pela própria empresa, portanto, naquilo que me toca, não senti qualquer efeito no meu dia-a-dia. É extremamente positivo e dá-nos alento para enfrentar a incerteza com alguma tranquilidade".
Problemas consulares
Há ainda uma outra preocupação dos portugueses em altura de saída do Reino Unido da União Europeia e que nem tem que ver com o próprio Reino Unido: as relações com o consulado.
Apesar do anunciado reforço dos serviços consulares em Londres e Manchester, os problemas persistem. "É praticamente impossível obter uma marcação", diz Rita Cruz.
"Não há um telefone de contacto para pedir esclarecimentos e, apesar de haver um endereço de email, não há qualquer resposta quando se tenta pedir esclarecimento ou ajuda através do email. Por isso, os portugueses aqui sentem-se completamente abandonados e a maior parte das pessoas com quem tenho falado prefere voar para Portugal para fazer qualquer coisa do tipo renovar o passaporte. Na minha opinião é chocante e inaceitável", comenta esta portuguesa.
Já João Pereira conta que "entre os portugueses comenta-se muito a dificuldade em aceder ao consulado". "O facto de ter havido uma emigração gigante de Portugal para o Reino Unido nos últimos dez anos fez com que o consulado não estivesse preparado para tantos pedidos. E não estamos a falar só de Portugueses, estamos a falar de cidadãos brasileiros com passaporte português, cidadãos angolanos com passaporte português e que merecem igual tratamento porque são portadores de cidadania Portuguesa, mas a verdade é que não estamos a falar apenas de portugueses de Portugal", lembra.
"No meu caso específico, os pedidos que foram feitos ainda estão pendentes. Tenho tentado evitar ao máximo recorrer ao consulado, o que estou a aguardar não é urgente", sublinha este português residente em Londres que adianta que quando precisa de renovar documentação fá-lo em Portugal "por ser mais fácil".
Sair ou não sair. Não é (por agora) uma questão...
Apesar dos constrangimentos e das dúvidas, tanto Rita como João não pensam sair do Reino Unido. Pelo menos, para já. Reconhecendo que pensa hoje muito mais em sair do que antes do referendo, Rita Cruz diz sentir-se ainda muito satisfeita com a situação profissional que tem em Edimburgo, na Escócia. "Talvez daqui a um ou dois anos se sinta o impacto económico e social do Brexit e aí faça a decisão", conta.
O compatriota que vive na zona de Londres segue pela mesma estrada. Com a mulher e um filho, João Pereira diz que "o plano é ficar". "Os políticos não se entendem e a verdade é que não acreditávamos que o Brexit podia acontecer e está a acontecer, não acreditávamos que pudesse haver um Brexit sem acordo e parece que é o que vai acontecer, portanto, todas as opções têm de estar em aberto, ser ponderadas e pensadas mas com tranquilidade", conclui.