Livro Branco da Defesa: “Não é para travar uma guerra, mas para nos prepararmos para o pior”
Kallas garante que o objetivo não é centralizar a política de defesa em Bruxelas: “Estados-Membros devem continuar a ter um papel central na defesa”
Corpo do artigo
A alta representante da UE para a Política Externa e de Segurança, Kaja Kallas, apresentou, esta quarta-feira, o Livro Branco para a Defesa Europeia - Readiness 2030. O documento, elaborado em conjunto com a Comissão Europeia define a estratégia para o reforço da capacidade militar da União, acompanhada pelo plano "ReArm Europe/Readiness 2030", que prevê, em particular, um aumento significativo do investimento no setor.
O plano pretende preparar a Europa para “o pior” dos cenários, reforçando as suas capacidades militares e promovendo uma maior coordenação entre os Estados-Membros. Neste âmbito, Kaja Kallas destacou a importância de algum grau de coordenação na União Europeia, em matéria de aquisição de capacidades militares.
"Trabalhar em conjunto é mais rápido e mais barato, e a interoperabilidade, que continua a ser um problema para nós devido à falta de compatibilidade entre capacidades, pode ser garantida desde o início", afirmou Kaja Kallas.
A chefe da diplomacia europeia sublinhou, no entanto, que o objetivo da Comissão não é centralizar a política de defesa em Bruxelas, pois “trata-se de uma questão de soberania nacional” e, no seu entender, “os Estados-Membros devem continuar a ter um papel central na defesa”.
Por outro lado, reconheceu também que Bruxelas pode ter um papel determinante no reforço da defesa europeia, facilitando a coordenação e financiamento de projetos conjuntos.
"Podemos apoiar os Estados-Membros na agregação da procura e na harmonização dos requisitos, ajudar a indústria europeia a aumentar a capacidade de produção e apoiar os Estados-Membros quando estes não conseguem fazê-lo sozinhos, seja por razões financeiras ou pela complexidade do processo", explicou.
A alta representante frisou que as medidas propostas pelo Livro Branco têm um caráter preventivo, mas são pensadas para garantir que a União Europeia está preparada para qualquer eventualidade.
"Não fazemos isto para travar uma guerra, mas para nos prepararmos para o pior, defender a paz na Europa e afirmar-nos num mundo que não pode ser governado pela lei do mais forte", afirmou.
Kaja Kallas falava em Bruxelas, durante a apresentação do Livro Branco da Comissão para a Defesa na União Europeia, um plano que visa dotar a União dos meios financeiros necessários para o reforço das capacidades militares no espaço europeu.
Numa nota divulgada em Bruxelas, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que "a era do dividendo da paz terminou" e que a Europa "precisa de se fortalecer e adotar uma abordagem proativa para a segurança".
“A arquitetura de segurança em que confiávamos já não pode ser dada como garantida. A Europa está pronta para agir. Temos de investir na defesa, reforçar as nossas capacidades e adotar uma abordagem proativa em matéria de segurança”, reiterou a chefe do executivo comunitário, considerando “decisivas” as medidas presentes no Livro Branco.
“Estamos a tomar medidas decisivas, apresentando um roteiro para a 'Readiness 2030', com um aumento do investimento em defesa e investimentos significativos nas capacidades industriais de defesa europeias”, afirmou von der Leyen assumindo que plano pretende incentivar as aquisições de equipamentos produzidos no espaço europeu.
“Temos de comprar mais europeu. Porque isso significa reforçar a base tecnológica e industrial de defesa europeia. Significa estimular a inovação. E significa criar um mercado à escala da UE para equipamento de defesa”, sublinhou.
O plano agora apresentado aponta para um investimento superior a 800 mil milhões de euros em defesa, através da criação de mecanismos de financiamento e maior colaboração entre os Estados-Membros.
Entre as principais medidas destacam-se a “agregação da procura” e “aquisição colaborativa” de sistemas de defesa, “o reforço das fronteiras externas da União”, nomeadamente com a Rússia e a Bielorrússia, e a aposta na inovação tecnológica através de inteligência artificial e computação quântica.
Indústria Europeia
A Comissão defende a necessidade de um mercado europeu integrado de defesa, com o objetivo de reduzir custos, garantir interoperabilidade entre os exércitos e estimular a capacidade industrial europeia. De acordo com o documento, já consultado pela TSF, a estratégia deve passar pela harmonização da regulamentação e a simplificação de procedimentos, tendo em vista acelerar a produção e aquisição de armamento e equipamentos.
“A simplificação e a harmonização da regulamentação devem centrar-se tanto nas regras e procedimentos específicos do setor da defesa, como no impacto das políticas e regulamentações da UE que, não sendo específicas da defesa, dificultam a capacidade da base tecnológica e industrial de defesa europeia (EDTIB) de responder com a máxima agilidade às exigências atuais”, refere o texto.
Para tal, o novo instrumento SAFE (Security Action for Europe) permitirá o levantamento de até 150 mil milhões de euros nos mercados de capitais, com o objetivo de disponibilizar financiamento acessível aos Estados-Membros para a aquisição conjunta de equipamento militar.
Mobilidade e reservas estratégicas
O Livro Branco identifica a necessidade do reforço da mobilidade militar dentro da União, através da modernização de infraestruturas de transportes e da simplificação de procedimentos alfandegários e administrativos.
O documento identifica o problema, destacando que “os atuais procedimentos não harmonizados, incluindo os alfandegários, provocam frequentemente atrasos significativos na emissão de autorizações para atravessar fronteiras”.
Como solução, Bruxelas defende que “a UE e os Estados-membros tratem de simplificar e racionalizar imediatamente as regulamentações e procedimentos e garantir a prioridade de acesso das forças armadas às infraestruturas de transporte, redes e ativos, incluindo no contexto da segurança marítima”. A comissão acredita que este procedimento permitirá “acelerar a capacidade de dissuasão autónoma da Europa e o apoio à Ucrânia”, ao garantir que tropas e equipamentos possam ser deslocados rapidamente em cenários de crise.
Paralelamente, está prevista a criação de reservas estratégicas de munições e armamento, um dos pontos centrais da iniciativa "Ammunition Plan 2.0", que visa assegurar o fornecimento rápido de material de guerra aos Estados-Membros e a parceiros como a Ucrânia.
Aposta na Inovação Tecnológica
A Comissão Europeia propõe um investimento em tecnologias disruptivas como a inteligência artificial, a computação quântica e a cibernética aplicada à defesa. Segundo o documento, estas inovações são essenciais para modernizar a resposta europeia a ameaças emergentes e garantir superioridade tecnológica face a potenciais adversários.
A Comissão destaca que “a guerra de agressão também evidenciou a indústria de defesa altamente inovadora e dinâmica da Ucrânia, com competências significativas em setores como a inteligência artificial e os drones, bem como capacidade excedentária em domínios estratégicos”, considerando assim essencial o aprofundamento de parcerias tecnológicas com indústrias de defesa da Ucrânia, facilitando a integração da sua produção militar no mercado europeu.
“A atitude proativa e o espírito empreendedor das empresas ucranianas, jovens e dinâmicas, podem fornecer impulsos importantes para a competitividade europeia e para o desenvolvimento de capacidades avançadas de defesa na Europa. [...] A integração da indústria de defesa ucraniana na Base Tecnológica e Industrial de Defesa Europeia (EDTIB) ajudará a Ucrânia a expandir-se, modernizar-se, consolidar-se e fornecer produtos de defesa a custos competitivos para o mercado global”, lê-se ainda no documento.