Nobel da literatura Svetlana Alexievich diz que presidente bielorrusso "declarou guerra" ao povo
Reeleição de Alexandre Lukashenko para um sexto mandato desencadeou uma vaga de protesto reprimida com perto de seis mil detenções, dois mortos e numerosas violências policiais.
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A escritora Svetlana Alexievitch, a única bielorrussa distinguida com um prémio Nobel, acusou na quarta-feira o Presidente Alexandre Lukashenko de conduzir o seu país para "a guerra civil", em pleno movimento de contestação violentamente reprimido.
"Sai, antes que seja tarde de mais, antes que leves as pessoas para um abismo terrível, para o abismo de uma guerra civil. Sai.", disse a autora dirigindo-se a Lukashenko, no poder há 26 anos, numa entrevista à Radio Free Europe.
"Apenas queres o poder e esse desejo revelar-se-á sangrento", adiantou, acusando o poder bielorrusso de ter desencadeado "uma guerra contra o seu povo".
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Desde domingo, a reeleição de Alexandre Lukashenko para um sexto mandato desencadeou uma vaga de protesto reprimida com perto de 6 mil detenções, dois mortos e numerosas violências policiais registadas em todo o território da ex-república soviética.
O Presidente Lukashenko, 65 anos, classificou os contestatários de "desempregados com um passado criminoso" dirigidos a partir do estrangeiro.
"Vejo como a sociedade se radicaliza, como se comportam os polícias antimotim... Ninguém poderia imaginar isso", disse ainda Svetlana Alexievitch, criticando a ação "desumana e satânica" das forças de segurança.
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Svetlana Alexievich disse à RFE/RL ter ficado chocada com a violência e crueldade que a polícia na Bielorrússia tem infligido aos manifestantes pacíficos - incluindo grupos de mulheres em Minsk e noutras cidades.
A escritora disse ainda que o povo bielorrusso estava "absolutamente convicto" de que Lukashenko tinha perdido as eleições contra a sua principal opositora, Svyatlana Tsikhanouskaya, que foi obrigada a deixar o país para a Lituânia quando tentou apresentar uma queixa formal à Comissão Central de Eleições sobre os resultados oficiais.
"Ninguém vê aqueles que amam Lukashenko por perto, aqueles que o apoiam [agora] da mesma maneira que o apoiaram no passado", disse Svetlana Alexievich, questionando: "E como se pode confiar naquele homem depois de ver o que se está a passar nas nossas ruas?".
A escritora sugeriu ainda que a polícia de choque russa - forças de segurança OMON - pode ter sido trazida para Minsk pelo regime de Lukashenko, a fim de dispersar violentamente os protestos em curso.
"Vemos uma fúria quase desumana e satânica, com a qual a OMON [polícia de choque] está a agir aqui e é difícil acreditar que seja a OMON bielorrussa", afirmou.
"Não acredito que os bielorrussos fossem capazes de atacar desta maneira as suas próprias mães e irmãs" disse, afirmando: "Não é real. Em cidades mais pequenas, onde todos se conhecem, os outros OMON recusam-se a bater nas pessoas. Mas aqui [em Minsk] algo de irreal se está a passar".
Svetlana Alexievich elogiou Svyatlana Tsikhanouskaya, uma noviça política e até há pouco tempo uma mãe doméstica, afirmando que esta tinha alcançado muito e que continuava a ser "um símbolo da sede de mudança, sede de uma nova vida, sede de honestidade".
A autora de obras como "Vozes de Chernobyl" e "O fim do homem soviético" afirmou-se grata a Svyatlana Tsikhanouskaya e aos seus associados por "preservarem a dignidade" dos bielorrussos.
Crítica contundente do poder de Alexandre Lukashenko, a escritora tinha apelado ao voto na opositora Svetlana Tikhanovskaia, 37 anos, uma antiga professora de inglês que substituiu o marido preso na corrida à presidência.
Galardoada em 2015 com o prémio Nobel da Literatura, a escritora de 72 anos é autora de livros pungentes sobre Chernobyl, a guerra do Afeganistão e a queda da União Soviética.